Lembra quando a internet era divertida? Descobrir um site novo, jogar um joguinho no navegador ou ver fotos daquela amiga – ou inimiga – de infância que você não vê há décadas. Nossa relação com a internet mudou.
Essas experiências não parecem mais tão disponíveis. Conglomerados de redes sociais tomaram o espaço aberto da internet, centralizando e homogeneizando nossas interações por meio de sistemas opacos de classificação de conteúdo. Hoje, meu Instagram é um mar de anúncios de coisas que posso ou não querer comprar, ou de influencers tentando me vender estilos de vida irreais.
Navegar pela plataforma X (antigo Twitter) significa ver menos posts de conhecidos e mais conteúdos promovidos por personalidades, muitas delas duvidáveis. Andrew Tate, ex-kickboxer anglo-americano e autodeclarado misógino, aguarda julgamento na Romênia por acusações graves, incluindo tráfico humano e estupro, que ele nega. Tate tem quase 10 milhões de seguidores na plataforma. Seu perfil foi banido em 2017, mas restaurado em 2022, após Elon Musk comprar o X.
Tate é apenas um exemplo do tipo de influência que essas plataformas promovem. A maioria dos países ainda carece de uma regulação adequada para lidar com esse novo cenário. No Brasil, o Marco Civil da Internet, no inciso IV do artigo 3.º, estabelece a “neutralidade da rede”, usada pelas plataformas para justificar a não assunção de responsabilidades sobre o conteúdo. A única responsabilidade efetiva surge do artigo 19, que só exige a remoção de conteúdo ilegal após ordem judicial específica. Esse marco foi pensado em “um outro mundo”, como bem apontou um colega.
A Europa parece estar anos à nossa frente. O DSA (Digital Services Act) e o DMA (Digital Markets Act) exigem transparência, moderação eficaz de conteúdo e garantem uma concorrência mais justa entre as grandes plataformas. Diferentemente do Marco Civil, que só atua após uma ordem judicial, os regulamentos europeus enfrentam de forma proativa o poder das big techs, protegendo os usuários desde o início. Isso cria um ambiente mais seguro e competitivo.
A questão é: quem deve regular o espaço digital e como? Deixar essa responsabilidade só com as empresas privadas tem se mostrado problemático. Tampouco parece apropriado que decisões tão impactantes sejam tomadas unilateralmente pelo Judiciário, ou por parte dele. O DSA e o DMA, que tiveram suas elaborações lideradas por Margrethe Vestager e Thierry Breton, da Comissão Europeia, são uma tentativa de equilibrar esse poder. Muita cabeça pensou junto ali.
Só sei que estou com saudades do Orkut.
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