Estes dias, recebi um vídeo. Era um TikTok do Mateus Mosco, motoboy em São Paulo. No lado direito do vídeo, vemos uma funcionária de uma plataforma de entregas mostrando a rotina e as regalias disponíveis para os funcionários do escritório. No lado esquerdo, vemos Mateus, entregador dessa mesma plataforma. Sentado na calçada, comendo um pacote de bolachas e tomando água, ao lado de sua moto estacionada.
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No vídeo, a funcionária apresenta as salas de reunião com nomes de iguarias culinárias brasileiras, áreas de descanso e lazer, com direito a comidinhas para os funcionários. A empresa conta também com uma sala “baby”, supostamente para facilitar a lactação de suas funcionárias que são mães. Os novos funcionários ganham um kit de boas-vindas. Tem copo não descartável e ecobag, pois há preocupação com o meio ambiente. Tem também uma viseira e uma camiseta. Os motoqueiros que querem trabalhar para a plataforma pagam R$150 pela mochila de entregas que eles usam na moto.
Existe um debate hoje sobre como devemos lidar com essas plataformas em termos das externalidades que elas geram para a sociedade ao não internalizarem custos trabalhistas como outras empresas. Quem paga, direta e indiretamente, é a sociedade. As empresas alegam que servem apenas como intermediárias entre partes que precisam entregar e receber algo. Logo, a ideia seria de que elas não possuem deveres trabalhistas com os entregadores. Soma-se a isso a ideia de que muitos dos entregadores estariam melhores oferecendo serviços na plataforma do que fora dela.
Essa análise deixa de lado algo fundamental: as externalidades que essas empresas geram ao se isentarem de seus deveres trabalhistas. Quem vai pagar pela seguridade desses trabalhadores quando eles precisarem? Ao aumentar a demanda por entregadores, temos uma alocação eficiente do ponto de vista social? Logo, o benefício implícito que essas plataformas recebem, por não precisarem gastar com direitos trabalhistas, é desejável do ponto de vista social?
Apesar de Mateus ser um insumo fundamental para a operação da plataforma, a empresa não possui responsabilidade trabalhista com ele. Portanto, ele não goza de nenhum dos direitos dos funcionários registrados que trabalham no escritório mostrado no vídeo. A sociedade coletivamente paga para que Mateus tenha alguma seguridade social, via SUS ou INSS. E a plataforma? Como ela está internalizando esse custo social? Faltam evidências.
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