Lei de Falências, que ‘não recupera mais nada’, será reformulada, com maior poder ao credor

Secretário de Reformas Econômicas diz que objetivo é melhorar os índices de recuperação do crédito e reduzir a inadimplência; proposta faz parte de pacote para baratear financiamentos sem garantias

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Entrevista comMarcos Barbosa PintoSecretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda

BRASÍLIA - O governo vai enviar em breve ao Congresso um novo projeto para reformular a Lei de Falências das empresas, antecipou ao Estadão o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto. Segundo ele, as normas hoje existentes são da década de 1980 e fazem com que o processo se estenda indefinidamente e não “se recupere mais nada”.

Os procedimentos, afirma o secretário, são extremamente morosos e desatualizados, sobretudo em relação à avaliação e venda de máquinas e equipamentos que nem existem mais no cenário atual.

“Queremos dar mais poderes, assim como aconteceu na recuperação judicial, para os credores influenciarem o andamento da falência e conseguirem, eles mesmos, indicar um gestor fiduciário para alienar os bens mais rapidamente e, assim, conseguirem arrecadar a maior quantidade de recursos possível para pagar as dívidas com eles próprios”, detalha.

Com o programa de negociação de dívidas Desenrola na rua e a aprovação do novo Marco das Garantias, o Ministério da Fazenda vai focar agora em medidas que ataquem o custo do crédito sem garantias.

'Precisamos atacar a outra parte do problema: o custo do crédito sem garantias', afirma Marcos Pinto, secretário de Reformas Econômicas.  Foto: WILTON JUNIOR

O “pacote” para baratear esses financiamentos tem dois eixos principais: o primeiro é aumentar a recuperação de créditos e reduzir a inadimplência, no qual está incluído a nova Lei das Falências; e o segundo é estimular o mercado de capitais, para que haja maior concorrência com o setor bancário.

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Para isso, o secretário defende a aprovação do projeto que trata do ressarcimento de prejuízos aos investidores em casos de fraudes com a das Lojas Americanas. “A gente precisa avançar com ele (o projeto), porque temos tido no Brasil seguidas crises de informações falsas, inconsistências contábeis e, em alguns casos, de fraude contábil, segundo as próprias empresas”, afirma.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Em meio ao cenário de reformas microeconômicas e de avanço do Desenrola, o programa de renegociação de dívidas do governo, qual é a expectativa para o mercado de crédito nos próximos meses?

Estamos vendo, desde o meio do ano, uma melhora significativa. Primeiro, o financiamento via mercado de capitais, que tinha secado, retornou. Já a inadimplência, que tinha subido muito, está dando sinais de estabilização e, com o Desenrola, a gente vai ter um impacto positivo na inadimplência do crédito para consumo. Em relação à discussão sobre o (rotativo do) cartão de crédito, na nossa visão, o que aconteceu foi que a população usou de forma errada esse meio de financiamento, que é muito caro, e isso levou a um superendividamento. Agora estamos renegociando as dívidas e estabelecendo limites para que isso não volte a acontecer. Se a gente continuar avançando nessa agenda de reformas, a expectativa é que tenhamos um 2024 muito melhor do que este ano, na perspectiva do crédito.

O que falta?

Acho importante, para a restauração da confiança no mercado de capitais brasileiro, que a gente aprove o projeto que trata do ressarcimento de prejuízos aos investidores. Esse projeto está na pauta da Câmara. Precisamos avançar com ele, porque temos tido no Brasil seguidas crises de informações falsas, inconsistências contábeis e, em alguns casos, de fraude contábil, segundo as próprias empresas.

É viável pensar na aprovação desse projeto depois de a CPI das Lojas Americanas ter concluído os trabalhos sem apontar responsáveis pelo rombo bilionário?

As responsabilidades continuam sendo apuradas (em outras esferas), e as próprias empresas que têm balanços corretos foram atingidas por uma crise de crédito originada em uma ou mais empresas que não seguiam as boas práticas. Então, essas empresas estão apoiando o projeto. Elas falam: “Minhas informações são corretas, eu faço uma contabilidade que reflete a situação econômica e financeira da minha empresa e eu estou sendo prejudicada porque tem gente que não fez (corretamente). Então, eu quero restaurar a confiança no mercado como um todo para que eu consiga emitir (títulos e ações) a um preço mais baixo”.

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Já há uma data para a votação do projeto?

Ainda não, mas temos um acordo com o presidente (da Câmara dos Deputados) Arthur Lira de que ele vai indicar o relator e colocar o tema na pauta.

O sr. foi diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que é chamada de xerife do mercado de capitais. Como o sr. avalia o papel da autarquia frente a essas fraudes recentes que prejudicaram os investidores?

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A CVM precisa ser fortalecida e temos feito isso. Primeiro, aprovamos um concurso, o primeiro em mais de dez anos. Nós insistimos muito com o Ministério da Gestão, mostrando que a CVM precisa de mais pessoas. O órgão perdeu um terço do seu quadro de pessoal nos últimos tempos, sendo que o mercado quintuplicou de tamanho no mesmo período. Então, hoje, o quadro de pessoal é insuficiente. Além disso, nesse mesmo projeto, aumentamos os poderes da CVM. Para que ela pudesse, por exemplo, fazer busca e apreensão de papéis e documentos, computadores e registros digitais nas empresas, como acontece com a CVM em outros lugares do mundo e como o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tem poder para fazer e a CVM não tinha.

Passada a aprovação do Marco das Garantias e do projeto que trata do uso de planos de previdência em operações de financiamento, qual o próximo foco da Fazenda na área de crédito?

Esses dois projetos devem reduzir muito o custo do crédito, mas nessas modalidades nas quais o devedor tem algum ativo para dar em garantia: imóvel, carro ou fundo de previdência, que são os principais ativos dos brasileiros. Agora, precisamos evoluir e atacar a outra parte do problema: o custo do crédito sem garantias.

Como fazer isso?

São duas linhas de trabalho. Uma é melhorar os índices de recuperação desse tipo de crédito. Para fazer isso, queremos levar adiante um projeto de lei, que está no Senado, e que tira do Judiciário todas as execuções de dívidas no Brasil. Deixa isso ser feito extrajudicialmente. É o mesmo modelo adotado para os créditos com garantia. Por que a hipoteca não funcionava no Brasil? Porque você precisava ir para o Judiciário para conseguir vender o imóvel. Queremos fazer a mesma coisa (para o crédito sem garantias): fazer fora do Judiciário todo o processo de execução dessas dívidas. Isso pode ser feito pelo que se convencionou chamar de agente de execução. Em geral, são notários. Alguns países também permitem que advogados façam isso.

Esse projeto chegou a ser incluído no Marco das Garantias, mas foi retirado durante a votação no plenário do Senado…

Exato. É um projeto de autoria da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). Ele foi incluído no Marco das Garantias, passou na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), mas foi retirado no plenário para que pudesse ser discutido por mais algum tempo.

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Há outros projetos que também poderiam melhorar os índices de recuperação do crédito?

Sim, vamos mandar para o Congresso um projeto reformando a Lei de Falências. Nós tratamos muito do instituto da recuperação judicial, mas as regras de falência permanecem praticamente as mesmas desde a década de 1980. São leis que fazem com que o processo se estenda indefinidamente e não se recupere mais nada.

Por quê?

Porque é um processo judicial tradicional, que foi pensado para lidar com companhias industriais que tinham ativos como máquinas e equipamentos. É um processo extremamente moroso de avaliação dessas máquinas e equipamentos, que, na realidade, nem existem mais no cenário atual. Então, queremos dar mais poderes, assim como aconteceu na recuperação judicial, para os credores influenciarem o andamento da falência e conseguirem, eles mesmos, indicarem um gestor fiduciário para alienar os bens mais rapidamente e, assim, conseguirem arrecadar a maior quantidade de recursos possível para pagar as dívidas com eles próprios.

Essa reformulação pode ter algum tipo de reflexo nos processos de recuperação judicial?

Sim. Hoje, na recuperação judicial, os credores têm muito medo de ir para a falência, porque se sabe que não se arrecada nada. Então eles cedem na negociação com o devedor, tendo em vista que, se o devedor não concordar, pode ir para a falência e todo mundo sair perdendo. Com a nova lei, a chance de arrecadar recursos na falência vai aumentar muito. Com isso, os credores não vão ter tanto incentivo para fazer qualquer acordo, e as negociações serão melhores. Ou seja, os credores vão conseguir arrecadar mais também na recuperação judicial.

Quando o projeto será enviado ao Congresso?

Logo. A gente já vem trabalhando no Ministério da Fazenda há algum tempo e deve encaminhar ao Congresso em breve.

E qual a outra linha de trabalho, além do foco na recuperação do crédito e na redução da inadimplência?

Não adianta aumentar a recuperação e reduzir a inadimplência se não houver concorrência com o setor bancário. E, para isso, a gente precisa desintermediar o mercado financeiro por meio do mercado de capitais. Nesse sentido, temos o projeto que eu mencionei anteriormente, que protege mais os investidores e os ressarce contra prejuízos, sobretudo de fraudes contábeis, o qual está em tramitação na Câmara. E, dentro do Marco das Garantias, aprovamos o conteúdo de um projeto de lei que tinha sido enviado no início do ano e que foi incluído nesse texto, o qual reduz bastante o custo de emissão de debêntures, que são os principais títulos de dívida no Brasil. Emitir uma debênture era mais complicado do que tomar empréstimo. Havia uma série de burocracias, que foram reduzidas. E vamos fazer mais no campo infralegal. Temos um grupo de trabalho com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o Banco Central e as associações do mercado exatamente para reduzir o custo de emissão desses títulos.

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Só reduzir o custo de emissão desses títulos privados é suficiente? Não seria desejável criar um ambiente mais propício à negociação desses papéis?

Os grandes financiadores do mercado de capitais nos países desenvolvidos são os poupadores de longo prazo: seguradoras, fundos de pensão e fundos de previdência. No Brasil, esses investidores institucionais investem quase a totalidade da sua carteira em títulos públicos, e não privados. Como a gente muda isso? Não estou dizendo que a gente deve incentivá-los a comprar títulos privados. O que a gente tem de fazer, a meu ver, é remover entraves e distorções regulatórias, contábeis e fiscais que fazem com que esses investidores comprem títulos públicos, e não privados.

Que distorções são essas? Poderia dar um exemplo?

Todos os títulos que um fundo de pensão tem na sua carteira são marcados a mercado (atualizados diariamente), com exceção dos títulos do governo. O que acontece? No caso dos títulos privados, se a taxa de juros aumenta, o valor do título cai. Enquanto que o título do governo fica parado, muito embora ele não valha mais a mesma coisa. Isso faz com que os fundos de pensão e os investidores de longo prazo prefiram ter títulos públicos para não ter volatilidade no balanço. Isso, graças a uma regra contábil artificial, que privilegia os papéis públicos. O que a gente deve fazer é ter regras uniformes. Se é para marcar a mercado, todos os títulos têm de ser marcados a mercado. Se é para marcar na curva, então tudo tem de ser marcado na curva. E a regra correta é, realmente, a marcação a mercado, que é praticada no restante do mundo. O que não existe é razão para que se diferencie o título público, que ganha um tratamento privilegiado.

O sr. mencionou as seguradoras quando falou dos grandes financiadores do mercado de capitais. Como a lei que reformula o setor de seguros entra nesse cenário de redução do custo do crédito?

O mercado segurador é um grande mercado poupador. Mas ele é muito pequeno no Brasil, perto do restante do mundo. Nós poderíamos ser um hub do mercado de seguros na América Latina, da mesma forma como somos um hub do mercado financeiro na região. Agora, para isso, a gente precisa de uma lei que proteja o segurado. Eu comparo muito o que aconteceu com o mercado de capitais no Brasil, de 2000 até agora, e o que pode acontecer no mercado de seguros. Esse setor corresponde a 3% do PIB, mas poderia facilmente ser 6%, 7%, 8% do PIB. E o principal elemento que fez a diferença no mercado de capitais foi a proteção ao investidor, e é esse o passo que a gente quer dar com esse projeto de lei que está no Senado.

Foi necessário reformular o texto que estava no Senado para obter o apoio das seguradoras. Quais mudanças principais o sr. destaca?

Nos últimos dias, a gente (Ministério da Fazenda) sentou com a CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras), reviu todo o projeto e chegou a um substitutivo que já foi entregue ao senador Jader Barbalho (MDB-PA), que é o relator. O projeto, na versão anterior, por exemplo, não era claro sobre a possibilidade de arbitragem em contratos de seguros (possibilidade de resolver conflitos fora do Judiciário, por meio de um árbitro imparcial escolhido pelas partes). A gente deixou absolutamente claro que é possível resolver via arbitragem. Obviamente que contrato pequeno, de seguro massificado, não vai para arbitragem, embora o projeto permita, mas é muito caro, tanto para a seguradora quanto para o segurado. Então o projeto deixa claro que pode, sim, arbitrar, só exige que a arbitragem seja feita aqui no Brasil. Além disso, tinha uma regra no projeto que previa que a Susep (Superintendência de Seguros Privados) tinha de autorizar todos os produtos oferecidos pelo mercado segurador, o que o órgão já não vinha mais fazendo. Ela vinha autorizando classes de produtos, e não o produto específico. Então a gente tirou isso do texto. O projeto também previa prazos bem curtos para regulação de sinistros. Ou seja, para a seguradora dizer se há cobertura e qual o valor a ser pago de indenização. Nós flexibilizamos esses prazos.

Em relação ao rotativo do cartão de crédito, que segue como o financiamento mais caro do País, como o sr. avalia o projeto aprovado pelo Congresso?

Achei o projeto equilibrado, porque, em primeiro lugar, ele dá a chance de o setor fazer uma autorregulação (em até 90 dias). E o setor conhece a fundo o próprio negócio, e pode montar uma solução que seja mais eficiente do que qualquer caminho que nós, do governo, possamos pensar. Além disso, acho que a solução que foi dada para o caso de não haver autorregulação é boa (nesse caso, a dívida poderá, no máximo, dobrar de tamanho). Não é uma solução muito intervencionista, porque regula o montante total de juros que vai ser cobrado, e não a taxa, que é uma forma inteligente de se fazer esse tipo de regulação para créditos de curto prazo. Porque se cria uma “parede” e evita o efeito bola de neve. A lei diz assim: “Você até pode cobrar um juro alto no curto prazo, mas vai chegar um momento em que você não vai mais poder cobrar de mim.”

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Mas, ao se limitar o montante total de juros, e não a taxa, não se abre espaço para que as instituições financeiras continuem praticando taxas extremamente elevadas?

Por ser um limite de volume, e não porcentual, de taxa, isso significa que, se você tomou R$ 100 de dívida, o máximo que o banco vai poder cobrar é R$ 200. Se o empréstimo for por um período bem curto de tempo, de fato o banco vai poder continuar cobrando uma taxa de juros bem alta. Mas, à medida que passa o tempo e com o nível de juros que temos hoje, esse paredão chega rapidinho. Por exemplo: com um juro mensal médio de 15%, esse limite chega em pouco menos de seis meses, porque já não se consegue mais cobrar juros. Então a nova regra dá um limite efetivo. E isso faz sentido, porque a inadimplência é muito alta. Então, ter um juro alto mínimo faz sentido, se não a instituição financeira não vai conseguir fazer frente à inadimplência e aí, sim, haveria retração de crédito.

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