A urgência do governo em organizar o sistema aeroportuário para atender a demanda de passageiros durante a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Rio levou o Executivo a adotar um novo modelo de privatização nos leilões de ontem - Guarulhos, Viracopos e Brasília. Brasília preteriu a modicidade tarifária em favor de mais receitas e investimentos. O modelo, híbrido, chamou particular atenção por ser diferente do que havia sido adotado pelo governo Lula.
Para o sócio da Price Waterhouse Coopers (PwC) Richard Dubois, o modelo de privatização dos três aeroportos exigia dos participantes um cronograma para a realização de investimentos, com a apresentação de garantias financeiras e a sinalização de que se os prazos não fossem cumpridos os conglomerados poderiam ser punidos com multas. "Mas foi uma privatização parcial. A Infraero continua como sócia minoritária com 49% dos empreendimentos, com direitos relevantes de veto e deve influenciar de alguma forma as decisões administrativas", comentou. "No caso da privatização do setor de telecomunicações realizada pelo governo FHC em 1998, podemos dizer que foi plena, embora tenha tido expressiva participação de funding do BNDES", destacou.
Segundo Dubois, faz sentido o governo manter o controle sobre a gestão do tráfego aéreo, o que é uma questão de segurança pública e nacional. "Contudo, não acredito que seja adequado que os militares, através da Infraero, decidam como deve ser o valor do aluguel do espaço de um McDonald's no aeroporto privatizado", acrescentou.
Na avaliação do professor da FGV-RJ Maurício Canedo Pinheiro foi o senso de urgência do governo, de que sem as privatizações os três aeroportos não ficariam prontos para a Copa de 2014, que levou a administração federal e deixar de lado a modicidade tarifária para o público. "Há alguns anos já havia um diagnóstico do Poder Executivo que os aeroportos viviam dificuldades para atender os passageiros", disse. "Parece que a ação oficial perdeu um tempo precioso recentemente e fez o processo de privatização de afogadilho, o que, de certa forma, pode até ter atenuado os valores arrecadados nos leilões", disse. Para Richard Dubois, o BNDES dispõe desde 2009 de um avaliação ampla realizada por uma consultoria internacional que aponta problemas estruturais dos principais aeroportos do País.
Fatores
De acordo com Adelmo Emereciano, sócio do escritório de advocacia Emereciano, Baggio e Associados, que assessorou o consórcio vencedor da usina hidrelétrica de Belo Monte, há fatores positivos e negativos no modelo de privatização dos aeroportos com forte poder estatal. De um lado, o governo vai garantir que não haverá perda de conhecimento das operações numa área muito especializada. Além disso, o Poder Executivo diminui o risco das atividades e atraiu mais o setor privado, na medida em que o BNDES deverá financiar ao redor de 60% das obras civis e perto de 80% da compra de equipamentos nacionais pelos consórcios vencedores dos três aeroportos.
Mas, segundo Emereciano, há fatores desfavoráveis no modelo híbrido de privatização dos aeroportos adotado pelo governo federal . "A participação do setor privado poderia ser maior que 51%, o que repercutiria muito provavelmente em mais investimentos em infraestrutura para o País", destacou.
Segundo ele, a supervisão do Estado sobre as operações do aeroporto, que na prática é uma Golden Share com 49% de participação, poderia ser exercida com as normas regulatórias. "A regulação será fundamental nesse processo e o governo deveria tornar mais visível perante a sociedade como vão atuar as normas que vão balizar a gestão dos aeroportos", disse.
Os especialistas também apontaram que a participação dos fundos de pensão no consórcio vencedor do aeroporto de Guarulhos também foi um peculiaridade dos leilões que atenuaram o vigor da privatização. Segundo eles, poderão surgir dúvidas sobre a atuação real do setor privado, dado que estes fundos tem seu corpo diretivo com vínculos com o governo federal. O professor Maurício Canedo Pinheiro, contudo, aponta que a participação destas instituições de previdência privada não prejudicou os leilões. "Houve disputa, ágios elevados, e o setor privado teve chances de participar e vencer a concorrência em igualdade de condições", comentou.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.