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Leis contra a biopirataria

Normas de acesso ao patrimônio genético ainda não estão consolidadas

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Por Redação
5 min de leitura
Getty images 

O acesso ao patrimônio genético e a repartição justa de benefícios aos indígenas e às comunidades tradicionais são temas sempre delicados tanto no Brasil quanto no mundo. E estão sendo discutidos há pelo menos três décadas.

No Brasil, a legislação aprovada em 2015 está ainda em fase de consolidação e precisa ser mais bem aceita por todos os setores que exploram a biodiversidade brasileira, seja para o desenvolvimento de cosméticos, seja para a produção de medicamentos ou outros usos. A boa aplicação da lei serve tanto para beneficiar os verdadeiros detentores do conhecimento tradicional quanto para evitar a biopirataria.

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Após a aprovação da Lei de Acesso ao Patrimônio Genético e ao Conhecimento Tradicional Associado, em 2015, a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) produziu o Guia Orientativo para Acesso à Biodiversidade Brasileira, com informações técnicas detalhadas sobre o tema.

Fragrâncias, extratos, óleos, aromas e manteigas são muitas vezes desenvolvidos a partir da descoberta de novas propriedades em insumos naturais já conhecidos ou que até então nem haviam sido explorados. O material da Abihpec explica que todas as matérias-primas desenvolvidas com base no acesso ao patrimônio genético do País devem ser registradas num cadastro próprio para isso, como etapa prévia ao pedido de patente ou qualquer comercialização.

O Conhecimento Tradicional Associado, também protegido pela lei, diz respeito à sabedoria acumulada por populações indígenas, agricultores e comunidades tradicionais no vínculo com a natureza ao longo dos séculos. São aquelas práticas, passadas de geração a geração, envolvendo a biodiversidade – ou seja, o patrimônio genético. O acesso a esses conhecimentos não necessariamente ocorre de forma direta, in loco. Pode se dar também por meio de feiras, artigos científicos e filmes, por exemplo – mesmo assim, devem ser reconhecidos e registrados pelas empresas que se beneficiam deles.

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Pela lei, quando o conhecimento é utilizado, as comunidades devem autorizar previamente o uso dele para que as pesquisas evoluam. E quando o produto chegar ao mercado, o que nem sempre ocorre, parte das vendas deve retornar em benefícios, não necessariamente financeiros, para os povos da floresta. (MO)

Brasil abriga 20% das espécies do planeta

A Lei de Acesso ao Patrimônio Genético e ao Conhecimento Tradicional Associado (Lei 13.123, de 2015) é uma referência fundamental para a consolidação no Brasil de um modelo de preservação ambiental alinhado ao desenvolvimento econômico. Trata-se da preocupação em proteger um grande patrimônio nacional, a biodiversidade.

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Além dos benefícios sociais e econômicos decorrentes diretamente da conservação e da utilização sustentável da biodiversidade brasileira, há também o grande potencial representado pelo patrimônio genético. O País abriga cerca de 20% do total de espécies do planeta. Mais de 116 mil espécies animais e 46 mil espécies vegetais podem ser encontradas no território brasileiro – e novas descobertas continuam sendo feitas.

A preocupação internacional com o tema ganhou impulso a partir da realização, em 1992, no Rio de Janeiro, da Eco-92, a Conferência das Nações Unidades sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Durante o evento foi estabelecida a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que envolveu uma série de compromissos por parte dos países signatários, incluindo o Brasil. 

Com o passar dos anos, a CDB foi se consolidando como fórum de discussão sobre diversidade e referência legal e política para outros acordos e convenções mais específicos envolvendo questões ambientais. Um deles foi o Protocolo de Nagoya (cidade japonesa), que teve a adesão brasileira aprovada pelo Congresso Nacional apenas no ano passado, uma década depois de ter sido estabelecido.

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O tratado define regras para a divisão entre os países dos benefícios resultantes de pesquisas genéticas com a biodiversidade e a utilização do conhecimento tradicional de comunidades locais e indígenas. Esses benefícios incluem o pagamento de royalties, o financiamento de pesquisas, a associação de empresas (joint ventures), o compartilhamento de resultados e a transferência de tecnologias. O acordo estabelece também que um país precisa consentir previamente pesquisas com seus recursos genéticos. (MO)

Respeito à ciência está na raiz da revolução cultural da empresa contemporânea

Ricardo Abramovay, Autor de Amazônia. Por Uma Economia do Conhecimento da Natureza (Ed. Elefante). Professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Twitter: @abramovay

A responsabilidade social das empresas é dar lucro: se conseguem pagar seus funcionários, seus fornecedores, seus impostos, obedecer às leis e, no final das contas, remunerar seus acionistas, é que elas fizeram aquilo que delas a sociedade espera. Cinquenta anos atrás, Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia, era ferrenho adepto dessa ideia, que foi perdendo prestígio à medida que ficava claro que muitos dos custos de funcionamento das atividades empresariais não eram pagos e que essa gratuidade acabava por destruir serviços ecossistêmicos dos quais todos (inclusive as próprias empresas) dependemos.

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Em 2019, o custo do capital natural usado pelas 1.200 empresas globais listadas no S&P 500 correspondia a 90% de seus lucros, segundo o State of Green Business de 2021. Se tivessem que pagar pelas emissões, pela água, pelo lixo, pela poluição e pela destruição da biodiversidade a que conduzem suas atividades, elas fechariam as portas.

Inúmeras organizações empresariais abandonaram de suas narrativas a ideia de que a natureza é um generoso e infinito ofertório de recursos. Passaram então a preconizar que a vida econômica não pode conformar-se em destruir um pouco menos. Ela tem que se converter em atividade regenerativa dos tecidos socioambientais que têm sido sistematicamente destruídos pelas formas convencionais de gestão dos negócios.

O exemplo global mais emblemático nessa direção é a Aliança para a Ambição Climática que reunia ao final de 2020 nada menos que 826 cidades, 103 regiões e mais de 1.500 empresas comprometidas com a meta de emissões zero de gases de efeito estufa. Essa Aliança vincula-se a outro movimento global importante que é a Iniciativa dos Objetivos Baseados em Ciência. Fundada em 2015, essa Iniciativa preconiza que as estratégias empresariais se apoiem no que as evidências científicas dizem sobre a crise climática. São mais de mil empresas alinhadas a esse objetivo e esse número vem aumentando rapidamente. No ano passado, a adesão dobrou, com relação ao período entre 2015 e 2019. O mais recente relatório dessa Iniciativa mostra resultados quantificados bem significativos.

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Converter o respeito às evidências científicas em bússola que norteia as empresas é uma verdadeira revolução cultural. É introduzir uma dimensão ética na atividade empresarial que vai muito além de simplesmente respeitar as leis. Mas é claro que isso é insuficiente: o comprometimento dos governos da União Europeia e dos Estados Unidos com ambiciosas metas de redução de gases de efeito é estratégico para que as próprias empresas sintam a segurança e a confiança necessárias para alterar o rumo de suas atividades convencionais. Embora o governo não responda pela oferta de bens e serviços, ele sinaliza aos atores privados o rumo que as sociedades democráticas optam por lhes imprimir.

O fanatismo ideológico e o negacionismo científico, que fizeram do Brasil o epicentro global da pandemia de coronavírus, são os mais poderosos obstáculos para que o País exerça o papel ao qual parecia destinado, o de potência ambiental. E com isso se abrem as comportas pelas quais o atraso entra como enxurrada.

*Autor de Amazônia. Por Uma Economia do Conhecimento da Natureza (Ed. Elefante). Professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Twitter: @abramovay

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