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Opinião | Neurociência na arte da liderança

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Por Claudia Miranda Gonçalves

Por Andréa Nery

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Os avanços na neurociência têm progressivamente aprofundado nossa compreensão sobre como interagimos e reagimos a estímulos vindos do ambiente. Essas pesquisas nos capacitam a trazer à luz respostas em contextos sociais e reações inconscientes que podem ser desafiadoras de controlar caso não sejam plenamente compreendidas.

Um tema pelo qual tenho muito interesse é a compreensão do que afeta nossa capacidade de resolução de problemas, nossa criatividade e o desempenho colaborativo em equipes. Uma vertente essencial dessas pesquisas inicia-se com a análise da resposta do nosso cérebro a estímulos de "ameaça e recompensa", o que constitui um pilar significativo na compreensão do comportamento humano.

Dados coletados através da mensuração de atividade cerebral sugerem que as mesmas respostas neurais que nos levam em direção à comida ou para longe de predadores são desencadeadas pela nossa percepção da forma como somos tratados por outras pessoas.[i]

No ambiente de trabalho as múltiplas interações influenciam o tempo todo nossa capacidade de resposta, de forma consciente e inconsciente.

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Para os líderes é interessante conhecer mais sobre os domínios que ativam os mecanismos de ameaça e recompensa de nosso cérebro como um caminho para buscar colaboração e influenciar comportamentos.

O cérebro é altamente sensível à identificação de ameaças, que podem ser de natureza física, emocional ou social. Quando percebemos uma ameaça, todo o sistema cerebral entra em estado de alerta, direcionando nossa atenção exclusivamente para a fonte da preocupação. Embora esse mecanismo seja fundamental para a nossa sobrevivência, um excesso de ativação pode ter efeitos prejudiciais para a nossa saúde. Isso pode resultar em impactos negativos na nossa capacidade de solucionar problemas, na criatividade, nas interações interpessoais e, não menos importante, pode levar a graves problemas de saúde mental.

Já o mecanismo de recompensa desempenha um papel fundamental na nossa motivação, fortalecendo comportamentos que contribuem para a nossa sobrevivência e bem-estar. Esse sistema é uma peça-chave no aprendizado e na tomada de decisões, ajudando-nos a avaliar a probabilidade de obter recompensas e influenciando as escolhas que fazemos. Ele não se ativa apenas quando recebemos uma recompensa, mas também quando antecipamos sua chegada. Por meio da liberação de dopamina, ele cria um incentivo poderoso para repetir ações que nos proporcionem satisfação e bem-estar.

O que mais me chamou atenção foi o tema dos principais[ii] domínios que podem ativar respostas em nosso cérebro, pois consigo associá-los diretamente a comportamentos importantes que devem estar presentes ao buscar a construção de um ambiente de segurança psicológica, estimulando o aprendizado, a inovação, a troca de ideias e oferecendo oportunidades para que as pessoas se expressarem com autenticidade.

  • Status - nossa importância relativa para com os outros, impulso que sentimos para nos destacar na multidão.
  • Certeza - nossa capacidade de prever o futuro, nós gostamos de saber o que está acontecendo e compreender o que nos rodeia.
  • Autonomia - nosso senso de controle sobre os eventos e decisões que tomamos.
  • Relacionamento - quão seguros nos sentimos com os outros, nossa sensação de pertencimento quando estamos no grupo.
  • Justiça - quão justas consideramos as trocas entre as pessoas, senso de equidade nas interações sociais.

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Assim como a neurociência nos ajuda a compreender esses domínios, também nos oferece um caminho para uma liderança mais consciente. Isso envolve reconhecer como esses mecanismos de ameaça e recompensa podem moldar nossas interações e tomar decisões informadas para promover um ambiente de trabalho saudável e produtivo (ver Tabela 1).

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Tabela 1- Exemplos de processos que podem ativar mecanismos de ameaça e recompensa

  Ameaças Recompensas
Status A presença de colaboradores altamente qualificados pode acidentalmente ativar o sistema de ameaça. Um gestor desavisado pode inadvertidamente focar em erros ou problemas no trabalho desses colaboradores, levando-os a se sentir subutilizados e inibindo sua criatividade e inovação. Reconhecer e recompensar novas ideias, conquistas e realizações ativa um mecanismo de recompensa, motivando comportamentos positivos, inovação e colaboração, além de encorajar a contribuição contínua da equipe.
Certeza Lidar com complexidade pode gerar ameaças, mas uma comunicação transparente e a valorização da colaboração e diversidade de opiniões ajudam as pessoas a enfrentar a incerteza com maior sucesso. Melhorar a clareza nos papéis e responsabilidades e fornecer feedback direcional promove um ambiente de segurança, ativando o mecanismo de recompensa, mesmo em cenários incertos.
Autonomia O micro gerenciamento é prejudicial, pois mina a autonomia dos colaboradores, reduzindo seu senso de responsabilidade e iniciativa. Para combater isso, é essencial criar um ambiente de trabalho onde os membros da equipe tenham espaço para tomar decisões relevantes e desempenhar um papel ativo na definição de metas e estratégias. Dar às pessoas a liberdade de expressar suas ideias e experimentar novas abordagens ativa o mecanismo de recompensa no cérebro, criando um clima propício à criatividade e à colaboração. Isso não apenas aumenta a satisfação dos funcionários, mas também pode levar a soluções mais inovadoras e a um ambiente de trabalho mais produtivo.
Relacionamento O isolamento pode levar à perda da visão geral do nosso trabalho e à sensação de solidão, desencadeando o mecanismo de ameaça. Em tempos de trabalho remoto, é crucial esforçar-se para uma conexão intencional com os colegas.   Fomentar diálogos e relações entre os colaboradores fortalece laços e ativa o sistema de recompensa, melhorando o bem-estar e incentivando conexões positivas, contribuindo para um ambiente mais saudável e relações interpessoais mais enriquecedoras.  
Justiça A falta de comunicação e uma postura fechada do gestor pode abrir espaço para interpretações e histórias paralelas levando a sentimentos de injustiça e comportamentos disfuncionais resultantes de um mecanismo de ameaça. Estabelecer acordos e metas claros, desenvolvidos em conjunto, bem como indicadores individuais específicos, e cultivar um ambiente de apoio mútuo é fundamental para motivar os colaboradores e estimular um sentimento de participação, fortalecendo o sistema de recompensa e promovendo uma atmosfera de trabalho mais positiva.

 

Se você se interessou pelo tema, convido você a aprofundar sua pesquisa no campo da neurociência. Mas, para começar, que tal avaliar como seus próprios comportamentos podem estar ligados aos mecanismos de ameaça e recompensa? Escolha um comportamento que você gostaria de modificar e observe suas respostas enquanto implementa ações concretas no seu dia a dia. A conscientização é só o primeiro passo, um mundo novo de possibilidades se abre quando atuamos a partir deste novo estado! 

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[i] https://davidrock.net/wp-content/uploads/2016/06/ManagingWBrainInMind.pdf

[ii] Modelo SCARF desenvolvido em 2008 pelo neurocientista australiano Dr. David Rock

Opinião por Claudia Miranda Gonçalves
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