Por Andréa Nery
No meu trabalho como mentora e coach tenho observado o desafio que a Inteligência Artificial esté trazendo para o ambiente de trabalho, ela representa uma revolução na forma como trabalhamos, tomamos decisões e até como pensamos. Recentemente, em uma sessão de mentoria, estávamos falando sobre os resultados da especificação de um projeto que teve como apoio um agente de IA, e a sessão trouxe a tona a importância de nos aprofundarmos em uma habilidade essencial - e profundamente humana - que tem sido negligenciada: a arte de fazer boas perguntas.
Percebo que profissionais altamente capacitados travam quando precisam formular perguntas poderosas e trocam o desconforto da dúvida por respostas imediatas. Esse comportamento traz um grande risco quando a IA começa a nos oferecer soluções instantâneas, evitando o incomodo do não saber podemos nos tornar consumidores passivos de certezas e perdemos a capacidade de questionar, duvidar e explorar o desconhecido.
O futuro já aponta para equipes formadas por agentes de IA e a necessidade de gestores com habilidades que combinam o domínio do comportamento humano, motivações e emoçoes com habilidades de organização, delegação e execução de uma visão estratégica. Ao invés de ficarmos paralisados pelo medo ou negarmos o movimento devemos buscar entender as novas necessidades.
É entre a pergunta e a resposta que reside o pensamento crítico, a criatividade e de certa forma, nossa humanidade, e quem souber quando confiar e quando intervir fará o melhor trabalho. A IA pode nos dizer "o que" e "como" mas nós precisamos perguntar "por que" e "e se?"
Somos seres de natureza curiosa e é das mentes inquietas que surgirão as perguntas disruptivas, e não dos modelos e algoritmos. As perguntas desbloqueiam perspectivas, desafiam vieses e abrem caminhos que respostas prontas jamais alcançariam. As perguntas importam mais do que nunca!
Cultivar a habilidade de perguntar melhor exige coragem e vulnerabilidade. A mentalidade de aprendiz[i] deve ser "recuperada" abandonando a ideia de que já temos todas as respostas, e a curiosidade ingenua da criança[ii] deve estar presente trazendo muito mais perguntas para os contextos[iii]. Os espaços precisam ser seguros, e a segurança psicológica deve estar presente para que as perguntas sejam frequentes e ousadas, sem medo de retalhações e erros. E, finalmente, é preciso trocar a busca por respostas rápidas por reflexões profundas desenvolvendo prompts eficentes, que extraiam o melhor da IA guiando a ferramenta para respostas mais relevantes e significativas.
No meu processo de desenvolvimento como coach aprendi a fazer perguntas poderosas, resultado de momentos de escuta e de um eterno não saber. A escuta nos leva a identificar as oportunidades de exploração que podem despertar insights transformadores. Desta prática surgem perguntas que venho usando em minhas interações com a IA. Para meus clientes os insights surgem através do incomodo, de sair do lugar de conforto, para o algoritmo observo que exigem a exploração de novos caminhos e como consequência a estruturação de respostas que me fazem pensar e aprender mais.
Quer explorar | Experimente perguntar |
Contexto e Clareza | "Quais são as premissas ocultas por trás desse problema?" "Como posso reformular essa questão para explorar alternativas não óbvias?" |
Cenários | "Quais seriam três abordagens radicalmente diferentes para resolver esse desafio?" "E se o oposto do que estou presumindo for verdadeiro? Como isso mudaria a solução?" |
Desafios de Vieses | "Quais vieses cognitivos podem estar distorcendo minha interpretação desse tema?" "Como alguém de uma área completamente diferente abordaria essa questão?" |
Aprofundamento Crítico | "Quais dados ou evidências contradizem a resposta mais comum para esse problema?" "Quais perguntas ainda não estão sendo feitas sobre esse assunto?" |
Aplicação Prática | "Como posso testar essa ideia de forma rápida e barata?" "Quem mais poderia se beneficiar dessa solução, além do público óbvio?" |
A IA continuará evoluindo, e com o tempo será acessível a todos, mas sua limitação intrínseca é clara: ela só responde ao que foi perguntado. Nossa vantagem, como humanos, está em fazer as perguntas que ninguém pensou em fazer.
Se queremos navegar em um mundo cada vez mais complexo e automatizado, precisamos trazer de volta a coragem de questionar, de duvidar e de explorar o desconhecido.
O que você vem fazendo para resgatar, estimular e tornar a arte de fazer perguntas em uma de suas habilidades mais poderosa?
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[i] Um estudo da Stanford (2021) mostrou que profissionais que se veem como "eternos aprendizes" fazem 47% mais perguntas exploratórias do que aqueles que acreditam já ter todas as respostas.
[ii] Crianças fazem em média 70 a 100 perguntas por dia, segundo pesquisa do MIT (2020).
[iii] Um estudo da Harvard Business Review (2022) revelou que líderes que cultivam a curiosidade e incentivam perguntas abertas em suas equipes obtêm 30% mais inovação e 25% mais engajamento em comparação com aqueles que priorizam apenas respostas rápidas.