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Lições do racionamento de 2001 não evitaram crise hídrica após duas décadas

Integrantes do 'ministério do apagão', criado por FHC, aconselham governo a não minimizar o problema e montar rapidamente um comitê de crise, antes que a economia e o consumo de eletricidade se recuperem

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RIO - O racionamento de energia de 2001 deixou lições para o setor elétrico. Agora, assim como há duas décadas, as hidrelétricas estão com os reservatórios vazios por falta de chuva e o País corre o risco de ficar no escuro. Mas, para três integrantes do "ministério do apagão" de 2001 e um consultor da linha de frente montada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso para lidar com a estiagem, ensinamentos foram perdidos no meio do caminho.

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Não fosse isso, a atual crise hídrica poderia, ao menos, ter menor proporção, disseram os especialistas, que aconselham o governo a não minimizar o problema. Jerson Kelman, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) na época do racionamento, critica, especialmente, a falta de revisão das garantias físicas da geração de energia elétrica no Brasil, ou seja, do volume real de energia disponível para o Operador Nacional do Sistema (ONS) injetar no Sistema Interligado Nacional (SIN).

"Na crise de 2001, descobriu-se que as garantias físicas estavam superdimensionadas, sinalizando erroneamente que a expansão da capacidade de geração não seria necessária. Essas garantias físicas deveriam ser revisadas de tempos em tempos - digamos, a cada cinco anos - para capturar eventuais modificações das condições operativas das usinas. Porém, esses ajustes só foram feitos uma vez, em 2017", destacou Kelman.

Para José Jorge, um dos integrantes do 'ministério do apagão', 'governo precisa trabalhar com estratégia'. Foto: Andre Dusek/Estadão - 22/10/2014

Em recente evento virtual, ele alertou para o risco de, em 2021, faltar energia nos horários de maior demanda, o que não ocorreu em 2001. Em sua opinião, é possível remanejar a demanda na hora de pico, como o governo vem tentando, desde que todos os recursos considerados pelo ONS estejam de fato disponíveis.

Para David Zylbersztajn, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em 2001, o esquecimento mais custoso ao País tem sido o do consumo consciente de energia, sem desperdícios. Prova disso, diz ele, foi o esvaziamento do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (Cepel) e do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), ligados à Eletrobrás. "O Procel praticamente não existe mais. Ele foi fundamental para ajudar a população a identificar os equipamentos mais eficientes. Se essa educação tivesse perdurado, a população, hoje, não escolheria geladeira só pela beleza", afirmou.

Membro da Câmara de Gestão da Crise de Energia (CGCE), criada em agosto de 2001, e coordenador do documento com as linhas gerais do racionamento, Zylbersztajn conta que o governo de FHC demorou a perceber a dimensão do problema. Quando se deu conta da situação, reuniu uma força-tarefa liderada pelo chefe da Casa Civil, Pedro Parente.

"Houve um pouco de bate cabeça, por um tempo, uma falta de coordenação entre o MME, o ONS e a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). José Jorge (ministro de Minas e Energia) entrou no pior momento, não teve responsabilidade. Ele fez tudo para ajudar. Mas houve uma percepção tardia por parte do governo. Pode acontecer agora também. Torço para que não", afirmou.

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José Jorge relata ter, realmente, entrado no governo já às voltas com o racionamento e ter corrido para alertar Fernando Henrique da dimensão do problema. Segundo ele, a primeira medida tomada no "ministério do apagão" (como foi batizada pela imprensa a CGCE) foi dividir a equipe entre os que poderiam apresentar soluções para a falta de oferta de energia e os que tratariam do corte do consumo. As reuniões aconteceram por quase um ano no gabinete da presidência da República, diz ele.

Racionamento 

Na época, a crise de energia era ainda pior que a atual, porque o País estava de mãos atadas não só por conta da estiagem e baixa dos reservatórios, mas também com a falta de alternativas à hidroeletricidade. A limitada infraestrutura de transmissão para levar energia de uma região a outra também não ajudava. A primeira alternativa definida, então, foi a instalação de usinas térmicas, bancadas pela Petrobrás. Simultaneamente, foi elaborado um regime de racionamento. Basicamente, quem consumia mais era penalizado e quem economizava até podia ganhar com isso.

"No começo, o que se dizia é que ia faltar energia às cinco da tarde, em São Paulo, que ia apagar tudo. Imagina o caos. Avaliamos as alternativas e concluímos que o racionamento seria a melhor opção. Conseguimos diminuir o consumo de energia em cerca de 30%, o que significa diminuir a produção industrial em quase 30% também. É um enorme prejuízo econômico para o País, com custo político", avaliou o ex-ministro.

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A dica de José Jorge ao presidente da República, Jair Bolsonaro, é que monte logo um comitê de crise, antes que a economia e o consumo de eletricidade se recuperem. "Naquela época, o racionamento era o assunto número um. A prioridade, agora, é o coronavírus. O governo precisa trabalhar com estratégia", acrescentou.

O consultor da PSR Mario Veiga também acompanhou de perto a crise de 2001, que, em sua opinião, se diferencia da atual por ter sido uma crise de energia, enquanto, hoje, o País atravessa uma crise hídrica, a pior estiagem em 91 anos.

"Esta crise hídrica afeta todos os múltiplos usos da água, como hidrovias, irrigação, abastecimento a cidades, peixes, juntamente com o setor elétrico. Em 2001 tivemos uma crise de suprimento de energia. Outra diferença importante com relação a 2001 é que agora dependemos menos da geração hidrelétrica devido às fontes eólicas e solares, e de grande capacidade de geração térmica", disse Veiga.

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Nas últimas duas décadas, o Brasil passou de uma capacidade instalada de 74,9 gigawatts (GW) para 174,7 GW, e diversificou suas fontes de geração de eletricidade. Até então, elas eram limitadas, principalmente, à hidroeletricidade. Mas havia também as duas nucleares e térmicas movidas a insumos fósseis (gás, óleo diesel e óleo combustível e carvão) foram instaladas às pressas. Atualmente, usinas eólicas e solares, além das térmicas a biomassa, ganharam importância na matriz energética.

Para ele, o maior problema que interliga esses 20 anos é a falta de agilidade para tomar decisões. Em sua opinião, as ações técnicas são conhecidas e algumas foram implementadas, como a contratação de geração renovável e a diversificação da matriz. "Além disso, há propostas também conhecidas de ajustar os modelos de vazões à nova realidade da mudança climática. A maior dificuldade é institucional: demora e resistência à implementação das medidas", afirmou.

Veiga lembra que, além de 2001, o Brasil passou por outros dois grandes sustos - um em 2014, com o esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas, e outro em 2017, quando o suprimento de energia da região Nordeste ficou em risco. Mas, especialmente em 2017, o governo estabeleceu uma comunicação transparente e centralizada com a sociedade, por meio de campanhas de esclarecimento na mídia. Ele sugere que o mesmo seja feito agora.

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