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Limitação do uso de créditos de PIS/Cofins desagrada agronegócio e indústria

Medida foi tomada para compensar desoneração da folha de pagamentos; para tributaristas, governo ‘dá com uma mão e tira com a outra’

Foto do author Mariana Carneiro
Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – A decisão do governo de limitar o uso dos créditos com o pagamento do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) para abater impostos desagradou a empresários do agronegócio e da indústria.

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Medida provisória assinada nesta terça-feira, 4, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e enviada ao Congresso estipula a medida como compensação à desoneração da folha salarial para empresas de 17 setores e municípios. A mudança passa a valer imediatamente e só será revertida se for rejeitada pelos parlamentares ou não for aprovada em 180 dias.

Com a medida, o governo veda a prática de usar créditos obtidos em operações com o PIS/Cofins para compensar débitos de outros tributos federais. E proíbe também o ressarcimento em dinheiro de créditos obtidos em operações realizadas no regime do crédito presumido.

Cálculos iniciais de empresários do complexo da soja preveem R$ 6,5 bi em créditos que deixarão de ser usufruídos pelo setor, que é exportador. Foto: Epitacio Pessoa/Estadão

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), Fernando Pimentel, afirma que a restrição à utilização de créditos de PIS/Cofins vai prejudicar exportadores, alguns já afetados pela reoneração da folha de pagamentos.

“Essa medida vai pegar todo mundo, e não apenas quem tem desoneração da folha e, por isso, vai atingir mais empresas”, afirmou. “Exportadoras, por exemplo, não conseguem se apropriar dos créditos PIS/Cofins e agora não poderão usá-los para abater outros impostos”.

Empresários do agronegócio são os mais preocupados com a medida. Cálculos preliminares feitos por empresários do complexo da soja indicam que a medida pode custar R$ 6,5 bilhões aos produtores em créditos que eles deixarão de usufruir. Isso pode drenar entre 3% a 4% a rentabilidade do produtor por saca de soja.

Pelo impacto em grandes cadeias do agronegócio, a iniciativa é vista com dificuldade por parlamentares. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fez chegar a alguns setores a mensagem de que a medida deverá enfrentar percalços na Casa. No Senado, parlamentares querem discutir a proposta dentro do projeto de lei da desoneração.

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“Como vamos deixar passar uma medida provisória dessas? Não vai passar”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado Pedro Lupion (PP-PR).

Segundo ele, frigoríficos e produtores de suco de laranja, fabricantes de produtos farmacêuticos e de celulose já demonstraram preocupação.

“Os exportadores em geral têm muitos créditos de PIS/Cofins e agora não poderão usar”, disse o parlamentar, que defendeu a líderes da Câmara nesta terça-feira, 4, que a MP seja devolvida.

Como funciona e o que muda

Os créditos de PIS/Cofins são acumulados quando uma empresa compra um insumo e não consegue descontar, do imposto que terá de pagar, o tributo que já foi recolhido na etapa anterior. Isso ocorre ou porque seu fornecedor é uma pessoa física, por exemplo, ou porque a sua empresa é beneficiária de algum programa que o isenta da tributação de PIS/Cofins, como é o caso dos itens que compõem a cesta básica ou das exportações.

Neste caso, porém, a empresa é autorizada a usar os créditos acumulados para pagar outros impostos.

Medida provisória determina que empresas só poderão usar os créditos tributários de PIS/Cofins para abater o pagamento do próprio PIS/Cofins, e não de outros tributos, evitando a chamada “compensação cruzada”. Foto: Ricardo Teles/Suzano SP

O governo, no entanto, quer limitar o uso dessas compensações, que neste ano, até março, somaram R$ 53,8 bilhões em estoque para restituição. O governo espera arrecadar cerca de R$ 29 bilhões neste ano com as mudanças, mais do que avalia gastar em renúncia tributária com a desoneração da folha de pagamentos (pouco mais de R$ 26 bilhões).

A medida provisória determina que as empresas só poderão usar os créditos tributários de PIS/Cofins para abater o pagamento do próprio PIS/Cofins, e não de outros tributos, evitando a chamada “compensação cruzada”. Além disso, amplia as proibições ao ressarcimento em dinheiro do crédito presumido de PIS/Cofins, que reduz o pagamento dos tributos para fomentar a atividade econômica.

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Segundo o Ministério da Fazenda, os créditos com PIS/Cofins representam 25% do total das compensações para o não pagamento de tributos, totalizando R$ 62,48 bilhões em 2023.

Em 2023, ainda de acordo com o governo, empresas usaram créditos de outros tributos em 86% das compensações de débitos previdenciários, e não a própria contribuição da Previdência. Em quase metade dos procedimentos (48,7%), foram usados créditos de PIS/Cofins.

As empresas usaram o saldo do PIS/Cofins para compensar o pagamento de débito de outros tributos federais, como Imposto de Renda (IR), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

Para o crédito presumido, os pedidos de ressarcimento chegaram a R$ 20 bilhões no ano passado.

Governo tira com uma mão e toma com a outra, dizem tributaristas

Ao restringir o uso dos créditos tributários e dar o benefício da desoneração da folha para empresas em 2024, com reoneração gradual a partir do ano que vem, os custos para as empresas podem acabar bem maiores com a compensação, na avaliação do tributarista Luiz Bichara.

“Essa limitação gera um impacto substancial no caixa dos contribuintes. Tira com uma mão e toma com a outra porque mitiga a desoneração e ainda inviabiliza as compensações”, diz Bichara.

As mudanças no uso do PIS/Cofins atingem um universo maiores de empresas, para além dos 17 setores que contam a desoneração, o que pode aumentar ainda mais o impacto das medidas.

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Segundo o presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB/SP) subseção Pinheiros, André Felix Ricotta de Oliveira, a medida impacta principalmente grandes empresas da indústria. “A medida não tem relação para compensar a desoneração de folha de salários. O governo se utilizou desse mecanismo para justificar o aumento de arrecadação de forma abrupta trazendo mais insegurança jurídica.”

A queixa é que a medida não foi discutida previamente com os setores e, como não há noventena, será aplicada imediatamente.

O Ministério da Fazenda sustenta que a mudança não é a criação de um novo tributo nem aumento de imposto, mas reconhece o aumento de custo para as empresas.

“É uma medida que onera alguns setores sem aumentar tributos, corrigindo essas distorções, para compensar esses benefícios que estão sendo dados a várias empresas e a milhares de municípios na outra ponta”, disse o secretário executivo do ministério, Dario Durigan.

O governo alega que a medida tem um caráter de corrigir distorções, mesmo impactando algumas empresas que têm a desoneração. “Não é papel do governo tirar com uma mão e dar com a outra. O que estamos fazendo aqui é adotando uma medida que compensa em termos de volume e busca o equilíbrio fiscal. Não necessariamente são as mesmas empresas. Pode ser, mas não necessariamente. São medidas diferentes de escopo e âmbito diferentes e que eventualmente podem sim impactar as mesmas empresas que estão sendo beneficiadas”, afirmou o secretário.

Após a divulgação da medida, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) disse ver a medida com preocupação.

“Esses instrumentos são importantes para mitigar a cumulatividade de algumas atividades e a revogação proposta impõe custos ao setor produtivo”, afirmou.

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“Cabe destacar que a indústria de transformação, que sofre com os efeitos da elevada cumulatividade, arca com cerca de 30% da arrecadação, muito acima da participação do setor no PIB (15% em preços correntes). Não há mais espaço para que as medidas de compensação fiscal do governo recaiam sobre o setor produtivo.”

O tributarista Mauricio Barros, sócio do escritório Cescon Barrieu, afirma que o governo tem a leitura que o crédito presumido é um benefício tributário e, por isso, deve ser contido. No entanto, ele foi criado para retirar os efeitos da cumulatividade de tributos ao longo da cadeia.

“O crédito presumido, nesse caso, serve para calibrar a cadeia do produto, de modo que não haja resíduos tributários nas etapas anteriores. Se nesse mecanismo o contribuinte é proibido de ressarcir, mantém-se uma cumulatividade indesejada na cadeia do produto”, afirmou.