A linha de financiamento para empresas brasileiras que exportam para a Argentina - negociada nesta terça-feira, 2, entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Alberto Fernández - é importante setorialmente, mas pode trazer riscos para o Brasil se os critérios para concessão do crédito não forem bem estabelecidos, segundo analistas ouvidos pelo Estadão.
Na análise de Welber Barral, consultor na área de comércio internacional e secretário de Comércio Exterior entre 2007 e 2011, a linha é “necessária” hoje para que os exportadores brasileiros continuem vendendo ao vizinho. Isso porque a Argentina quase não tem reservas internacionais para bancar importações. “Sem a linha, as empresas daqui teriam de deixar de exportar ou reduzir o volume exportado.”
Nesta terça-feira, antes do encontro entre os presidentes dos dois países, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que mais de 200 empresas brasileiras não estão exportando nem recebendo o pagamento pelas vendas para a Argentina.
Leia mais
Segundo Barral, os importadores argentinos têm atrasado o pagamento das empresas brasileiras em cerca de 180 dias, o que afeta o fluxo de caixa das brasileiras, principalmente das menores. A Argentina sofre há anos com escassez de dólares. O problema foi agravado neste ano após uma seca reduzir a produção agrícola e, portanto, as exportações argentinas.
Ministro de Produção do governo de Mauricio Macri, o economista Dante Sica destaca que as companhias brasileiras têm perdido espaço no mercado argentino diante da ofensiva chinesa. Daí a importância da linha de financiamento, diz ele.
Na semana passada, Pequim e Buenos Aires anunciaram que fecharam um acordo que permite que a Argentina use o yuan, no lugar do dólar, para pagar importações chinesas. A intenção é que, com a medida, a Argentina consiga preservar parte do que lhe resta de reservas.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, afirma que o acordo com a Argentina é importante devido ao tamanho do mercado e a intenção do governo Lula de posicionar o Brasil como um interlocutor da região com o resto do mundo. Ela, no entanto, pondera que o risco do financiamento é “extremamente alto”, dada a crise na Argentina.
Na visão de Alessandra, se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) criar uma linha de crédito com critérios robustos e uma taxa de juro que reflita o risco da operação, não deve haver uma alta taxa de inadimplência. “O problema é afrouxar os critérios e a taxa de juros só para facilitar a relação comercial. Aí pode haver efeitos negativos para o BNDES e, consequentemente, para o Tesouro Nacional.”
O economista Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), também considera o risco da linha de crédito alto. Segundo ele, a medida é importante para alguns setores da indústria brasileira, mas não para o País. “Ainda é preciso saber as condições da linha. Mas, para mim, a possibilidade de o financiamento não ser pago se sobrepõe ao interesse de um grupo específico.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.