Em xeque durante toda a pandemia, o futuro dos escritórios parece ter vida mais longa do que muitos imaginavam. De um ambiente com cadeiras e mesas vazias há pouco mais de um ano, hoje as empresas correm atrás de ambientes confortáveis e arrojados para alocar seus funcionários. Além da volta ao trabalho presencial durante mais dias por semana, o aquecimento da economia, sobretudo no setor de serviços, elevou a demanda por escritórios de alto padrão na cidade de São Paulo e em outras capitais, no segundo trimestre do ano.
No setor de saúde, por exemplo, a Rede D’Or alugou um prédio inteiro de escritórios na capital paulista, na Alameda Santos, nos Jardins. A escola de negócios G4 Educação dobrou de tamanho e alugou um andar inteiro de um dos prédios mais icônicos da região da Avenida Luis Carlos Berrini, o Thera Corporate. E a construtora Plano&Plano fechou contrato de locação de 2 mil metros quadrados de escritório em um edifício recém-construído no Butantã. O novo escritório será cerca de duas vezes maior do que o atual, localizado no Brooklin.
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Nos próximos meses, a tendência é que o movimento de ampliação de espaços de escritórios ganhe força também por causa do início do ciclo de queda da taxa básica de juros no começo do mês, que deve impulsionar a atividade. Consultorias imobiliárias ouvidas pelo Estadão informam que grandes companhias já começaram a encomendar estudos de prospecção para aumentar as instalações de escritórios.
No primeiro trimestre do ano, esse movimento não era nítido nas estatísticas do setor, pois o resultado ainda estava afetado pelo rescaldo de devoluções de áreas iniciadas na pandemia. Por isso, o saldo de locações de escritórios ficou negativo em 10 mil metros quadrados na cidade de São Paulo no período, nas contas da consultoria imobiliária Newmark.
Esse quadro, no entanto, mudou no segundo trimestre. Entre abril e junho, a diferença entre novas locações e devoluções ficou positiva em 44 mil metros quadrados na capital paulista. “O espaço ocupado no segundo trimestre voltou a crescer e num patamar bem significativo para a média dos últimos tempos”, afirma Mariana Hanania, diretora de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Newmark.
Consideradas só as novas locações, sem descontar as devoluções, foram alugados 215 mil metros quadrados de escritórios no primeiro semestre deste ano na capital paulista. No período, o desempenho do indicador, que é uma espécie de pulso do mercado, se aproxima da média histórica anual de 250 mil metros quadrados registrada entre 2007 e 2022, de acordo com a consultoria.
O aumento da demanda por lajes corporativas na cidade de São Paulo é confirmado pela CBRE, líder global em locação de escritórios. Levantamento da consultoria aponta alta de quase 50% na locação de escritórios no segundo trimestre em relação ao primeiro trimestre. Foi o sexto melhor resultado trimestral na capital paulista desde 1979.
No caso das lajes corporativas de altíssimo padrão, conhecidas como “Triple A” no jargão do mercado, a demanda por locação entre abril e junho deste ano (sem descontar as devoluções) em São Paulo se manteve positiva pelo quinto trimestre seguido.
O aquecimento da demanda por locação de escritórios no segundo trimestre também ocorreu em outras praças, como Brasília (DF), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ), aponta CBRE.
Volta ao presencial
Segundo Felipe Robert Giuliano, diretor de Locação, Pesquisa e Health da CBRE, o que impulsionou o crescimento da locação de escritórios em geral foi a busca das companhias por novas áreas, tendo como foco preço e qualidade dos escritórios, diante do avanço do trabalho presencial.
Ao final do primeiro semestre, por exemplo, 77% dos 600 melhores prédios de escritórios da capital paulista tinham ocupação superior a 70%. Um ano antes, a parcela de edifícios com esse nível de ocupação estava em 51%, de acordo com consultoria.
O momento é de mudança do perfil do trabalho híbrido. Segundo Nilton Molina Neto, CEO da consultoria imobiliária Binswanger Brazil, algumas empresas já sinalizaram que vão voltar a trabalhar mais dias no escritório a partir de setembro. Mariana Hanania, da Newmark, conta que tem clientes que pretendem voltar ao trabalho presencial cinco dias na semana, mas pondera que não é a maioria.
Por causa desses planos, a demanda de estudos para prospecção de locação de novos espaços cresceu na consultoria. “O aumento do espaço físico combinado com o crescimento da economia têm como consequência a expansão (da locação)”, diz Molina Neto.
Outro ponto que turbina a procura por locação de espaços é a mudança do layout dos escritórios. No pós-pandemia, por questões sanitárias, a tendência é de expansão da área das estações de trabalho. Antes girava em torno de 7 metros quadrados e agora oscila entre 10 e 12 metros quadrados.
Além disso, com a melhora da economia e a redução do desemprego, ter um escritório convidativo passou a ser um dos fatores para reter funcionários, observa Giuliano. “As empresas querem não só prédios novos, lajes grandes, mas com mais oferta de serviços, bem localizados, com transporte e infraestrutura”, afirma o executivo.
A G4 Educação, escola de negócios que usa inteligência artificial para treinar executivos e demais funcionários, por exemplo, acaba de dobrar a área de escritórios da sede da empresa.
No mês passado, os 400 funcionários da companhia passaram a ocupar 2 mil metros quadrados num único prédio, o Thera Corporate. Até então, a sede estava dividida entre dois prédios bem menores e antigos, também no bairro do Brooklin, que somavam mil metros quadrados
Tallis Gomes, fundador da empresa, diz que a mudança para um espaço maior foi impulsionada pelo crescimento da companhia. Doze meses atrás, a empresa tinha 150 funcionários. “Fomos crescendo o número de clientes e também o time”, diz o executivo.
A empresa é adepta do trabalho presencial. E o aumento do espaço de escritório ocorreu pelo crescimento do negócio e pela necessidade de atrair e reter os funcionários com melhores instalações.
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“Meu pessoal fica mais tempo aqui do que em casa e temos de dar um escritório incrível”, diz Gomes. O escritório recém-inaugurado tem cantina com comida saudável, muitas salas de reunião e estações de trabalho mais espaçosas. “Não é aquele poleiro”, diz.
De olho no crescimento do negócio, a empresa já negociou a locação de metade do andar inferior do novo edifício, cerca de mil metros quadrados, que serão ocupados a partir do ano que vem. Gomes conta que fechou os contratos na hora certa, quando o mercado não estava pressionado e a maioria das empresas ainda estava às voltas com o home office.
Depois de quase 20 anos ocupando cerca de 1.200 metros quadrados espalhados por quatro andares de um edifício no Brooklin, a construtora Plano&Plano acaba de fechar contrato de locação. No começo do ano que vem, 270 funcionários da sede da companhia vão passar a ocupar duas lajes que somam cerca de 2 mil metros quadrados de um prédio novo no Butantã, a duas quadras do Metrô.
“Vamos criar um espaço mais colaborativo que reúna os funcionários num mesmo ambiente, sem fragmentação”, explica Renée Silveira, diretora de Incorporação da construtora. O fator que pesou na mudança da sede foi o crescimento da empresa, que agora avança para o segmento de imóveis de médio padrão. Mas a executiva ressalta também a valorização do trabalho presencial e a necessidade de introduzir de novas tecnologias nas rotinas de trabalho, que têm uso mais limitado em prédios antigos.
Dois mundos
Apesar do aquecimento do mercado registrado em São Paulo no segundo trimestre, a taxa média de escritórios vagos teve um pequeno aumento e fechou o período em 24,7%, ante 24,4% no trimestre imediatamente anterior, nas contas da Newmark. “A vacância cresceu por causa do volume maior de entregas, apesar da demanda ter aumentado”, explica Mariana. As novas áreas ofertadas no mercado somaram 107 mil metros quadrados no segundo trimestre.
No entanto, a subida da vacância não foi generalizada e os dados revelam que há dois mundos nos escritórios de alto padrão da capital paulista. “Hoje não dá para olhar o mercado de escritórios de forma generalista”, diz Molina Neto.
Ele explica que há regiões super resilientes, com preços subindo exponencialmente e outras, como a avenida Chucri Zaidan, na zona sul, que teve entregas de novos edifícios num volume enorme nos últimos anos e não tem demanda para ocupar esses prédios. Neste último caso, os valores pedidos congelaram ou até caíram ao longo do tempo, a taxa de vacância é gigante (33,2%), o que fez subir a vacância média da cidade.
Já entre os exemplos positivos estão as regiões da Avenida Paulista, Jardins e Avenida Faria Lima com vacâncias de 15,6%, 10% e 5,9%, respectivamente. São índices bem abaixo da média da cidade.
Na região da avenida Faria Lima, por exemplo, não houve uma demanda muito significativa neste primeiro semestre pela falta de oferta de espaços, diz Mariana. Uma empresa que pretende montar 6 mil metros de escritório na região não tem opções disponíveis em andares consecutivos, explica Molina Neto. Nas suas contas, o aluguel médio do metro quadrado na Faria Lima está em R$ 190 e há casos que passa de R$ 200.
Com o reaquecimento do mercado, Paulo Yuh, coordenador de Inteligência de Mercado da Binswanger Brazil, acredita que ocorra um reequilíbrio do mercado de escritórios na cidade de São Paulo. Devem aumentar as locações em áreas onde a vacância atualmente é alta, por causa da indisponibilidade de espaços na áreas hoje mais centrais e valorizadas, como Faria Lima e JK.
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