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‘O tema do clima virou uma grande guerra comercial’, diz sócia da eB Capital

Luciana Ribeiro aborda desafios do Brasil e dos países do G-20 para garantir fluxo de recursos para agenda verde

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Entrevista comLuciana Ribeirosócia-fundadora da gestora eB Capital

As garantias para atrair capital privado na transição para uma economia de baixo carbono precisam aumentar. Isso implica aumentar a efetividade do uso de recursos dos bancos multilaterais e de desenvolvimento, revisar padrões do sistema financeiro e ter o setor público e político comprometido com um cenário de estabilidade. É a avaliação de Luciana Ribeiro, sócia-fundadora da gestora eB Capital e líder da força-tarefa do B-20, braço empresarial do G-20, que discutiu o tema das finanças globais.

“Quando a gente fala de transição climática do ponto de vista global, se estima que serão necessários algo em torno de US$ 150 trilhões (R$ 846 trilhões) ao longo das próximas três décadas para viabilizar essa transição. E 80% desse capital virá do capital privado. Então, mobilizar o capital privado é, sim, a premência”, afirma Ribeiro, em entrevista ao Estadão.

O grupo, responsável por debater as principais questões de finanças globais e fazer recomendações aos governos que integram o G-20, concentrou esforços na questão climática.

“O Brasil e a América Latina são, sim, eixos centrais para negócios lucrativos em clima. Mas, por causa das divisões políticas, por conta talvez até de uma ausência de posicionamento do Brasil em mesas de negociação, em mesas em que o capital privado esteja presente, nos parece que o Brasil fica um pouco isolado e a América Latina fica um pouco isolada dessa discussão”, afirma Ribeiro.

O documento da força-tarefa de finanças e infraestrutura do B-20 foi elaborado em parceria com a consultoria Deloitte. “Durante o processo de construção do Policy Paper da Força-Tarefa de Finanças e Infraestrutura, a informação mais relevante levantada foi o aumento expressivo na estimativa de investimento de capital (público e privado) necessário para viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono”, afirma Eduardo Raffaini, sócio-líder de Infraestrutura e Capital Projects da Deloitte.

O Estadão publica, desde segunda-feira, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

Leia abaixo a entrevista:

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O que chamou a sua atenção ao longo desse trabalho na força-tarefa específica do B-20?

Eu tive duas grandes clarezas dentro desse processo. A primeira é: existe uma percepção global, um consenso global sobre a necessidade de mobilização de capital privado para a temática de transição climática. Quando a gente fala de transição climática do ponto de vista global, se estima que serão necessários algo em torno de US$ 150 trilhões (R$ 846 trilhões) ao longo das próximas três décadas para viabilizar essa transição. E 80% desse capital virá do capital privado.

Então, mobilizar o capital privado é, sim, a premência. O discurso hoje tem sido de financiamento climático e o financiamento parte do pressuposto de não retorno financeiro. Começamos a ver uma mudança de discurso, de financiamento para investimento. Porque, de fato, há diferentes setores nesse ambiente de transição climática que são excelentes oportunidades de negócio com capital privado e que são, sim, passíveis de retornos financeiros muito interessantes. Então, você vê hoje os grandes gestores de recursos olhando para as temáticas climáticas com interesse. É muito importante.

Mas também vemos que, em relação a algumas situações, seja de países em desenvolvimento, seja países emergentes, seja algumas novas tecnologias, onde existem riscos que são adicionais aos riscos tradicionais do projeto, o setor público vai ter de atuar de forma a reduzir os riscos.

Luciana Antonini Ribeiro, cofundadora da eB Capital Foto: CBELLI

Pode dar exemplos de quais serão as principais atuações do setor público para atrair o capital?

O papel dos bancos de desenvolvimento e dos multilaterais é fundamental. Às vezes, o próprio ingresso desses bancos já traz uma sensação de redução de risco para os investidores internacionais. Adicionalmente, você tem mecanismos hoje que podem ser utilizados por esses bancos, que permitem que esses bancos assumam de forma desproporcional riscos vinculados ao país ou vinculados ao projeto quando a gente está falando de tecnologia. Um exemplo bem concreto é o EcoInvest, que foi lançado no Brasil, numa parceria entre o BID, o Banco de Desenvolvimento, e o Banco Central e o BNDES.

É um exemplo concreto de uma ferramenta que pode ser utilizada pelos bancos de desenvolvimento, em conjunto com os países, para reduzir o potencial custo de capital e atrair mais capital estrangeiro para o Brasil, que tem preocupação com o câmbio. Há outros mecanismos como esse em diferentes localidades do mundo.

Essas ferramentas de hoje são suficientes?

O nosso chamado pelo B-20, é que justamente essas ferramentas aumentem. E um outro elemento que é muito importante é que a gente tenha como meta um ratio entre quanto de dinheiro público precisa entrar e quanto de dinheiro privado precisa entrar.

Porque deveria ser uma métrica de validação para saber se o instrumento do setor público está funcionando ou não. Se para cada US$ 1 que ele coloca de dinheiro, consegue US$ 4 de capital privado, sinal que esse processo de trazer capital privado por redução de risco está funcionando. Então, é muito importante, também, que não só a gente utilize o dinheiro público, mas a gente utilize o dinheiro público da melhor forma possível.

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Quando eu entrei nessa discussão de força-tarefa, ouvia falar da necessidade de aumento dos budgets dos multilaterais. E realmente um aumento é bem-vindo, mas não é só uma questão de aumento do capital. Muitas vezes você pode ter resultados melhores de trazer dinheiro privado para esse ambiente dos projetos, simplesmente usando melhor os recursos.

Até aqui falando dos multilaterais e dos bancos de desenvolvimento. E qual o papel do sistema bancário?

É muito importante rediscutir o próprio papel dos bancos e quanto que os bancos hoje são onerados. Hoje, para que bancos internacionais façam investimentos em países em desenvolvimento é muito difícil, porque você tem uma série de regras que limitam esses investimentos, exatamente pelo tamanho do risco. Então, uma das recomendações que nós estamos fazendo é como fazer ajustes regulatórios, especialmente na regra da Basileia, de alguma maneira que permita que parte do excesso de capital seja voluntariamente usado em países em desenvolvimento, sem que o rating dos países de desenvolvimento acabe deslocando essa capacidade de capital. Então, também o papel dos bancos, das seguradoras e dos próprios investidores privados está sendo discutido, porque é um trabalho conjunto.

Os países têm interesses diferentes quando se fala em atração do capital para projetos verdes. Qual o maior desafio atual quando passamos para uma negociação global sobre o assunto, sobre regras?

A nossa força-tarefa não é uma força-tarefa sobre a questão de clima, é uma força-tarefa finanças e infraestrutura. Mas é interessante que a partir do processo que nós estamos fazendo de afunilamento das temáticas, nós tínhamos um hall de temáticas muito grande, no início, e foi as que surgiram como as importantes foram todas as temáticas vinculadas a clima.

Não havia dúvida de que a principal premência hoje é como garantir financiamento para clima e viabilidade de projetos em clima. É um consenso muito interessante de se obter. Aí temos diferentes cenários, diferentes países, com diferentes realidades. E quando a gente vai desenhar as recomendações, você realmente tem opiniões contrárias. Nossa meta era: nós queremos ter recomendações concretas e que possamos implementar. Então, quando você tem uma regra bem específica é mais difícil você ter consenso.

Houve, de fato, uma abertura muito grande de diálogo (por parte do governo) para entender a perspectiva de capital privado. O G-20 teve a oportunidade, também, de passar suas preocupações (ao B-20) e acho que teve um avanço importante da agenda.

Como vê a América Latina e o Brasil em termos de capacidade de atração desses recursos?

Poucas regiões têm tanto a agregar quanto a América Latina. Vou falar mais pelo Brasil, mas a América Latina como um todo se encaixa nisso. Primeiro lugar, a gente tem a questão da Amazônia, que obviamente a floresta é um elemento central. Mas eu não quero me reduzir à questão da Amazônia, o Brasil teve 90% da sua produção elétrica vinda de renováveis, é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo. Quando falamos de minérios críticos, por exemplo, não só o Brasil é muito forte, mas o Chile tem uma relevância muito grande, a Argentina tem uma relevância muito grande.

Esses países também têm uma contribuição muito importante sobre a perspectiva de produção elétrica renovável. Os países da América do Sul aqui poderiam ser provedores de produtos com energia limpa. Nós estamos ainda numa fase muito inicial do hidrogênio, mas quando a gente olha países que podem ter hidrogênio a custo barato, independente de subsídios, o Brasil certamente é um deles. Então, o Brasil e a América Latina são, sim, eixos centrais para negócios lucrativos em clima.

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Mas, por conta das divisões políticas, por conta talvez até de uma ausência de posicionamento do Brasil em mesas de negociação, em mesas em que o capital privado esteja presente, nos parece que o Brasil fica um pouco isolado e a América Latina fica um pouco isolada dessa discussão.

Como o governo brasileiro pode trabalhar para atrair o capital?

É muito importante que tenhamos previsibilidade e estabilidade nas regras do jogo. Sabemos que tem uma série de novas regulamentações, algumas já muito avançadas, algumas já aprovadas, algumas que precisam ser aprovadas, nesse ambiente de transição ecológica e isso vai trazer um pano de fundo em última análise de como é que se navega o mercado brasileiro.

Obviamente que o Brasil não tem a mesma capacidade financeira para fazer os subsídios que foram feitos nos Estados Unidos a partir do IRA. Mas nós temos, sim, ferramentas, dadas as nossas vantagens comparativas, que independem de subsídio. O que a gente precisa, como país, é de estabilidade das regras do jogo. Estabilidade das regras do mercado de carbono, estabilidade sobre a questão dos biocombustíveis, estabilidade sobre as regras de circularidade. É passo importante do governo e não é só do governo, o executivo, mas também do legislativo e do próprio judiciário. Quais são hoje as restrições eventuais para investimento no Brasil? São as questões fiscais e são as incertezas potenciais no tema de clima sobre como é que as regras vão proceder. Então, esses dois elementos são muito importantes.

Gostamos, como brasileiros, muito de cavar nos nossos problemas aqui, acho que é importante, mas temos também de saber onde é que estamos meio parecidos com o resto do mundo. O que acontece com os projetos de infraestrutura? Os projetos de infraestrutura são aprovados não no nível nacional. Isso não é no Brasil, em todos os lugares. E o problema é que cada localidade, de cada região, de cada país, está fazendo isso de um jeito diferente. O que faz com que a vida do investidor privado seja uma insanidade, porque ele não tem a menor capacidade de prever se um projeto vai demorar 1, 2 ou 20 anos para ser aprovado. E se ele não sabe se o projeto vai demorar 1, 2 ou 20 anos, ele não vai investir.

O G-20 tem um papel muito importante, que é entender quais são as regras que precisam ser um pouco padronizadas e como é que esses processos podem ser acelerados, respeitadas as questões ambientais, de forma previsível, com acurácia e com uma metodologia relativamente similar para que investidores globais possam colocar seus recursos.

Há uma sinalização no documento do B-20 sobre a preocupação com as pequenas e médias empresas...

Para uma empresa grande já é extremamente complexo a adaptação, porque é custoso, porque é difícil, porque nesse ambiente de clima nem tudo é 2 mais 2 igual a 4. Às vezes, a melhor solução, do ponto de vista de planeta, não é a melhor solução para o país. Mas o que nós nos demos conta? Se para as grandes é difícil, para as pequenas é impossível. E para piorar, elas não têm acesso à informação, à tecnologia, a financiamento, a custo razoável. Então, nós estamos deixando essas pessoas para trás. Em países como o Brasil, por exemplo, boa parte dos empregos são garantidos a partir dos pequenos e médios.

Ainda no Brasil, os produtores rurais não são nem pequenos, eles são um micro produtor individual. Ele nem tem uma empresa, ele é uma pessoa física. Como é que esse cara se ajusta às novas regras que vão demandar dele algum tipo de certificação de que ele não está desmatando, de que ele está integrando floresta com a produção agro?

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Achamos fundamental chamar a atenção da realidade do pequeno e médio e micro empresário e como é que, através dos grandes bancos de varejo, novamente falando da padronização de instrumentos, vamos trazer esses pequenos e médios, com financiamento, para viabilizar que ele proceda para dentro desse processo de transformação das cadeias.

Uma das prioridades do governo na discussão com os ministros de finanças durante os encontros de G-20 é com relação à taxação de super ricos. Isso fez parte das discussões da força-tarefa? Se não, por que não?

Isso não fez parte. Houve um consenso muito grande, na nossa força-tarefa, de que, a partir do clima, nós podemos ter uma nova evolução dos países. Existe, sem dúvida, hoje, países de desenvolvimento que se basearam muito nas energias poluentes e nós estamos vivendo um momento muito crítico. Porque o tema de clima, não nos enganemos, ele virou uma grande guerra comercial.

Existe um ambiente aqui de discórdia no tema de quem é que vai vencer a guerra de ser o melhor produtor de hidrogênio, o cara que melhor tem bateria barata. Não vamos nos enganar. E o grande temor de países em desenvolvimento e emergentes é que a gente, justamente pela impossibilidade de ter tanto volume de subsídio quanto países desenvolvidos, e apesar de toda a nossa vantagem competitiva, a gente novamente fique para trás.

Então, esse é o nosso foco principal. Eu entendo a discussão das grandes fortunas. Não foi objeto da nossa discussão porque nós queremos centrar aqui a nossa opinião em relação a estas atividades (questões climáticas). Todas elas estão concatenadas.

O que você gostaria de ver concretizado no G-20?

Eu adoraria ver, de forma muito concreta, uma métrica do inflow de capital hoje, nos projetos, e do inflow de capital daqui a cinco anos. Eu adoraria ter isso como meta.

Como segunda meta... As empresas melhores listadas no New York Stock Exchange durante muito tempo foram as empresas industriais, depois a gente teve as empresas de digitalização. E nunca as empresas brasileiras estão lá. O próximo ciclo, eu tenho zero de dúvidas, de que será das empresas que fizeram transformações importantes na questão climática. Seja no mercado de carbono, seja em ter produtos verdes. A nossa meta, como País, deveria ser exatamente a meta de ter empresas brasileiras liderando a temática global vinculada à transição energética.

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