Toda política pública deve ser objeto de avaliação periódica, ponderando sua eficácia e seus custos. Não há razão para que a política monetária seja diferente. O mercado financeiro não pensa assim. Nessa biosfera, o regime de metas de inflação, tal como praticado no Brasil, é uma verdade em todo o tempo e em todos os lugares. Mas o debate é inevitável e já começou. Em nota recente ao blog do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, o economista Bráulio Borges, que está muito longe da heterodoxia criativa de alguns economistas brasileiros, retoma estudo econométrico anterior e conclui, por meio da simulação de nove versões da regra de Taylor, que desde meados de 2022 a taxa Selic tem ficado cerca de dois pontos porcentuais acima da taxa sugerida pelo modelo. Não se trata de algum prócer do PT afirmando que gasto é vida. É apenas a constatação – técnica – de que é possível pensar diferente.
Não é o único acorde dissonante. Já em 2021, um artigo do economista do Banco Central americano, Jeremy Rudd (Why Do We Think Inflation Expectations Matter for Inflation?), tinha ousado contestar um dogma da teoria econômica predominante, qual seja, a tese de que inflação é uma profecia autorrealizável: quando trabalhadores e empresários pensam que os preços vão subir, eles se previnem demandando salários mais altos e reajustando preços preventivamente, com o que a inflação, de fato, se eleva. Para Rudd, não só é difícil captar essas expectativas, como elas são pouco úteis na previsão da inflação. Segundo ele, é a inflação corrente que determina a expectativa de inflação no futuro, mais do que o inverso. São ideias que representam um míssil abaixo da linha d’água no arcabouço que sustenta a atuação do Banco Central. No nosso caso, é preciso ainda considerar que parte substancial do IPCA depende dos preços internacionais das commodities, que pouco ou nada respondem a uma elevação da Selic. A reação dos preços aos juros está concentrada nos preços dos serviços, que explicam parcela pequena na inflação brasileira. Isso sem falar que os economistas de mercado estão longe de conseguir aferir expectativas de quem pode determinar preços.
Juros altos por tanto tempo têm efeito radioativo sobre a economia. Eles asfixiam o crescimento, pressionam as contas públicas e multiplicam a desigualdade social. Precisamos criar as condições para que eles possam ser usados com moderação. É mais do que provável que a reavaliação da política monetária esteja na pauta do próximo presidente do Banco Central, para o bem ou para o mal. O mercado deveria saber disso.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.