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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Há equívocos tão cativantes que se assemelham a verdades que esqueceram de acontecer

A ideia muitas vezes repetida de que o mercado financeiro exagera nas suas previsões de inflação para induzir o Banco Central a elevar juros, o que aumenta o lucro dos bancos, faz parte dessa categoria

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Há equívocos tão cativantes que, mais do que mentiras, se assemelham a verdades que esqueceram de acontecer. A ideia muitas vezes repetida de que o mercado financeiro exagera nas suas previsões de inflação para induzir o Banco Central a elevar juros, o que aumenta o lucro dos bancos, faz parte dessa categoria. O argumento é tentador. Mas será que é assim que acontece?

Em primeiro lugar, é preciso ter presente que o mercado não é um monólito. Os economistas e estrategistas extrovertidos que frequentam o noticiário com suas previsões capciosas representam uma tribo que não tem acesso ao painel de comando dos preços, ou seja, não estão em posições que lhes permitam comprar ou vender ativos. São comentaristas de um jogo de futebol – mas não jogam.

Fachada do Banco Central do Brasil, no Setor Bancário Sul, em Brasília. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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São os tesoureiros, operadores e fund managers que fazem o mercado. Eles podem ter até, às vezes, alguma simpatia remota pelos seus economistas preferidos, mas o que comanda suas ações são mesmo seus “espíritos animais”. A medida de seu desempenho é objetiva e imediata: se compraram um ativo que subiu, estavam certos. Simples assim; não cabe explicação.

Em segundo lugar, uma taxa Selic nas alturas não favorece o mercado como um todo. Os administradores de recursos, por exemplo, sofrem há tempos com a concorrência de papéis públicos, sem risco de crédito, que pagam taxas altíssimas e apresentam volatilidade muito baixa. Essas aplicações podem ser feitas com uma taxa de administração muito menor que as cobradas em fundos multimercados.

Ou seja, para essa parcela do mercado, os juros altos reduzem os seus ganhos. Claro que o martírio tem sido agravado pela incapacidade de esses operadores alocarem recursos nos vários ativos de forma competente.

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O IHFA, índice que serve de parâmetro para os fundos multimercados, perde para a taxa Selic no acumulado do ano e nos últimos 12, 24 e 36 meses. Uma lavada. Não por acaso, 1.369 fundos desse tipo foram fechados em 2024, com perda líquida de recursos de R$ 236 bilhões. Por fim, em terceiro lugar, simplesmente não é verdade que os economistas superestimem as previsões de inflação.

A comparação feita entre as previsões no fim do ano e a inflação efetivamente medida no ano subsequente mostra que, entre 2010 e 2023, em nada menos que dez anos a inflação projetada pelos verbosos economistas ficou abaixo do IPCA do ano seguinte. No acumulado desse período, a inflação registrou 124,5%, para uma previsão de 97,9%. Os erros (ou “surpresas”, com os analistas preferem chamar) foram para baixo, não para cima. A tese de manipulação das previsões é boa. Só não é verdadeira.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

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