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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião | Inflação como remédio seria um disparate, já que ela mesma é uma doença incapacitante

Não há saída fora da contenção fiscal

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É notável a capacidade do governo de se afogar em um laguinho com 20 centímetros de profundidade. Não era tão difícil a equação econômica. Claro, as inconsistências são abundantes. Pensemos na trajetória nominal (sem descontar a inflação) de algumas variáveis essenciais. Em números redondos, a variação da receita total do Tesouro dos últimos 12 meses até outubro, em relação ao mesmo período anterior, foi de 11%.

Nada mal para um Produto Interno Bruto (PIB) que, na estimativa do Banco Central, cresceu 7% nesse mesmo intervalo. Mas as despesas totais cresceram nada menos que 17%, e, pior, os gastos com juros aumentaram 25%. O resultado é uma elevação da dívida pública bruta de 13%, nesse mesmo período, passando de 73,8% do PIB em outubro de 2023 para 78,6% em outubro de 2024 (era de 71,7% no começo deste governo). A conta não fecha.

LEGENDA BC1 BSB DF 03 12 2021 NACIONAL BANCO CENTRAL DO BRASIL E- INVESTIDOR Fachada do Banco Central do Brasil, no Setor Bancario Sul, em Brasilia. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADAO Foto: Dida Sampaio/ESTADAO

A armadilha em que nos metemos é ardilosa. Falta ao Partido dos Trabalhadores (PT), mais que ao Ministério da Fazenda, a convicção de que os gastos públicos devam ser contidos. Isso acirra a expectativa de contínuos déficits primários, provocando este furdúncio na cotação do dólar. Dólar mais caro pressiona a inflação, o que leva o Banco Central a subir os juros. E juros mais altos potencializam o efeito dos déficits primários, elevando a dívida pública. Só a responsabilidade fiscal poderá desarmar esse círculo vicioso.

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Não seria politicamente tão desgastante combinar, por exemplo, a desvinculação dos benefícios da Previdência do salário mínimo com a cobrança de um Imposto de Renda (IR) de pelo menos 10% dos super-ricos para conseguir algo com maior impacto. Mas a oportunidade foi perdida com a insistência extemporânea de isentar o IR da faixa com ganhos até cinco salários mínimos.

Na ausência de um ajuste fiscal, há dois caminhos adiante – que conduzem paradoxalmente ao mesmo destino. O Banco Central pode adotar uma atitude feroz e subir ainda muito mais a taxa Selic. Mas, a partir de algum momento, a pressão das despesas financeiras poderá gerar desconfiança e inflamar o paiol do câmbio, gerando mais inflação. A autoridade monetária também pode ser condescendente e patrocinar juros camaradas. Mas nesse caso a inflação poderá continuar subindo. O curioso é que uma inflação mais alta elevará o PIB nominal, ajudando a controlar a relação dívida/PIB, até porque o deflator implícito do PIB tende a ser maior que a inflação oficial (nos últimos 20 anos ele cresceu 305,2%, para 203,8% do IPCA).

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A inflação, ao elevar o PIB nominal, pode estancar a pressão sobre a relação dívida/PIB. Ver a inflação como um remédio, no entanto, seria um nefasto disparate, já que ela mesma é uma doença incapacitante. Não há saída fora da contenção fiscal.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

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