É notável a capacidade do governo de se afogar em um laguinho com 20 centímetros de profundidade. Não era tão difícil a equação econômica. Claro, as inconsistências são abundantes. Pensemos na trajetória nominal (sem descontar a inflação) de algumas variáveis essenciais. Em números redondos, a variação da receita total do Tesouro dos últimos 12 meses até outubro, em relação ao mesmo período anterior, foi de 11%.
Nada mal para um Produto Interno Bruto (PIB) que, na estimativa do Banco Central, cresceu 7% nesse mesmo intervalo. Mas as despesas totais cresceram nada menos que 17%, e, pior, os gastos com juros aumentaram 25%. O resultado é uma elevação da dívida pública bruta de 13%, nesse mesmo período, passando de 73,8% do PIB em outubro de 2023 para 78,6% em outubro de 2024 (era de 71,7% no começo deste governo). A conta não fecha.
A armadilha em que nos metemos é ardilosa. Falta ao Partido dos Trabalhadores (PT), mais que ao Ministério da Fazenda, a convicção de que os gastos públicos devam ser contidos. Isso acirra a expectativa de contínuos déficits primários, provocando este furdúncio na cotação do dólar. Dólar mais caro pressiona a inflação, o que leva o Banco Central a subir os juros. E juros mais altos potencializam o efeito dos déficits primários, elevando a dívida pública. Só a responsabilidade fiscal poderá desarmar esse círculo vicioso.
Leia também
Não seria politicamente tão desgastante combinar, por exemplo, a desvinculação dos benefícios da Previdência do salário mínimo com a cobrança de um Imposto de Renda (IR) de pelo menos 10% dos super-ricos para conseguir algo com maior impacto. Mas a oportunidade foi perdida com a insistência extemporânea de isentar o IR da faixa com ganhos até cinco salários mínimos.
Na ausência de um ajuste fiscal, há dois caminhos adiante – que conduzem paradoxalmente ao mesmo destino. O Banco Central pode adotar uma atitude feroz e subir ainda muito mais a taxa Selic. Mas, a partir de algum momento, a pressão das despesas financeiras poderá gerar desconfiança e inflamar o paiol do câmbio, gerando mais inflação. A autoridade monetária também pode ser condescendente e patrocinar juros camaradas. Mas nesse caso a inflação poderá continuar subindo. O curioso é que uma inflação mais alta elevará o PIB nominal, ajudando a controlar a relação dívida/PIB, até porque o deflator implícito do PIB tende a ser maior que a inflação oficial (nos últimos 20 anos ele cresceu 305,2%, para 203,8% do IPCA).
A inflação, ao elevar o PIB nominal, pode estancar a pressão sobre a relação dívida/PIB. Ver a inflação como um remédio, no entanto, seria um nefasto disparate, já que ela mesma é uma doença incapacitante. Não há saída fora da contenção fiscal.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.