Borges já dizia que a Guerra das Malvinas era uma briga entre dois carecas por um pente. Alguém poderia extrapolar a analogia e duvidar da racionalidade dos candidatos a presidente do Brasil, tamanhas são as dificuldades que esperam o próximo mandatário.
Claro que o cheiro do poder entorpece a mente e amortece a percepção das enormes adversidades, mas os problemas serão colossais. Começa pelo fato de que as perspectivas internacionais não são boas. Em relatório divulgado agora em junho, o Banco Mundial adverte que as condições de hoje se assemelham à estagflação dos anos 1970.
Aqui o quadro também é crítico. O sucessor de Bolsonaro encontrará a economia completamente estropiada. A projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2023 vem caindo sistematicamente e deve ser menor que a de 2022, estimada em míseros 1,7% pelo Banco Central.
Na outra ponta, a expectativa para o IPCA do próximo ano só faz aumentar. É certo que a inflação ficará acima da meta, pelo quinto ano consecutivo. O salário mínimo deverá chegar a dezembro com um valor real de R$ 1.212, menos que os R$ 1.228 de dezembro de 2016.
Reajustes para o funcionalismo público federal também serão fonte certa de atribulação, dado o represamento provocado pelo atual governo. As despesas de juros crescerão de forma expressiva, no rastro dos juros altos. Isso tudo no contexto de queda da massa de rendimentos e aumento do número de famílias que passam fome.
Qualquer solução, mesmo paliativa, exigirá a retomada do controle do Orçamento, hoje dominado pelo Centrão. Abrir mão da política de gastos públicos foi o preço que Bolsonaro pagou para comprar dos parlamentares a tolerância com sua gestão medíocre. O resultado foi um enorme arsenal de asneiras, do qual o orçamento secreto é apenas o exemplo mais lustroso.
Para completar, o próximo presidente terá que lidar com o fim de benefícios concebidos como temporários para, em gesto de total afronta à legislação eleitoral, melhorar as perspectivas de eleição do atual mandatário.
Não dar continuidade aos programas significará perda de popularidade logo no início do governo, mas continuá-los esbarra na falta de recursos, já que o bom desempenho da receita de impostos neste ano decorre de fatores não permanentes.
Quando assumiu seu primeiro mandato, Lula acusou FHC de ter lhe deixado uma herança maldita. Se ganhar as eleições, terá que reformular seu conceito de maldição.
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