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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião | Não deve ser surpresa se a nova diretoria do BC questionar o sistema de metas de inflação

Sistema que temos hoje está longe de estar consolidado

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Há pouco mais de dois anos, a Lei Complementar 179/21, que regulamenta a autonomia do Banco Central (BC), foi aprovada com fanfarras. Parecia algo simples na época, a ponto de se prescindir de um grande debate nacional. Tratava-se de encapsular a excelência técnica da autoridade monetária de influências conspurcadas das conveniências políticas, atribuindo-lhe a função essencial de “assegurar a estabilidade de preços”, nada menos que isso. O combate à inflação passou a estar, supostamente, infenso à mesquinharia ditada pelo calendário eleitoral. Soa bonito, mas seu real desenvolvimento começa a ser testado apenas agora.

O presidente Lula da Silva tem ideias claras sobre as taxas de juros. Seu argumento preferido é que uma autarquia federal, o Banco Central, não pode ter objetivos que se contraponham ao compromisso de um governo eleito de retomar o crescimento e o emprego. Certa ou errada (ela é errada), essa ideia merece ser debatida. Argumentar que cabe ao Banco Central o papel de adulto na sala que impede políticas populistas é migalhice. Não se trata de contrapor avaliações técnicas, que se pretendem exatas e científicas, a interesses políticos de curto prazo. É muito mais complicado que isso, até porque entre os próprios economistas não há consenso sobre a eficácia de combater a inflação apenas através da manipulação da taxa Selic. Não há cálculo técnico incontestável que assegure que os juros no Brasil estão no lugar certo.

Presidente Lula da Silva tem ideias claras sobre as taxas de juros Foto: REUTERS/Ricardo Moraes

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A coisa vai pegar mesmo a partir de 2025, quando o presidente Lula tiver a maioria de votos no Copom. É mais que provável que os novos diretores tenham uma visão menos ortodoxa a respeito do sistema de metas de inflação hoje adotado (que, a propósito, não está previsto na lei que regula autonomia). Não é preciso acreditar na ozonioterapia para questionar o que o Banco Central tem feito. Estudo de Z. Zhang e S. Wang (Do actions speak louder than words?, 2022), economistas do FMI, avaliou o desempenho de 68 países na década de 2010 e concluiu que aqueles que tiveram maior sucesso no sistema de metas de inflação não apresentaram melhor performance em termos de crescimento econômico e nem mesmo em relação ao comportamento dos preços.

Não deve ser surpresa se a nova diretoria, alinhada com as teses do presidente eleito, questionar o regime de metas e buscar alternativas para reduzir os juros, provocando cólicas no mercado financeiro. O sistema que temos hoje está longe de estar consolidado. Testaremos na prática, com grandes emoções, as implicações que não foram discutidas a fundo quando da aprovação da lei que regulamentou a autonomia do BC.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

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