Foi pênalti, claro que foi. O atacante ajeita a bola e usa as melhores práticas internacionais para marcar o gol. Corre como se fosse para o abraço, mas o chute faz a bola cair na arquibancada. Interpelado, com muita franqueza, pela torcida, nosso jogador diz que “foi surpreendido” pela trajetória da bola. A desculpa colou? Não colou. Ele errou o chute.
Com os economistas é diferente. A benevolência prevalece, a vida é mais fácil. O desempenho do PIB no segundo trimestre, por exemplo, “surpreendeu”. Não foram os economistas que erraram o chute. Foi o PIB que, sorrateiramente, deu indicações que iria para um lado e, por maldade, correu para outro. A agravante é que não se trata de prever o futuro, com perdão da redundância. A previsão feita em setembro foi surpreendida pelo nível de atividade ocorrido entre março e junho. Uma previsão sobre o passado, portanto.
Ainda assim, a diferença foi da ordem de dezenas de bilhões de reais. Uma grande surpresa. Esses mesmos economistas são perguntados regularmente pelo Bacen a respeito das expectativas para a inflação oficial dos próximos anos. Para 2028, por exemplo, esperam um IPCA de 3,5%. Pode ser crueldade mesquinha criticar erros desse tipo. Mas todos sabemos que não existe nenhuma metodologia confiável para prever a inflação em prazos longos, especialmente no Brasil, onde o IPCA depende em grande parte de condições climáticas e da geopolítica internacional.
Mas o Banco Central leva essas previsões em conta na hora de subir as taxas de juros, como fez na semana passada. A ideia é que os economistas conseguem, talvez usando alguma alquimia antroposófica, capturar o que pensam aqueles agentes econômicos capazes de antecipar aumentos de preços pela simples razão de que imaginam que os preços subirão – a clássica profecia autorrealizável.
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As estimativas são frágeis, baseadas em hipóteses fragílimas, e seu impacto sobre a inflação é difícil de ser constatado. Mais do que motivado pelas instáveis expectativas, o risco de aumento da inflação reflete o temor de que a aceleração do crescimento, puxada pelo gasto público, possa inflar a demanda.
A despesa total do governo central cresceu 20% nos 12 meses terminados em junho de 2024, contra 10% de aumento na arrecadação da Receita Federal. Por essa métrica, desde abril de 2023, a receita de impostos cresce menos que os gastos. Prever indicadores econômicos é muito difícil. Mas assumir que o atual governo não tem compromisso com o equilíbrio fiscal é a mais trivial das estimativas. Nesse caso, não tem como chutar fora do gol.
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