O Executivo e o mercado andam nervosinhos. Feitas as contas e descontadas as promessas pelo valor de face, fica cada vez mais claro que o crescimento da dívida pública é uma ameaça cada vez maior ao sono dos justos. O FMI não é muito bom em previsões, mas seu último vaticínio foi sinistro: a dívida vai passar de 84% do PIB em 2022 para 95% do PIB em 2026. As previsões dos analistas brasileiros também sinalizam um aumento de 12,2 pontos porcentuais no PIB nessa terceira gestão do presidente Lula (lembrando que o FMI tem o hábito de incluir na dívida os títulos do Tesouro na carteira do Bacen). A taxa de crescimento em 12 meses da dívida bruta do governo central estava em 12,2% em agosto de 2024, contra 6,7% de aumento do PIB nominal.
O mercado reage a isso baseado em um sistema de convenções. É assim que funciona. Suponhamos que todos acreditem que a cotação de um bem dependa da atividade solar, como pensava W. Jevons a respeito dos ciclos econômicos no final do século 19 (ver The Periodicity of Comercial Crisis and its Physical Explanation, 1875). Ao invés de checar se isso faz sentido, o mercado, uma vez aceita a ideia, buscará formas de prever as manchas solares para operar com esse ativo. A tese da insolvência da dívida é assemelhada. É difícil concluir que, em uma economia praticamente fechada, um governo que deve na própria moeda e que emite títulos para financiar gastos que já criaram liquidez poderia ficar insolvente. Não importa. Percepção é realidade. É assim que o mercado pensa, e seria contraproducente discutir o tema a essa altura.
Mesmo que a insolvência seja uma impossibilidade, o temor de que ela ocorra é real e poderá provocar encurtamento no prazo de rolagem da dívida e fuga de capital. Disso decorreria uma alta expressiva na cotação do dólar e, na sequência, um choque de juros – com o que o ciclo se fecha, já que despesas financeiras maiores realimentarão o medo da insolvência, criando uma versão tabajara de um “momento Minsky”. Gradualmente e, então, de repente, como diria o personagem de Hemingway. Resta demonstrar algum apego à austeridade fiscal. Mas aqui há dois obstáculos. O primeiro e mais evidente é a falta de convicção do próprio governo. O PT genuinamente acredita na falácia de que gastos podem gerar aumento consistente do nível de atividade. O segundo obstáculo ao Orçamento equilibrado deriva da força crescente dos interesses privados que tiram proveito da polarização política para transformar os congressistas em despachantes de seus privilégios, perpetuando subsídios e sinecuras tributárias. Assim fica difícil.
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