O pragmatismo foi a marca da primeira gestão do presidente Lula da Silva. Em 2002, a inflação havia atingido 12,5%, no rastro de uma desvalorização cambial de 52%, o que empurrou a taxa Selic para 25%. O presidente noviço foi prudente, elegeu prioridades, preferiu não bater cabeça com o mercado.
Em 2003, os juros subiram um pouco mais, a economia quase não cresceu (1,1%), mas o dólar recuou 18%, a inflação caiu (pouco, para 9,3%) e o ajuste criou as condições para um crescimento de quase 36% nos sete anos seguintes. Para comparar: nos últimos sete anos o Brasil cresceu apenas 5,5%. Houve, claro, condições internacionais favoráveis, mas o pragmatismo foi a trilha sonora da política econômica.
O quadro econômico no final de 2022, malgrado todas as mazelas, não chega a ser catastrófico
Tudo parece ter mudado agora. Falar na herança maldita é quase obrigatório na posse de todos os presidentes, mas o fato é que o quadro econômico no final de 2022, malgrado todas as mazelas, não chega a ser catastrófico. Nos últimos dois anos, a economia cresceu 8% e a taxa de desemprego caiu para o menor nível desde 2015. Claro que o crescimento é fragílimo, com investimentos públicos em infraestrutura praticamente exterminados, e a taxa de desemprego seria muito maior se as pessoas não tivessem deixado de procurar trabalho. Mas poderia ser muito pior.
O busílis que entrava hoje o crescimento, no entanto, é a inflação. Os exercícios de prestidigitação do governo Jair Bolsonaro levaram o IPCA para 5,9% em 2022, mas a inflação dos preços livres fechou em 8,42%, quase igual à média dos núcleos, 8,45%. A previsão para 2023 é de 6%, o dobro da meta estabelecida para o ano que vem. Combater a inflação neste primeiro ano de governo deveria ser a prioridade. Nas atuais condições em que a política anti-inflacionária depende apenas da taxa Selic (um despropósito que já foi tratado neste espaço), estimular o crédito e promover uma política fiscal expansionista apenas prolongará o martírio provocado pelos juros altos.
Parte relevante dos efeitos colaterais dos juros exorbitantes poderá ser combatida com a transferência de renda que vem no rastro do novo Bolsa Família, uma novidade estonteante que merece maior atenção. Pela estimativa da Instituição Fiscal Independente, serão R$ 180 bilhões a serem gastos em 2023, mais que o dobro dos R$ 88,1 bilhões do ano passado e quase o triplo (como proporção do PIB) do que se gastou em 2003.
É preciso foco para fazer bom uso dessa dinheirama, o que impõe, em primeiro lugar, a sanitização do Cadastro Único. Tentar fazer tudo ao mesmo tempo gera apenas uma desafinada polifonia. Mais que discutir, é preciso fazer escolhas. Os pobres têm pressa, os miseráveis têm urgência.
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