Entre os que se preocupam com a economia, é unanimidade a necessidade de uma reforma tributária. Aumentaria o bem estar social e a taxa de crescimento do País, além de livrá-lo de um sistema desconexo, confuso e socialmente injusto. Foi boa, portanto, a iniciativa do governo de enviar ao Congresso sua primeira proposta de reforma dos tributos, que deve ser seguida de outras três, e se soma aos projetos que tramitam na Câmara e no Senado.
A discussão será interessante. Os que carregam os custos de uma reforma não são os mesmos que auferem seus benefícios. Esse debate não pode ficar para depois. A pandemia de Covid-19 agravou o fato de que a estrutura tributária atual é inadequada para o País crescer, criar empregos e estimular o empresário a investir.
É a mesma há mais de meio século, com alguns ajustes na Constituição de 1988. Desde então, o Brasil se transformou. É mais urbano, com outra matriz produtiva e maior demanda de recursos nas três esferas de governo. O sistema se deformou nas últimas três décadas.
Aos sinais de dificuldades fiscais, os diferentes governos criaram “contribuições” ajustadas à maior demanda de recursos, o que formou um dos sistemas tributários mais complexos do mundo.
A modernização da economia e os produtos e serviços com inovação tecnológica também criam necessidades de nova classificação tributária. Há uma situação de potencial litígio entre cidadãos, empresas e o Fisco.
A autonomia dos Estados e municípios – com suas jurisdições e, dentro de limites, as alíquotas dos seus impostos –, foi pensada para fortalecê-los, porém, provoca disputas fiscais que enfraquecem a todos. A estrutura tributária é regressiva, a alíquota efetiva para os mais ricos não é proporcionalmente maior do que para os mais pobres.
No Brasil, a concentração de renda elevada deve aumentar com a crise. De novo, essa iniquidade pode ser atenuada por um sistema mais justo e equilibrado.
A situação fiscal já era problemática antes da pandemia. Desde 2014, o setor público federal apresenta um déficit primário, que tem se expandido nos últimos meses. A situação de muitos Estados e municípios é crítica.
Atualmente, há ainda dois projetos de reforma tributária, a PEC 110 e a PEC 45, que tramitam no Senado e na Câmara de Deputados. São parecidos, unificam alguns impostos, mudam a sistemática de arrecadação e resolvem algumas distorções, não todas. Buscam acomodar os interesses dos entes subnacionais.
A primeira parte do projeto de reforma tributária do Executivo unifica impostos federais e simplifica a arrecadação. É complementar aos dois projetos em tramitação no Congresso Nacional. A combinação dos três pode resultar numa reforma que atenda exigências de governadores e prefeitos. Ser o avanço possível.
O ideal é um novo sistema tributário acompanhado de mais flexibilidade orçamentária para alocar recursos e amortizar a dívida pública, para aumentar a eficiência da economia e induzir o investimento. Uma construção focada no bem estar do Brasil, mais do que em proteger direitos adquiridos.
Estamos numa emergência tributária, para a qual todos precisam dar sua parcela de contribuição adicional. Não há heresia, desde que em caráter temporário, com data para começar e para acabar, com o objetivo de achatar a dívida pública e evitar a insolvência do País.
O Brasil já superou crises fortes no passado. Foi o que aconteceu em 1929 e nos anos 1960. Nas duas ocasiões, o sistema tributário foi substituído. Foram criados e eliminados impostos, e a repartição de receitas foi alterada. Os problemas foram superados e o crescimento nacional foi maior do que o mundial.
Podemos fazer o mesmo agora. O ambiente é de convergência: o governo quer, o Congresso é reformista, enquanto empresários e trabalhadores apoiam lideranças comprometidas com o tema. Entre tantas outras, a questão tributária precisa ocupar o topo da lista de prioridades.
*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO
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