‘Lula assumiu pensando que as mesmas políticas do passado funcionariam’, diz Kenneth Rogoff

Para ex-economista-chefe do FMI, governo precisa de um política fiscal mais sóbria, porque as condições atuais não são tão favoráveis quanto as de 2003, no primeiro mandato de Lula

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Foto: Cory Hancock/IMF
Entrevista comKenneth RogoffEx-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atual professor da Universidade Harvard

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atual professor da Universidade Harvard, acredita que o Brasil conseguiu alguns avanços importantes na economia recentemente - como a autonomia do Banco Central -, mas que enfrentará muitas dificuldades se não atacar a questão fiscal. Sem isso, diz, “haverá juros mais altos, ou maior inflação, ou ambos”.

Segundo ele, o presidente Lula não pode simplesmente “parecer-se com o Lula de 2003″. “Ele tem de fazer melhor agora, porque antes havia uma situação muito mais favorável nos preços de matérias-primas e de crescimento global”, diz.

Em relação à economia global, Rogoff diz que a possível adoção de tarifas sobre importados pela nova administração de Donald Trump nos Estados Unidos trará impactos ao crescimento da zona do euro e da China. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Que avaliação o sr. faz sobre a reunião do Federal Reserve deste mês de dezembro, quando os juros americanos foram reduzidos mais uma vez?

Os dirigentes do Fed (o banco central americano) atingiram um ponto no qual precisam perguntar a eles mesmos porque estão reduzindo os juros. A economia dos EUA está muito forte, a inflação não está baixando para 2% e o mercado de ações está no território de uma bolha. A conclusão da reunião de dezembro é que eles vão desacelerar a redução dos juros até que a economia reduza o ritmo.

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O que preocupa mais o presidente do Fed, Jerome Powell: o risco de adoção de tarifas sobre importados pela administração Donald Trump gerar pressões inflacionárias nos EUA ou o atual patamar da inflação, que não está na meta de 2%?

Estou certo que os dirigentes do Fed estão preocupados com a economia e a inflação, mas as tarifas somente criam muita volatilidade. Eu não exageraria (na avaliação) sobre quão grande será o efeito das tarifas à inflação. Mas entre as políticas de Trump, ela é a que cria maior incerteza.

As políticas econômicas do governo Trump são o maior risco de alta da inflação nos EUA em 2025?

O maior risco é a economia dos EUA continuar crescendo com muita força. Estamos em um novo mundo de taxas de juros reais maiores. Trump é um fator, mas está distante de ser o único.

Trump fez várias críticas ao Federal Reserve no seu primeiro mandato. Tais críticas ocorrerão novamente no seu segundo mandato a ponto de impactar a independência do Fed?

Os dirigentes do Fed estarão envolvidos por políticas que requererão maior taxa de juros para manter a inflação estável, como tarifas sobre importados, a ausência da cobrança de impostos sobre a Previdência Social e gorjetas, além da dedutibilidade dos tributos estaduais e locais. Ele (Trump) tem uma longa lista de ideias ultra populistas. Estou certo que Elon Musk e Vivek Ramaswamy (que irão chefiar o nov departamento de “eficiência governamental” dos EUA) terão muitas ideias para reduzir gastos do governo, mas não atingirão US$ 2 trilhões. Infelizmente, as despesas com defesa provavelmente subirão e eliminarão quaisquer cortes que conseguiriam fazer. Com a política fiscal da administração Trump e as demandas da retórica populista, será muito difícil manter as taxas de juros baixas. O Federal Reserve vai querer manter as taxas mais altas, mas haverá muitas pressões de Trump e de suas nomeações. Mesmo que Powell continue no cargo até maio de 2026, Trump já pode começar a falar sobre quem serão as suas nomeações (para o Fed) e eles podem começar a dizer que as taxas de juros são altas demais, o que afetará as taxas de longo prazo.

Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, comentou recentemente que, se os EUA adotarem políticas comerciais protecionistas, o crescimento da zona do euro poderá ser impactado. A adoção de tarifas sobre importados europeus pela administração Trump poderá levar o BCE a acelerar a redução dos juros em 2025?

A zona do euro está em grandes apuros, não por causa de Trump, mas devido às suas próprias políticas. A Alemanha tem um governo muito fraco por muitos anos, que adotou políticas de tendência esquerdista que tornaram o país menos eficiente. Na França, o presidente Emmanuel Macron teve muitas ideias boas, mas não conseguiu implementá-las. Ele tentou elevar a idade para aposentadorias de 62 para 64 anos e as pessoas foram às ruas.

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Claro que tarifas sobre importados causarão danos. O que também é preocupante em relação às tarifas é que a Europa vai retaliar, por questões políticas. Daí, Trump vai retaliar e quem sabe onde isto irá parar.

O BCE projeta que o PIB da zona do euro crescerá 1,1% em 2025. Esta expansão será viável?

É um pouco otimista, dada a situação da Alemanha e da França.

Qual seria uma estimativa mais razoável?

Um crescimento de 0,7% em 2025.

Em relação à China, como o sr. avalia a tendência da economia do país no próximo ano, cujas dificuldades para atingir a meta de crescimento determinada pelo governo podem aumentar com a adoção de tarifas pelo governo Trump?

A economia da China está muito fraca e terá sorte se crescer de 2% a 3% na média nos próximos 10 anos. Na China, (autoridades) dizem que o país está crescendo a 4,5%. Eu não acredito. Há uma crise financeira reprimida até no mercado imobiliário. Há sobrecarga de (obras) em infraestrutura e habitação. A excessiva centralização do poder é fenomenal. Todas as grandes corporações estão sendo assumidas, até certo ponto, pelo Partido Comunista. Esta não é uma receita para uma economia dinâmica. Você pode colocar muito cimento (pelo país), mas se quiser ser criativo no consumo de bens precisa de mais descentralização, que não está sendo permitida. As tarifas vão prejudicar, certamente. A China está com um superávit comercial equivalente a 2% do seu PIB. Trump e a Alemanha não estão felizes com isto. A China não conseguirá compensar o seu lento crescimento com as exportações.

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Falando agora de Brasil: o ministro Fernando Haddad chegou a dizer este mês que o real pode estar sofrendo um ataque especulativo. O que o governo pode fazer para conter a forte desvalorização cambial?

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder pensando que as mesmas políticas do passado funcionariam, mas não estão (funcionando). No seu primeiro mandato, os preços das commodities estavam em grande alta, e ele sucedeu a administração do presidente (Fernando Henrique) Cardoso, que era muito mais forte do que a administração de (Jair) Bolsonaro.

O Brasil está com um déficit fiscal de 10% do PIB. Não será possível afastar os especuladores fazendo isso. O País fez um trabalho maravilhoso ao avançar a participação da dívida interna em relação a toda a dívida pública, ao determinar a independência do Banco Central. Mas há limites (fiscais). Ou haverá juros mais altos, ou maior inflação, ou ambos.

E o que as autoridades do governo podem fazer para reverter este quadro?

Eles precisam ter uma política fiscal mais sóbria, como todo mundo vem dizendo desde o primeiro dia do novo governo Lula. Ele não pode simplesmente parecer-se com o Lula de 2003. Ele tem de fazer melhor agora, porque antes havia uma situação muito mais favorável nos preços de matérias-primas e de crescimento global. Desta vez é diferente. O Brasil tem uma economia complicada, mas com muitos pontos fortes. Há muitas coisas que podem ser feitas. Mas eles têm a vontade política? Eu não sei.

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