BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou nesta quarta-feira, 29, aos executivos dos maiores bancos do País, uma proposta para ampliar o uso de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia em empréstimos consignados no setor privado.
A ideia é que os bancos possam ter acesso direto aos dados das folhas de pagamento do setor privado, sem passar pelos empregadores, eliminando custos, simplificando o processo e ampliando o uso do FGTS como garantia. As instituições, por sua vez, poderiam apresentar propostas de crédito, e os trabalhadores conseguiriam comparar as taxas oferecidas pelos bancos.
Após a reunião no Palácio do Planalto que contou com a presença do presidente Lula, de integrantes do governo e de representantes das instituições, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo irá propor uma nova plataforma virtual para o crédito consignado privado. Segundo ele, a iniciativa poderá beneficiar todos os celetistas, o que representa cerca de 40 milhões de pessoas.
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Esse tipo de crédito tende a ser mais barato por ser descontado diretamente na folha de salário do trabalhador, o que reduz os riscos de calote para os bancos. A expectativa do governo é a de que a proposta esteja disponível ainda este ano.
Segundo Haddad, a novidade na proposta é usar o eSocial para a liberação de taxas que ainda não estão disponíveis. A plataforma do governo federal, criada em 2018, facilita e reduz a burocracia das empresas na hora de reportar informações sobre seus funcionários. A ferramenta, segundo o chefe da Fazenda, mostrará as opções de crédito consignado privado. O eSocial é gerido pelo Ministério do Trabalho e alimentado mensalmente pelas empresas ou empregadores pessoa física.
De acordo com Haddad, o INSS e o serviço público têm uma folha de pagamento de R$ 120 bilhões, enquanto o estoque do consignado para essas pessoas é de R$ 600 bilhões. Já os trabalhadores privados, segundo o ministro, têm R$ 120 bilhões de folha e R$ 40 bilhões de consignado.
Para Haddad, milhões de pessoas que não têm acesso a crédito consignado passarão a ter com a medida. Conforme o ministro, uma empregada doméstica e um empregado de pequena empresa dificilmente têm hoje acesso a crédito consignado. “O crédito pessoal hoje, como o banco está sem garantia nenhuma, ele às vezes coloca uma taxa de difícil cumprimento pelo tomador”, afirmou.
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Como antecipou o Estadão/Broadcast, o objetivo do governo é criar um processo centralizado para os bancos terem acesso aos dados das folhas de pagamento do setor privado, o que deve ampliar o uso dos salários como garantia. Pela plataforma, os trabalhadores poderão comparar as taxas oferecidas pelas diferentes instituições financeiras.
Atualmente, as instituições precisam fazer convênios com cada empresa para ter acesso aos dados e conceder empréstimos. Isso torna o processo mais trabalhoso, caro e explica a menor utilização do consignado por trabalhadores do setor privado comparado aos do setor público e aos aposentados e pensionistas do INSS. Nos dois casos, a base de dados também é centralizada.
No novo desenho, não haverá mais a necessidade da intermediação com a empresa empregadora. A contratação se dará numa espécie de leilão reverso. Pelo eSocial, no momento em que o empregado demonstra interesse no consignado, os bancos poderão elaborar propostas, que ficarão disponíveis para escolha de quem pretende contratar a operação.
O presidente da Febraban, Isaac Sidney, disse que o crédito consignado privado pode passar de R$ 120 bilhões com as medidas que estão sendo planejadas pelo governo. “Temos uma perspectiva positiva de que esse crédito para o trabalhador privado vai ser mais barato, vai ser mais ampliado. Nós vamos democratizar o acesso e nós estamos estimando que esses R$ 40 bilhões possam triplicar, o que significa dizer que essa carteira de crédito pode chegar a uns R$ 120 bilhões, R$ 130 bilhões”, declarou ele.
Segundo Isaac Sidney, é uma oportunidade para fazer o consignado privado decolar, ao prescindir dos convênios com as companhias. Ele disse que, com o atrelamento ao eSocial, os encargos sociais ficariam consignados à prestação com o banco. Segundo ele, as instituições financeiras assumiram compromisso com o governo para que o crédito privado cresça. Ele também disse que ainda há detalhes para serem tratados sobre essa modalidade, e que as taxas de juros serão menores quanto menor for o risco das operações.
Além de Lula e Haddad, participam da reunião nesta quarta-feira os ministros Rui Costa (Casa Civil), (Fazenda) e Luiz Marinho (Trabalho); o secretário executivo do Ministério do Trabalho, Chico Macena; a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros; o presidente da Caixa, Carlos Vieira; o presidente do Conselho Diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Luiz Carlos Trabuco; o presidente-executivo da Febraban, Isaac Sidney; o CEO do Bradesco, Marcelo Noronha; o CEO do Itaú, Milton Maluhy Filho; e o CEO do Santander Brasil, Mario Leão.
Teto de juros
Haddad afirmou ainda que a possibilidade de haver um teto de juros no novo desenho do crédito consignado para trabalhadores do setor privado está em discussão no governo e será deliberada por Lula.
“Isso vai ser matéria deliberada pelo presidente no encaminhamento”, disse. Embora os bancos já tenham se manifestado contra, técnicos do governo defendem que deve haver limites nesse tipo de crédito para evitar “abusos”, já que a poupança do trabalhador será dada como garantia nas operações. “O presidente (Lula) deve chamar uma última reunião de governo para arbitrar os pequenos pontos que faltam ser incluídos”, afirmou.
Consignado mais atrativo
Embora vejam positivamente as mudanças no consignado privado, as instituições discordavam da visão da pasta de que o novo formato poderia substituir a antecipação do saque-aniversário do FGTS. Segundo Haddad, a extinção do saque-aniversário do FGTS não foi debatida no encontro.
Sob o argumento de que o saque prejudica o FGTS ao reduzir recursos disponíveis para habitação e saneamento, o Trabalho defende que a modalidade seja extinta em paralelo à criação do novo consignado privado. Os bancos afirmam, por outro lado, que os públicos dos dois produtos têm baixa sobreposição, porque muitos dos clientes da antecipação do saque estão negativados e não têm emprego.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, o Ministério do Trabalho já vinha querendo tornar o consignado mais atrativo e amplo. Hoje, o trabalhador titular do fundo pode oferecer como garantia até 10% do saldo de sua conta vinculada ao FGTS.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse após a reunião que o governo não está discutindo mexer nos limites para concessão do crédito consignado privado. Segundo o governo, um projeto será enviado em fevereiro ao Congresso para permitir o uso das informações do eSocial para concessão de crédito consignado privado. A iniciativa deverá ocorrer por meio de medida provisória. Marinho afirmou que a plataforma eSocial fará a integração entre bancos e trabalhadores.