BRASÍLIA - Em uma mudança de tom, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse neste sábado, 15, que vai rediscutir os gastos do governo. A fala ocorre em meio à escalada das incertezas fiscais, com reflexos no dólar e na bolsa de valores, e num momento de enfraquecimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que sofreu derrota no Congresso e recebeu críticas de parte do setor produtivo. Lula também aproveitou a ocasião para reforçar o apoio ao chefe da equipe econômica.
“Acho que tudo aquilo que a gente detectar que é gasto desnecessário, você não tem que fazer”, afirmou Lula, em coletiva de imprensa na Itália, onde participou de encontro do G7 (grupo dos países mais ricos do mundo, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido).
O petista afirmou, contudo, que o governo não fará ajustes que afetem a população mais pobre, em referência ao debate sobre a revisão dos pisos da educação e da saúde. Essas despesas têm regras que as fazem crescer em ritmo mais acelerado do que o limite do arcabouço fiscal. O temor, portanto, é de que elas comprimam os demais gastos e gerem um “apagão” na máquina pública ao longo dos próximos anos.
O presidente disse ter solicitado ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, uma reunião do conselho orçamentário na próxima semana para discutir os gastos públicos. Costa integra a Junta de Execução Orçamentária (JEO), colegiado também composto por Haddad e as ministras Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão).
Foi a primeira vez que Lula sinalizou disposição para algum tipo de corte de gastos neste mandato, mesmo blindando os pisos da saúde e da educação.
Até semana passada, o discurso do presidente seguia outra linha: de que o aumento da arrecadação e a queda da taxa básica de juros da economia, a Selic, permitiriam a redução do déficit nas contas públicas sem que a capacidade de investimento fosse comprometida. Ou seja, sem sinalizar ajustes pelo lado do gasto. Na ocasião, a fala fez com que o dólar chegasse a R$ 5,43.
O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, também aproveitou um evento neste sábado, 15, para reforçar a intenção do governo de viabilizar um ajuste pelo lado dos gastos, e não apenas via aumento de arrecadação, como a equipe econômica tem feito até agora.
“Não tem nenhuma definição ainda de data, mas o fato é que nós devemos procurar ter cortes no curto prazo, medidas que têm resultado mais rápido, e no médio e longo prazos”, declarou Alckmin em evento da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de São Paulo (FETCESP), em Campos do Jordão (SP).
Alckmin acrescentou: “porque você precifica. Mesmo que tenha uma medida que vai se estender por vários anos, ela é trazida a valor presente”. Ele também ressaltou que, com “uma melhor política fiscal”, haverá juros mais baratos e crescimento econômico.
Lula defende Haddad: ‘jamais ficará enfraquecido’
Na Itália, Lula também aproveitou para reforçar o apoio a Haddad após a devolução de parte da Medida Provisória (MP) que limitava a compensação de créditos do PIS/Cofins com o objetivo de compensar a desoneração da folha dos 17 setores que mais empregam no País e dos municípios.
“Haddad jamais ficará enfraquecido enquanto eu for o presidente da República, porque ele é meu ministro da Fazenda, escolhido por mim e mantido por mim”, disse. “Se o Haddad tiver uma proposta (de compensação), ele vai me procurar essa semana e discutir economia comigo.”
O presidente disse ter falado a Haddad que a questão da desoneração não é mais um problema do governo. “Os que ficam criticando o déficit fiscal, os gastos do governo são os mesmos que foram ao Senado aprovar a desoneração a 17 grupos empresariais. E que ficaram de fazer uma compensação para suprir o dinheiro da desoneração e não quiseram fazer”, afirmou o petista.
“Eu disse a Haddad: ‘Não é mais problema do governo, é problema deles. Agora, os empresários que se reúnam, discutam e apresentem ao ministro da Fazenda uma proposta de compensação”, comentou.
Haddad lamenta falta de diálogo em Brasília
Após a dura derrota no Congresso, o ministro da Fazenda comentou, em evento neste sábado, o dia a dia das negociações na capital federal. “Quando a gente vai para Brasília, a gente não dialoga com o serviço público, propriamente dito. A gente vai lá se defender do que está acontecendo”, disse Haddad durante encontro promovido pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), em São Paulo.
“A todo momento você fica apreensivo: Que lei vão aprovar? O que vão fazer? Que maluquice é essa? O que estão falando? Por que não se dedicam a coisas sérias, que vão mudar a vida das pessoas? Para que essa espuma toda para criar cizânia na sociedade e briga na família?”, disse o chefe da equipe econômica, em meio a aplausos da plateia e gritos de “Fora, Lira”, em referência ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
O ministro também disse que o País é difícil de conduzir. “O Brasil é uma encrenca, né? É um negócio difícil de administrar. (...) Às vezes, quem está em uma posição de poder não está fazendo a coisa certa pelo País. Isso é a coisa mais triste da vida pública.”
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Críticas ao BC às vésperas do Copom
Na coletiva de imprensa, Lula voltou a criticar a Selic. Ao falar sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o petista disse que quem promoveu a festa ao chefe da instituição nesta semana em São Paulo deve ganhar dinheiro com os juros altos.
“Ninguém fala da taxa de juros num país com inflação de 4%. Pelo contrário, faz uma festa ao presidente do Banco Central em São Paulo”, disse. “Os que foram à festa devem estar ganhando dinheiro com a taxa de juros.”
Na noite da última segunda-feira, 10, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), próximo ao ex-presidente Jair Bolsonaro, promoveu um jantar em homenagem a Campos Neto. O evento, no Palácio dos Bandeirantes, contou com cerca de 70 pessoas, entre banqueiros, empresários e políticos.
Em entrevista antes do encontro, Tarcísio afirmou que apenas pessoas próximas foram convidadas. “Resolvi, vou fazer um jantar para o meu amigo Roberto, com poucos amigos, gente do meu convívio, que trabalhou com a gente no governo (de Bolsonaro)”, disse.
As críticas de Lula ao patamar da Selic e à gestão de Campos Neto ocorrem às vésperas da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. O colegiado realizará na próxima semana o encontro mais aguardado desde o início da gestão Lula 3.
Atualmente, a taxa está em 10,5% ao ano, e parte do mercado avalia que a autoridade monetária poderá manter esse patamar, interrompendo o ciclo de cortes. Isso devido ao aumento da expectativa de inflação e da piora do câmbio em meio às incertezas fiscais.
Nesse cenário, os analistas ficarão de olho nos votos de cada um dos diretores para verificar se haverá unidade ou se o comitê seguirá rachado.
No último encontro, os diretores indicados por Lula votaram por um corte maior dos juros, de 0,5 ponto porcentual, enquanto os diretores da gestão anterior opinaram que seria mais prudente reduzir o corte para 0,25 ponto - posição que prevaleceu. Essa divisão ampliou as incertezas econômicas e as dúvidas sobre como será o perfil do novo BC, que passará a ter um presidente indicado por Lula até o fim do ano.
Acordo Mercosul e União Europeia
Lula afirmou ainda que o Mercosul está pronto para assinar o acordo com a União Europeia. Segundo ele, contudo, será preciso aguardar as eleições nos países do continente europeu para avançar com as tratativas.
O petista se reuniu com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e sinalizou que o Brasil está pronto para assinar o tratado.
“Eu disse a ela (Von Der Leyen) que depois de todas as tratativas que o Brasil fez para mudar o acordo, colocando as coisas que nós achamos que eram necessárias colocar e tirando as coisas que achávamos que eram necessárias tirar, o Brasil está pronto para, na hora em que a União Europeia quiser, assinar o acordo”, declarou Lula. “Agora, o problema é deles (União Europeia).”
Lula comentou que o presidente da França, Emmanuel Macron, se mostrou mais flexível em relação às tratativas do acordo. O francês, contudo, pediu para que o brasileiro esperasse as novas eleições no país, que foram convocadas no último domingo, 9.
“Volto com otimismo de que nós, do Mercosul, estamos prontos para assinar esse acordo”, destacou. Em sua avaliação, o tratado será benéfico para América do Sul, Mercosul e governos e empresários da União Europeia./ Com Bianca Lima, do Estadão, e Victor Ohana, do Broadcast
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