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Análise|Lula fala muito, o Brasil cresce pouco

Presidente tem se mostrado mais empenhado em falar e gastar do que em governar

Foto do author Rolf Kuntz
Atualização:

Mais empenhado em falar e em gastar do que em governar, o presidente Lula entregará mais dois anos de expansão econômica abaixo de 3%, segundo estimativas do Ministério da Fazenda, revistas e divulgadas nesta quinta-feira, 18. A economia crescerá 2,5% em 2024 e 2,6% no próximo ano, de acordo com o novo quadro apresentado pelo ministro Fernando Haddad. As projeções são mais otimistas que as do Fundo Monetário Internacional (FMI), 2,1% e 2,4%, e também menos sombrias que as do mercado financeiro, 2,1% e 1,97%, incluídas no boletim Focus da última segunda-feira, 15. Reafirmam, no entanto, a aparente maldição do crescimento na vizinhança dos 2%, muito baixo para uma economia emergente do tamanho da brasileira.

Inflação revista para cima contrasta com o quadro da economia emperrada. Na previsão oficial, passou de 3,7% para 3,9% a alta estimada para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Emprego vigoroso e consumo em alta devem refletir-se mais nos preços pagos pelas famílias do que no aumento do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com as projeções do Ministério da Fazenda. No mercado, as expectativas são um pouco piores: 4,02% de inflação neste ano e 3,88% em 2025.

Lula diz ter divergência de conceito com o 'pessoal do mercado' Foto: Wilton Junior/Estadão

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Com pressões inflacionárias ainda consideráveis – o centro da meta é 3% –, é difícil prever um afrouxamento sensível da política de juros. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central já indicou a disposição de manter a taxa básica elevada até o fim do ano e de reduzi-la, em seguida, lentamente. Segundo a expectativa captada no mercado, a taxa deve permanecer em 10,5% até dezembro e terminar 2025 em 9,5%. Crédito caro deverá atrapalhar o esforço dos empresários para dinamizar os negócios no próximo ano.

Empenhado em conter o ritmo da inflação, o ministro da Fazenda deve contingenciar parte das verbas orçamentárias, liberando recursos, depois, em ritmo controlado. Esse expediente já foi usado no Brasil e pode facilitar a gestão dos gastos federais. Um congelamento de R$ 15 bilhões já foi anunciado. Mas um controle efetivo da despesa dependerá principalmente da adesão do presidente da República ao compromisso de austeridade. Essa adesão é por enquanto incerta, apesar das manifestações presidenciais de apoio ao trabalho de Haddad.

Também o cenário global será complicado, se os fatos confirmarem as projeções do FMI. Nesse quadro, o produto mundial aumentará 3,2% em 2024 e 3,3% no próximo ano, com crescimento muito parecido com o do biênio anterior. Parece irrealista esperar grandes estímulos do exterior. A expansão da China, principal mercado para a exportação brasileira, deve ficar em 5% neste ano e 4,5% no próximo. Será mantido, nesse caso, ritmo semelhante ao dos últimos anos, bem menor que o observado na longa fase de grande expansão econômica. Mas permanecerão, segundo se estima, condições favoráveis ao comércio com o Brasil.

O balanço das condições internas e externas aponta um quadro desafiador para o governo brasileiro. Para combinar crescimento e estabilidade, a administração federal terá de combinar prudência fiscal, estímulo ao setor privado e esforços de atração de capitais externos. Será especialmente importante alimentar a confiança dos investidores – nacionais e estrangeiros – e isso dependerá de uma contínua demonstração de bom senso e responsabilidade.

O presidente declarou-se disposto a apoiar um corte de gastos se estiver convencido da necessidade de limitar o dispêndio. “Você sabe”, disse ele numa entrevista, “que eu tenho uma divergência histórica, divergência de conceito com o pessoal do mercado”. Em seguida: “Nem tudo que eles tratam como gasto eu trato como gasto”. Não se trata, no entanto, de uma questão de “conceito”, mas de um grave desconhecimento.

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A palavra “gasto”, sinônimo de “despesa”, aplica-se tanto ao investimento quanto ao consumo, ou, no caso do governo, ao custeio. A diferença está apenas na finalidade do gasto. Um se destina a ampliar o estoque de capital – itens como rodovias, portos, edifícios, sistemas de geração e transmissão de eletricidade, etc. Outro é destinado, no caso do governo, a manter as condições de operação da máquina administrativa, com ações como pagamentos de salários e suprimento de material de trabalho.

Em qualquer caso, investimento ou custeio, a ação só será possível se houver recursos financeiros. E recursos financeiros – para investimento ou custeio – dependem de tributação e de outras formas de captação de dinheiro. Dinheiro não dá em árvore, nem cai do céu, nem é inesgotável. O presidente Lula parece esquecer esses fatos – tão simples quanto importantes – quando anuncia sua disposição de gastar.

Análise por Rolf Kuntz

Jornalista

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