BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou da tentativa de colocar Guido Mantega na presidência da Vale. Não está claro, porém, se o ex-ministro ainda poderá ocupar uma das duas vagas da Previ no conselho de administração, grupo do qual fazem parte os representantes dos acionistas. Integrantes do governo dizem que a chance é remota.
A informação de que Mantega poderia ocupar um papel de destaque no comando da empresa afetou o desempenho das ações da Vale e “amedrontou” acionistas independentes e estrangeiros, segundo a visão de um auxiliar do presidente, inviabilizando a operação ensaiada pelo governo.
Com a reviravolta, interlocutores em Brasília consideram o cenário para a sucessão na Vale “aberto” e arriscam hoje que há maior probabilidade de recondução do atual presidente Eduardo Bartolomeo. Procurada, a Vale não se manifestou sobre o assunto.
A data da reunião do conselho que deve definir a sucessão na Vale, prevista para a próxima terça-feira, 30, pode ser adiada para refazer as negociações entre os sócios, principalmente entre os independentes e a Previ, que desde o início tem apresentado críticas à recondução de Bartolomeo.
O longo período de gestão (Bartolomeo assumiu em abril de 2019) é apontado como uma ressalva à permanência dele no cargo, assim como o pouco trato nas relações institucionais com o governo federal e com as comunidades onde a Vale atua.
Nos últimos dias, Lula recebeu mensagens de que a interferência na Vale poderia afetar a imagem do País frente a investidores locais e estrangeiros. A avaliação é a de que houve ainda uma confluência de notícias no campo econômico que foram mal recebidas pelo mercado e que ajudaram a minar a indicação de Mantega, como o anúncio do no plano de política industrial e a retomada das obras da refinaria Abreu e Lima, um dos focos de corrupção investigada na Operação Lava Jato.
A escolha pelo novo presidente deve ser feita pelo conselho de administração da empresa, cujo controle é pulverizado, uma vez que a Vale hoje é uma “corporation”. Nenhum acionista tem mais de 10% da empresa. Os maiores são a Previ, por meio da qual o governo exerce sua influência, seguida por BlackRock, Mitsui, Cosan e Bradespar. Dos 13 conselheiros, oito são independentes.
Um mapeamento interno de votos dos conselheiros feito por pessoas de dentro da companhia indicava que o governo dificilmente obteria maioria para a assunção de Mantega à presidência e arriscava um placar desfavorável de 7x6 contra a vontade de Brasília.
Nesta sexta-feira, 26, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, convocou a imprensa para negar que o governo tenha interferido em favor de Mantega e que tenha telefonado para falar do nome do ex-ministro com conselheiros, como noticiou o Estadão na quarta-feira.
“O presidente Lula nunca se disporia a fazer uma interferência direta numa empresa de capital aberto, listada em Bolsa, uma ‘corporation’, que tem a sua governança e sua natureza jurídica que deve ser preservada”, disse Silveira.
O ministro fez críticas à gestão de Bartolomeo à frente da Vale e disse considerar a relação da empresa com o governo “inadequada”.
“Tenho críticas contundentes à gestão da Vale, ela precisa melhorar a sua gestão e ter uma interlocução mais próxima do governo. É a segunda maior empresa do País, ela tem de respeitar o interesse dos seus acionistas, mas ela tem de respeitar também o povo brasileiro, as políticas públicas”, afirmou Silveira.
Ele também sugeriu que a Vale resiste em ceder a sua logística a terceiros, o que ajudaria a retirar caminhões das estradas, como deseja o ministro.
“As coisas são muito lentas na Vale. Respeitada a sua governança, a Vale poderia dar prioridade a essas políticas que são convergentes entre o interesse do acionista e o interesse da população. São políticas públicas que queremos fazer de mãos dadas com a Vale, com outras mineradoras, mas vamos usar instrumentos regulatórios e de formulação de política que forem necessários para que eles cumpram obrigações com o Brasil”, disse Silveira.
Também nesta sexta-feira circulou a informação de que o ex-ministro faria uma carta anunciando sua desistência, mas não houve confirmação, até a noite, de que o documento havia sido produzido ou divulgado.
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