BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encomendou um conjunto de medidas econômicas para serem lançadas neste ano pré-eleitoral em meio à tentativa de recuperar sua popularidade – hoje no patamar mais baixo de seus três mandatos. As propostas, no entanto, esbarram na falta de dinheiro para serem financiadas e em cobranças do Congresso Nacional pela reforma ministerial e pela liberação de emendas parlamentares questionadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
As principais medidas incluem a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, a oferta de crédito para a população e o gás de graça para 22 milhões de brasileiros. O Palácio do Planalto também empacotou outros anúncios, que incluem programas antigos e projetos em andamento, como o Pé-de-Meia para estudantes do ensino médio e o saque do saldo do FGTS para quem foi demitido e havia optado pelo saque-aniversário.
Procurada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) remeteu ao Ministério da Fazenda – que não se manifestou.

A isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês é uma promessa de campanha do presidente, anunciada no fim do ano passado junto com o pacote de corte de gastos apresentado ao Congresso. O governo pretende encaminhar o projeto neste ano para começar a ter efeitos e beneficiar cerca de 20 milhões de pessoas em 2026, ano da eleição presidencial.
A isenção provoca perda de arrecadação e precisa ser compensada financeiramente. Além disso, também gera queda nas receitas dos Estados e municípios, que ficam com uma parte do dinheiro arrecadado pelo Imposto de Renda. O Ministério da Fazenda calculou o impacto em R$ 35 bilhões e vai propor como compensação uma taxação de rendas mais altas.
Economistas questionam esse valor e estimam um custo de até R$ 50 bilhões. Além disso, há dúvidas se o Congresso aprovará o aumento de impostos para os mais ricos e se a Receita Federal conseguirá arrecadar todo esse montante.
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Se o possível buraco na arrecadação e a dúvida sobre a taxação dos mais ricos são os entraves técnicos, a esperada reforma ministerial é o entrave político. Lula demitiu a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e anunciou Alexandre Padilha (PT) para o cargo, colocando a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) na Secretaria de Relações Institucionais, com a missão de articular a aprovação dos projetos no Congresso e a interlocução com Estados e municípios.
As trocas até o momento, porém, só mexeram com as peças do PT, partido de Lula, não ampliando a coalizão de apoio ao presidente. Há indefinições sobre outras mexidas e quais pastas serão entregues para o Centrão. “Está todo mundo esperando essa reforma. Isso é que atravanca aqui e bloqueia”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Ainda na seara política, o Congresso também cobra o pagamento de emendas parlamentares, que devem superar R$ 50 bilhões. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou um plano de trabalho formulado pelo governo e pelo Legislativo para destravar as emendas, sinalizando a liberação dos repasses como desejam os congressistas, e abriu caminho para sacramentar um acordo.
Os anúncios de Lula vêm sendo feitos no meio da reforma ministerial. Além disso, ocorrem após a chegada do novo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Pereira, marqueteiro de Lula. O próprio presidente vem tomando a frente e antecipando as medidas em público, o que antes não acontecia. Foi Lula quem falou, por exemplo, que o governo iria entregar novas medidas de crédito e gás de graça para 22 milhões de brasileiros.
Auxílio Gás para mais famílias esbarra em falta de dinheiro no Orçamento
Hoje, o governo tem o Auxílio Gás, um programa que beneficia 5,42 milhões de famílias com um benefício pago a cada dois meses. O auxílio custa R$ 3,4 bilhões para os cofres públicos. Se o valor repassado para cada beneficiário for o mesmo, o programa custaria R$ 13,9 bilhões com a ampliação para 22 milhões de famílias.
No ano passado, o Executivo propôs um novo modelo para o pagamento, fora dos limites do Orçamento, mas foi criticado por especialistas, que apontaram manobras fiscais. Com a proposta, a verba deixaria de ser ser custeada diretamente com o Orçamento da União e passaria a ser operada pela Caixa com o dinheiro que empresas de petróleo depositam no Fundo Social. Agora, os ministérios envolvidos reabriram a discussão.
Para manter o programa dentro do Orçamento e ainda assim cumprir a promessa de Lula, o governo teria que tirar dinheiro de algum lugar e não disse de onde sairia o recurso. “Não tem problema. É só falar onde cortar. É para cortar do PAC?”, questionou o relator do Orçamento no Congresso, senador Angelo Coronel (PSD-BA).
No Orçamento de 2025, o Executivo colocou R$ 600 milhões para o Auxílio Gás, valor suficiente para o pagamento de apenas uma parcela, e sem a ampliação para a quantidade de famílias anunciada pelo presidente.
De acordo com interlocutores do Planalto, a peça orçamentária será modificada para garantir o pagamento dos repasses até o fim do ano no modelo atual. Paralelamente, o governo vai discutir o novo desenho, com alterações no projeto já enviado para a Câmara. A aposta de Lula é atingir as 22 milhões de famílias até 2026, ano da eleição presidencial, e o aumento poderia ser feito gradualmente, segundo integrantes do governo.
Técnicos dizem que, de um jeito ou de outro, o Auxílio Gás tem de estar dentro do Orçamento. Segundo apurou a reportagem, o governo quer usar R$ 12 bilhões do Fundo Social para bancar o Auxílio Gás e cumprir a promessa de Lula. A proposta resolveria a necessidade de financiamento, mas esbarraria no teto de gastos do arcabouço fiscal, e outras despesas precisariam ser cortadas. O governo cogitou usar também os recursos arrecadados com os dividendos da Petrobras, mas descartou a ideia.
“A maior dificuldade é a operacionalidade e como fazer com que o recurso seja usada para comprar o botijão, porque hoje o valor é repassado como se fosse um complemento do Bolsa Família”, disse o relator do projeto, deputado Hugo Leal (PSD-RJ). “No formato atual, não tem espaço no Orçamento para a ampliação. É preciso fazer uma nova negociação.”
Governo prepara medidas de crédito para facilitar empréstimos
Também está nos planos do governo lançar medidas de crédito para facilitar empréstimos a pessoas físicas e empresas. O plano inclui tanto novas medidas – ainda não detalhadas – quanto projetos em tramitação no Congresso.
Lula quer destravar o crédito consignado do setor privado a partir de um novo modelo, que dará mais informações sobre os trabalhadores aos bancos, de um lado, ao mesmo tempo que irá estimular a competição entre as instituições financeiras por essas linhas, de outro.
Hoje, o consignado privado tem um estoque de crédito concedido de R$ 40 bilhões, com taxa média de juros de 2,9% ao mês. O governo entende que é possível triplicar esse volume para R$ 120 bilhões e trazer os juros para algo mais próximo ao consignado do setor público e do INSS, que é de 1,8% ao mês.
O diagnóstico é de que o modelo do consignado é muito emperrado atualmente porque depende de convênios bilaterais entre empresas e bancos. A proposta criará uma plataforma por meio do e-Social, onde as informações dos trabalhadores serão compartilhadas com todas as instituições, e elas irão competir, por meio de leilões, oferecendo taxas de juros mais atrativas para os trabalhadores.
A pedido dos bancos, o FGTS não será usado como garantia para financiamentos, mas também não haverá teto de juros, como acontece com o consignado público e de aposentados do INSS.
O presidente Lula afirmou que anunciará três medidas voltadas para o crédito. Segundo ele, “dinheiro bom é na mão do povo”.
Nas 25 prioridades da agenda econômica apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está um projeto já em tramitação que quer dar aos cartórios o poder de cobrar dívidas. Outro projeto, já aprovado na Câmara e em início de tramitação no Senado, pretende modernizar o Sistema de Pagamento Brasileiro (SPB), responsável por intermediar as operações de transferência de fundos, valores mobiliários e outros ativos financeiros.
A Fazenda também estuda uma proposta para que pequenas e médias empresas possam usar as movimentações financeiras por meio do Pix para dar garantias a empréstimos. Essa agenda, contudo, ainda não está finalizada, e a expectativa da equipe econômica é de que esse medida não seja para agora.
Uma outra proposta pretende criar um “ecossistema único” para registro de ativos para garantias de crédito. Parlamentares governistas esperam o anúncio de medidas para também permitir que as movimentações financeiras sejam usadas como garantia para empréstimos a autônomos e trabalhadores informais. “Será uma surpresa do Lula”, disse o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE).
Apostas econômicas do governo Lula em ano pré-eleitoral:
- Imposto de Renda: O governo anunciou que vai isentar de Imposto de Renda pessoas físicas que ganham até R$ 5 mil por mês. O projeto ainda não foi enviado e enfrenta questionamentos sobre a perda de receita, necessidade de compensação, impacto a Estados e municípios e viabilidade de taxação dos mais ricos.
- Novo crédito consignado privado: Proposta anunciada vai reformular o crédito consignado para trabalhadores do setor privado com carteira assinada, dando mais informações aos bancos, com expectativa de queda das taxas de juros. Lula deve assinar medida provisória depois do carnaval. Medida não tem impacto fiscal.
- Outras medidas de crédito: O Poder Executivo estuda outras medidas de crédito, como permitir que pequenas e médias empresas usem as movimentações financeiras por meio do Pix para dar garantias a empréstimos no setor bancário. Pacote ainda não foi detalhado.
- Gás para Todos: Governo Lula quer ampliar o Auxílio Gás, hoje pago a 5,4 milhões de famílias, para 22 milhões, mudando o nome para “Gás para Todos”. Proposta esbarra na falta de dinheiro no Orçamento da União, pois o novo formato custaria até R$ 13,9 bilhões.
- Farmácia Popular: Ministério da Saúde começou a distribuir todos os medicamentos do programa Farmácia Popular de forma gratuita. Segundo a pasta, o programa será bancado com o recurso que já está previsto no Orçamento em 2025, estimado em R$ 4,2 bilhões.
- Pé-de-Meia: Programa paga uma poupança para estudantes do ensino médio, mas opera com gastos fora do Orçamento. O governo quer gastar R$ 15,5 bilhões em 2025. O Tribunal de Contas da União (TCU) questionou o gasto o paralelo e liberou a execução, mas mandou o Executivo apresentar uma solução para colocar a despesa dentro das regras fiscais.
- Saque-aniversário do FGTS: Medida Provisória permite que trabalhadores que aderiram ao saque-aniversário e foram demitidos sem justa causa entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2025 possam resgatar o saldo retido no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o que antes não era permitido de forma imediata. Mudança não tem impacto fiscal.
- Micro e pequenas empresas exportadoras: Projeto do governo concede benefício tributário para micro e pequenas empresas que exportam e poderão pagar menos tributos do Simples Nacional. Impacto na arrecadação ainda não foi calculado e dependerá de implementação. Texto foi aprovado na Câmara e está no Senado.