Análise | Lula pode deixar um legado precioso se agir diante do risco da inflação

Uma revisão dos componentes do gasto público poderá ser politicamente complicada, mas será um passo relevante para torná-lo mais disciplinado, menos voltado a itens inúteis e mais produtivo

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Foto do author Rolf Kuntz
Atualização:

O presidente Lula terminará o atual mandato com inflação acima da meta, juros ainda altos, dólar caro e crescimento econômico medíocre, segundo projeções incluídas no boletim Focus desta semana. Tendo subido 4,83% no ano passado, os preços ao consumidor deverão aumentar 5% em 2025, estourando mais uma vez o teto da meta, 4,5%, e avançar 4,05% em 2026, deixando-o, longe o centro do alvo, 3%.

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A expansão da atividade, a desculpa mais frequente para a tolerância inflacionária, ficará reduzida a 2,02% neste ano e continuará em torno de 2% nos anos seguintes. Empenhado em conter a alta de preços, o Banco Central (BC) deverá elevar os juros básicos para 15% no final deste ano e reduzi-los lentamente, em 2026, até o patamar de 12%, ainda muito alto e prejudicial aos negócios e à expansão do emprego.

Inflação elevada e persistente é geralmente um efeito de contas públicas desarrumadas. Essa relação é indicada claramente na projeção do déficit fiscal.No fim deste ano o buraco nas finanças federais deverá equivaler a 0,60% do Produto Interno Bruto (PIB).

Em 2026, de acordo com a estimativa indicada no boletim Focus, essa proporção deverá ficar em 0,50%, ainda longe do limite apontado como tolerável pela equipe econômica, 0,25%. Poderá, segundo o mesmo conjunto de avaliações, cair para 0,30% em 2027, um patamar ainda alto. Déficit volumoso encarece o financiamento das contas federais, afetando também, por extensão, o custo do capital empregado na atividade empresarial.

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Lula deve ter aprendido, em mandatos anteriores, a conveniência da gestão prudente das contas públicas Foto: Wilton Junior/Estadão

Embora registrados claramente na experiência de muitos países, esses efeitos são com frequência desprezados por figuras do PT, raramente comprometidas com a busca do equilíbrio fiscal.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ter aprendido, em mandatos anteriores, a conveniência da gestão prudente das contas públicas, mas parece render-se, de vez em quando, às velhas pregações petistas, favoráveis à gastança.

Suas palavras de apoio à prudência defendida pela equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, têm contrastado com atitudes mais favoráveis à gastança. A desconfiança do mercado está refletida, claramente, na instabilidade do câmbio e nas projeções pessimistas das contas públicas e da inflação.

Aparentemente convencido por alguns auxiliares, o presidente da República resolveu investir na melhora da comunicação oficial. Essa decisão poderá produzir alguns efeitos positivos, mas dificilmente resultará em projeções de inflação mais animadoras, se o chefe de governo continuar pouco ou nada engajado na busca do equilíbrio fiscal.

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Para produzir efeitos mais sensíveis e duradouros, o poder central deveria, além de se mostrar moderado na condução da despesa, cuidar de uma revisão ampla dos componentes do gasto público.

Essa revisão poderá ser politicamente complicada, mas será um passo relevante para tornar o gasto público mais disciplinado, menos voltado para itens inúteis e mais produtivo. Se avançar nesse rumo, o atual governo poderá deixar um legado importante e inovador.

Análise por Rolf Kuntz

Jornalista

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