SÃO PAULO - O presidente da França, Emmanuel Macron, defendeu nesta quarta-feira, 27, a redação de um novo acordo Mercosul-União Europeia que inclua a pauta climática. Em encontro com empresários na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o francês criticou os termos do acordo atual, citando falta de reciprocidade e demonstrou preocupação de que empresas que “não se preocupam com redução das emissões” entrem na França.
“O acordo Mercosul-UE como está sendo negociado agora é um péssimo acordo. Foi negociado há 20 anos”, afirmou no discurso de fechamento do Fórum Econômico Brasil-França, em São Paulo, sua terceira parada na visita de Estado que faz ao Brasil. “Acho que tem que se considerar [no acordo] a biodiversidade e o clima, e isso não está, por isso não dá para defender, eu não defendo.”
Como antecipou o Estadão, o presidente francês pretendia evitar o acordo, que é motivo de divergências entre Brasil e França, e focar na “agenda comum” para os dois países, mas sabia que o livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia não poderia ser contornado.
As discussões não estavam previstas na agenda oficial do francês ao Brasil. O tema, porém, foi trazido por empresários brasileiros durante reunião a portas fechadas. Em nota antes do discurso, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse que defenderia na reunião privada do francês com empresários brasileiros o avanço do acordo.
“Então precisamos deixar de lado noções de algo construído 20 anos atrás e buscar um novo acordo, construído com base em novos objetivos, que tenha o a luta contra o desmatamento, as mudanças climáticas e a luta pela biodiversidade no centro das prioridades”, continuou Macron.
O Itamaraty reconhece que houve uma “pausa” na evolução das negociações, por objeção política de Macron e por causa do calendário de eleições para o Parlamento Europeu, previstas para junho. Ao encontrar Lula em Brasília, sua última parada na viagem, Macron deve reiterar sua contrariedade e dizer claramente que “não está pronto” para assinar o acordo.
Macron participou do evento junto com o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que defendeu as conversações entre os dois blocos. “O Mercosul ampliou mais um país este ano, que é a Bolívia. Fizemos um acordo com Cingapura e houve conversas com a União Europeia. O presidente Lula sempre fala que tem que haver reciprocidade. É o ganha-ganha. Nós conquistamos mercado, nós abrimos o mercado”, afirmou em discurso anterior ao de Macron.
Antes, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que tem esperanças de ver o acordo avançar em breve. “Não devemos desistir desse acordo. Se foi possível aprovar a reforma tributária depois de 40 anos, por que não, depois de 20 aprovar um bom acordo União Europeia e o Mercosul”, disse.
Lula optou por não participar da viagem a São Paulo depois de encontrar Macron em Belém e Itaguaí. No Rio, Lula e Macron lançaram ao mar o Submarino “Tonelero” (S42), batizado pela primeira-dama, Janja Lula da Silva. Desde o ano passado, os dois governos discutem aumentar o escopo da cooperação em Defesa, que permitiu o lançamento do programa PROSUB pela Marinha do Brasil.
Os dois se reunirão novamente amanhã em Brasília. Com Macron estiveram na capital paulista: Stéphane Sejourné, ministro da Europa e dos Assuntos Exteriores, e Chrysoula Zacharopoulou, secretária de Estado para o Desenvolvimento e Parcerias, além de uma delegação de mais de 140 representantes de empresas francesas, em que ⅔ seriam pequenas e médias empresas, segundo o Palácio do Eliseu.
A passagem por São Paulo compreende um dos quatro eixos temáticos da visita de Estado do francês. Na capital paulista, o foco foi atrair mais investidores brasileiros para a França. Um tema que Macron se queixou por considerar que há uma falta de reciprocidade nos negócios entre França e Brasil. Diplomatas franceses reclamam do baixo nível de investimento originário do Brasil e do desequilíbrio no fluxo de investimentos diretos por controlador final.
Segundo dados da embaixada, os investimentos franceses no Brasil seriam da ordem de 40 milhões de euros, enquanto os recursos brasileiros aplicados na França seriam cerca de 2 milhões de euros. Um integrante do Ministério das Relações Exteriores da França afirma que o governo Macron busca “investimentos produtivos” e que comprar “vinhos e imóveis não geram sinergia nem emprego industrial”.
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“As empresas francesas acreditam no Brasil, eu acredito que elas têm razão. Acho que as empresas brasileiras deveriam acreditar mais na França e na Europa”, disse, citando que o fluxo comercial entre os dois países voltou a ritmos anteriores à pandemia de covid-19.
“Por que as empresas brasileiras devem acreditar mais na França? Os investidores brasileiros no nosso país não tem o mesmo nível que os investimentos franceses no Brasil”. Macron cita números econômicos da França ao justificar que seu país é “o país mais atraente da Europa”. “Nada pode justificar esse número [de investimentos brasileiros na França]. É preciso fazer mais, ao fazerem isso a França será a porta de entrada para o mercado europeu.”
O francês ainda destacou uma agenda em temas “ambiciosos” que ambos os países buscam alcançar, entre eles: um projeto para um instituto de pesquisa franco-brasileiro na Amazônia, que deve permitir um investimento por meio de uma rede das universidades da região; um projeto de hub de empresas, para investir em pesquisa e desenvolvimento e ampliar as tecnologias de ponta na bioeconomia; uma parceria financeira com bancos públicos brasileiros, que deve nos permitir investir pelo menos 1 bilhão de euros em bioeconomia no Brasil nos próximos quatro anos.
Da Fiesp, Macron se dirigiu à Universidade de São Paulo (USP), onde inaugurou o Instituto Pasteur. De lá seguiu para o Liceu Pausteur, onde se reúne com o instituidor da Fundação Gol de Letra, Raí Oliveira, e membros da comunidade francesa em SP. A noite termina com um jantar com artistas e esportistas nos arredores da Avenida Paulista, onde havia a expectativa do francês fazer uma caminhada noturna, apesar da chuva.
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