A decisão do Magazine Luiza em colocar apenas negros em seu próximo programa de trainees, conforme noticiado pelo Estadão/Broadcast, teve, segundo o presidente da empresa, Frederico Trajano, um componente matemático. De um lado, há o desequilíbrio entre o número de funcionários e o de lideranças negras dentro da empresa. Por outro, ter à frente pessoas que refletem a realidade da população brasileira levará a tomadas de decisão que aumentarão as vendas – e gerarão maior valor ao acionista. “Somos responsáveis por quem selecionamos e promovemos”, diz. “Claramente, se temos 53% da equipe negra e parda e só 16% de negros e pardos em cargos de liderança, há um problema para resolver com uma ação concreta.”
A decisão de criar um programa de trainees voltado para pessoas negras partiu da empresa ou teve a ver com demandas de investidores?
Definitivamente, não de investidores. Não espere isso tão cedo. Embora exista a pauta de ESG (meio ambiente, sustentabilidade e governança, da sigla em inglês), ainda não chegamos lá. Fizemos uma pesquisa interna. Eu não sabia, mas 53% da nossa equipe é formada por negros e pardos. Na mesma pesquisa, vimos que apenas 16% dos nosso líderes eram negros e pardos. Isso acendeu um sinal amarelo ou vermelho. Nunca nos posicionamos em relação à pauta racial porque não havia um diagnóstico claro dessa questão. A partir da pesquisa, vimos que tínhamos uma anomalia, um problema concreto. Somos muito pragmáticos. O caminho mais curto para se chegar à liderança é o programa de trainee. Porém, nos programas anteriores – e eu sempre entrevisto os finalistas –, a gente sempre tinha só uma pessoa negra ou parda no final. Então, de certa maneira, não estávamos conseguindo atrair e selecionar essas pessoas. Precisávamos fazer algo diferente. Não é oportunismo. Queremos resolver um problema que sabemos que temos. Estamos sendo honestos em relação à necessidade de mudar uma realidade que nós mesmos criamos. Somos responsáveis por quem selecionamos e promovemos.
Desde que a notícia do trainee 2021 foi publicada, houve forte reação na internet com comentários dizendo que a iniciativa é racista. Leitores ameaçam o Magalu com processos por discriminação racial, bem como com a suspensão de compras e a eliminação do app. Essa reação estava na conta de vocês?
Sabíamos que essa nossa ação afirmativa iria desencadear discussões. A iniciativa é inédita e somos uma empresa grande, com uma marca de muita visibilidade. Por intermédio da Lu, nossa influenciadora virtual, nos manifestamos nas redes, de forma contundente, sobre a legalidade do programa e a nossa intenção ao levá-lo adiante: atacar a baixa representatividade negra em nossa liderança. É inaceitável que apenas 16% dela seja composta por negros. Ao longo dos anos (15 no total), a companhia formou cerca de 250 trainees. Só 10 deles eram negros. Em todos os programas, houve enorme dificuldade de atrair talentos negros. O número de candidatos sempre foi baixíssimo. Por isso, a decisão de criar um programa exclusivo. Essa dificuldade de acesso tem sido um problema para uma companhia que acredita que a diversidade aumenta a competitividade, e queremos resolvê-lo.
Qual o benefício para a empresa quando ela investe em diminuir desigualdades?
Para o Magazine Luiza, a diversidade maior nos nossos quadros de liderança vai gerar resultados maiores. Mal ou bem, a nossa base de consumidores reflete a distribuição social e racial do Brasil, que é em mais de 50% formado por negros e pardos. Se não há nas lideranças pessoas com essas características, pode-se estar tomando decisões subótimas. Sobre sistemas que desenvolvemos, sobre o tipo de marketing... Além de gerar benefício macroeconômico para o Brasil, é nossa responsabilidade gerar valor ao acionista. Se tivéssemos mais representatividade de mulheres e negros – que é nossa questão mais sensível hoje – na liderança, teríamos ações mais efetivas. Isso geraria mais vendas e, em última instância, mais retorno aos acionistas.
O consumidor reage de maneira positiva em relação a essas questões?
No caso do consumidor, a situação mudou rápido. A pandemia foi um catalisador para a digitalização e para a responsabilidade social. O consumidor sai da pandemia mais digitalizado e cobrando mais responsabilidade social das empresas. Estamos colhendo frutos de ter tomado decisões que reverberaram muito e não foram só econômicas: como a de não demitir e fazer doações logo no início da pandemia. Essas decisões se converteram em mais vendas no pós pandemia.
Há mudança de mentalidade dos investidores para olhar para essas práticas de ESG?
ESG é pauta apenas de um fundo brasileiro mais ativista e alguns estrangeiros, mas poucos. Tenho centenas de grandes investidores e três ou quatro fazem perguntas específicas sobre esse tema. Ainda assim, os estrangeiros têm uma base de preocupação muito mais ambiental do que social. No Brasil, há uma questão ambiental muito importante. Para o Magalu, que é uma varejista, a pauta social deve ser mais relevante. Ninguém nunca me perguntou o que estamos fazendo com esse objetivo. Ainda é muito incipiente. Tem se falado mais. Que bom! Mas não tenho visto decisões práticas de investimento sendo tomadas por indicadores de ESG. Nosso interesse em virar uma empresa B-Corp (certificado de empresas que têm como modelo de negócios o desenvolvimento social e ambiental) veio antes dessa modinha do ESG dos investidores.
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