
Ao ter tarifa linear estabelecida em 10% para as exportações dos seus produtos para os Estados Unidos, a economia brasileira deverá sofrer menos com a imposição de novas taxas criadas pelo governo do presidente dos EUA, Donald Trump, do que por uma reconfiguração global do comércio que elas causarão.
Segundo o professor Matias Spektor, fundador da escola de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e associado ao Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), alguns setores industriais poderão ser varridos do mapa com “uma enxurrada de produtos chineses” que serão redirecionados para outros mercados, ao ser afetados pelas tarifas americanas.
O grande dilema do governo brasileiro ficará entre proteger setores com maior capacidade de lobby em Brasília e evitar retaliações do país asiático. “A China é o grande parceiro do Brasil, mas um ameaçador parceiro, por que somos muito dependentes deles”, afirma.
Leia os principais trechos da entrevista ao Estadão.
Com a tarifa de 10% para o Brasil, haverá impacto para a economia local?
Haverá um impacto, sem dúvidas, para o Brasil. Trump está aplicando tarifas médias muito mais altas do que o mundo viu nos últimos 60 anos. Isso significa que ele é muito sério no argumento dele, de que vai tentar reindustrializar os EUA, dificultando o acesso de terceiros ao mercado americano.
Como esse impacto será sentido no Brasil?
Alguns setores sofrerão, em particular, como os de aço e alumínio, de suco de laranja, serviços de engenharia, produtos de madeira e de cimento. Mas uma coisa que a imprensa brasileira não está dizendo é que a China é o país que está mais sofrendo com as tarifas, e isso vai causar uma enxurrada de produtos chineses mundo afora. O Brasil viu isso quando o (ex-presidente, Joe) Biden fechou o mercado americano para painéis solares da China. Isso causou uma enxurrada no mercado brasileiro, o que foi bom por um lado, uma vez que derrubou o preço deles e permitiu o crescimento da energia solar no País. Mas, agora, vem uma enxurrada generalizada de produtos chineses.

Então, alguns setores industriais podem ficar ameaçados?
Está se criando uma nova dinâmica irônica, com um grande desafio para a indústria brasileira. Quando a China faz dumping, ela subsidia um setor, e ataca um mercado e alguns países com produtos baratos. O pneu de caminhão chinês acabado, por exemplo, é mais barato que o preço da matéria-prima no Brasil. O próximo capítulo desta novela será o Brasil criando um mecanismo para conseguir se defender da enxurrada de produtos. Ela vai permitir ao Brasil uma redução de preços em dólares de insumos, e até reduzir a inflação, com produtos mais baratos. Mas alguns setores da indústria brasileira poderão ser varridos do mapa.
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Como eles vão poder se proteger? E o governo não pode irritar a China se levantar tarifas contra eles?
Eles vão pedir proteção ao governo federal. Os com mais poder de lobby, que financiam campanhas políticas, serão mais atendidos. Haverá um novo protecionismo. Certamente, a China é o grande parceiro do Brasil, mas um ameaçador parceiro, porque somos muito dependentes deles. A ironia disso é que o maior desafio para a indústria brasileira não vem da tarifa do Trump. A China tem muito poder de barganha e, se fechar acessos a mercado, em retaliação a tarifas contra os seus produtos baratos, pode afetar muito o País. Este é o novo drama da política externa brasileira, como lidar com os efeitos não intencionais das tarifas do Trump.