Como a Malásia se tornou um elo crucial na cadeia global de chips

Empresas americanas e europeias que buscam alternativas à China estão se se expandindo no Sudeste Asiático, um sinal de como a geopolítica está remodelando o setor tecnológico

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Por Patricia Cohen (The New York Times)

PENANG, MALÁSIA - Os guindastes de construção ainda cercam a novíssima fábrica no parque industrial de Kulim, na Malásia. Mas, lá dentro, legiões de trabalhadores contratados pela gigante austríaca de tecnologia AT&S já se preparam para produzir com capacidade total até o final do ano.

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Vestidos de macacão da cabeça aos pés, com capacetes e grandes óculos de segurança, eles lembram as abelhas operárias do filme “Minions”, mas com cores codificadas por função - azul para manutenção; verde para os vendedores; rosa para zeladores; branco para os operadores.

A AT&S é apenas uma de uma enxurrada de empresas europeias e americanas que recentemente decidiram se mudar ou expandir suas operações na meca da fabricação de produtos elétricos e eletrônicos da Malásia.

A Intel, gigante americana de chips, e a Infineon, empresa alemã, estão investindo US$ 7 bilhões cada uma. A Nvidia, líder mundial na fabricação de chips que alimentam a inteligência artificial, está se unindo ao conglomerado de serviços públicos do país para desenvolver um centro de supercomputadores e nuvem de inteligência artificial de US$ 4,3 bilhões. A Texas Instruments, a Ericsson, a Bosch e a Lam Research estão se expandindo na Malásia.

Funcionários trabalham em uma sala limpa em uma instalação operada pela Osram, uma das maiores empresas de iluminação do mundo, em Penang, Malásia  Foto: Jes Aznar/The New York Times

O boom é uma evidência do quanto o atrito geopolítico e a concorrência estão remodelando o cenário econômico do mundo e impulsionando decisões de investimento multibilionárias. À medida que as rivalidades entre os Estados Unidos e a China em relação à tecnologia de ponta se acirram e as restrições comerciais se acumulam, as empresas - principalmente as de setores cruciais como semicondutores e veículos elétricos - procuram fortalecer suas cadeias de suprimentos e capacidades de produção.

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A AT&S tinha unidades de produção na Áustria, Índia, Coreia do Sul e China - sua maior fábrica - quando começou a procurar um novo local.

“Ficou claro que, após 20 anos de investimento na China, precisávamos diversificar nossa presença”, disse o CEO da AT&S, Andreas Gerstenmayer. A empresa fabrica placas de circuito impresso e substratos de alta qualidade, que servem como base para componentes eletrônicos avançados que alimentam a inteligência artificial e os supercomputadores.

A pesquisa de locais da empresa começou no início de 2020, quando começaram a se espalhar avisos sobre um novo e perigoso coronavírus na China. A AT&S pesquisou 30 países em três continentes antes de se decidir pela Malásia.

A posição estratégica do Sudeste Asiático, no Mar do Sul da China, e os laços econômicos de longa data com a China e os Estados Unidos tornam a região um local atraente para se estabelecer. Países como a Tailândia e o Vietnã, a segunda opção da AT&S, também estão cortejando agressivamente as empresas de semicondutores para que se expandam, oferecendo incentivos fiscais e outros atrativos.

No entanto, a Malásia tem a vantagem de estar à frente.

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O país tem aproveitado a onda tecnológica desde a década de 1970, quando foi atrás, energicamente, de algumas das superestrelas elétricas e eletrônicas do mundo, como a Intel e a Litronix (hoje Osram, com sedes na Áustria e na Alemanha). O país criou uma zona de livre comércio na ilha de Penang, ofereceu isenções fiscais e construiu parques industriais, armazéns e estradas. A mão de obra barata foi um atrativo adicional, assim como sua grande população de língua inglesa e um governo que apoiava o investimento estrangeiro.

No caso da AT&S, o histórico da Malásia no setor de produção de semicondutores foi um dos principais atrativos, disse Gerstenmayer.

Fábrica da Osram em Penang, na Malásia Foto: Jes Aznar/The New York Times

“Eles sabem muito bem quais são as necessidades do setor de semicondutores”, disse. “E têm um ecossistema bem desenvolvido nas universidades, na educação, na força de trabalho, na cadeia de suprimentos” e muito mais. O apoio do governo foi outro atrativo, disse.

Tengku Zafrul Aziz, ministro de investimentos, comércio e indústria da Malásia, disse que o investimento estrangeiro começou a aumentar em 2019, impulsionado pelo uso cada vez maior de semicondutores em tudo, de automóveis a dispositivos médicos. “Há 5 mil chips em um carro”, disse ele.

Depois que a pandemia da covid-19 revelou fraquezas devastadoras nas cadeias de suprimentos globais, o interesse na Malásia como uma fonte adicional aumentou.

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Essa tendência se acelerou com o surgimento de conflitos entre grandes potências.

Tanto a China quanto os Estados Unidos passaram a forjar suas próprias cadeias de suprimentos de semicondutores confiáveis, além de apoiar outros setores essenciais, como energia renovável e veículos elétricos.

“As empresas americanas e europeias, e até mesmo as chinesas, queriam se diversificar fora da China”, disse Zafrul Aziz. A China também está instalando unidades de produção fora da China continental, em parte, dizem alguns, para evitar as sanções dos EUA. É uma estratégia “China mais um”.

As preocupações com Taiwan, o maior produtor de semicondutores do mundo, estimularam ainda mais os investimentos na Malásia, disse ele. A ilha é uma fonte de atrito crescente entre a China, que mantém Taiwan como parte de seu território, e os Estados Unidos, que a apoiam politicamente.

A Malásia já é o sexto maior exportador de semicondutores do mundo e embala 23% de todos os chips americanos.

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“Para um país desse tamanho, ter um impacto tão grande no mercado global de semicondutores é fantástico”, disse David Lacey, diretor de desenvolvimento e serviços avançados da Osram, uma das maiores empresas de iluminação do mundo.

Sentado em uma grande mesa de conferência na Sciences University of Malaysia, em Penang, ele rapidamente apontou para a tecnologia ao redor da sala. “Há uma TV, há luzes, há um projetor, há telefones”, disse. “Você pode praticamente garantir que há um componente da Malásia em algum lugar.”

A proximidade de tantas empresas de tecnologia também exerce uma atração gravitacional. Em Penang e Kulim, que são conectadas por duas pontes longas e serpenteantes, há mais de 300 empresas.

“Tudo está aqui”, disse Eric Chan, vice-presidente e gerente geral da Intel na Malásia. Depois de meio século, essa rede e infraestrutura não são facilmente duplicadas.

Chan também mencionou a cooperação crucial do governo durante a pandemia para manter as fábricas abertas.

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O investimento estrangeiro direto foi de quase US$ 40 bilhões no ano passado, mais do que o dobro do total gerado em 2019.

Mario Lorenz, diretor administrativo na Malásia da empresa de logística alemã DHL Supply Chain, disse que a maioria dos grandes investimentos da empresa aconteceu nos últimos dois anos.

Operação da DHL na unidade de Penang, na Malásia  Foto: Jes Aznar/The New York Times

Durante esse período, o setor de semicondutores cresceu e passou a dominar os negócios da empresa na Malásia. “Seguimos a tendência”, disse.

Dentro do mais novo centro de distribuição global da DHL Supply Chain, o Penang Logistics Hub No. 4, há prateleiras laranja e azuis sob medida, projetadas especificamente para lidar com as caixas pesadas e grandes usadas por uma empresa de semicondutores.

Quatro novas instalações da cadeia de suprimentos estão hoje em desenvolvimento na Malásia.

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