'Marcas não têm, necessariamente, de adotar uma causa', diz Washington Olivetto

Para publicitário, 'não é pecado' um negócio ter um produto muito bom e simplesmente querer vendê-lo para ganhar dinheiro

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Foto do author Fernando Scheller

Vivendo em Londres, em meio a um segundo lockdown após a identificação de uma nova variante do coronavírus, o publicitário brasileiro Washington Olivetto conversou com o Estadão sobre os efeitos da pandemia de covid-19 na comunicação – que, segundo ele, serão de longo prazo.

O publicitárioWashington Olivetto Foto: Iara Morselli/Estadão

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Isso deve ter consequências tanto para as marcas consagradas, que serão obrigadas a lutar mais para reter consumidores, quanto para as agências tradicionais, que precisarão entregar trabalhos com orçamentos mais apertados e enfrentar novos rivais no mercado.

Apesar de as marcas terem investindo em campanhas sociais e de causas durante a pandemia, ele diz que nem todas as empresas se qualificam para esse tipo de discurso. “Quando a mensagem está ligada à verdade da empresa, ela é muito eficiente”, diz. “Mas (um negócio) pode ter um ótimo produto, pura e simplesmente, e vendê-lo para ganhar dinheiro. E isso não é pecado.”

O publicitário também falou sobre o futuro dos festivais de publicidade, a situação político-econômica do Brasil e a importância da vacina para a retomada das atividades.

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Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Do que a pandemia trouxe para a comunicação – como o fenômeno das lives –, o que deve vir para ficar, em sua opinião?

Se a gente pensar bem, as lives começaram como algo bem intencionado e praticamente de cunho social – o melhor exemplo foi a live da Lady Gaga, a primeira de todas. E, naquele momento, tinha uma presença dos anunciantes pedindo, de forma muito parecida, para as pessoas se cuidarem. Depois a gente começou a ver o mundo inteiro usando as lives como interesse econômico – primeiro vieram as lives patrocinadas, com conotação de negócios, e o que era caminho e humanidade virou só uma forma (de ganhar dinheiro)

E o que a pandemia deve trazer de mudanças?

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Tenho a impressão de que algumas coisas novas vêm para ficar, mas nenhuma mídia vai desaparecer. Todas vão coexistir, trabalhar conjuntamente. Mas, olhando os rankings dos melhores anúncios de Londres, você percebe as mudanças. Anos atrás, seriam comerciais de Coca-Cola ou Mastercard. Desta vez, foi o da Alexa, da Amazon. E, na categoria de produtos femininos, Bodyform (marca local), e não Johnson & Johnson ou P&G. E depois veio a Ikea, de móveis e decoração, que há anos se posiciona como uma empresa moderna.

Então, o consumidor está aberto a experimentar?

E a pandemia também serviu como uma experiência de mudança de linguagem (da publicidade). As necessidades das pessoas mudaram muito, tudo está sendo repensado. Por exemplo, o WhatsApp: ele pode ser visto como bandido das fake news, mas também foi mocinho na pandemia. Como a gente ia falar com nossos amigos e parentes, num tempo como esse, sem o WhatsApp?

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro diz não ver motivo para pressa na vacinação. Qual é sua opinião sobre a vacina?

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A vacina é fundamental. Aqui em Londres, eu não vou ser vacinado agora (Olivetto tem 69 anos), porque eles estão começando pela turma de mais de 80 anos, com os que vivem em asilos. Mas recebo mensagem todo dia dizendo que vou ser vacinado. Acho que estão pilotando isso de maneira muito digna. E acho que foi certo também o novo lockdown. Porque, se os bares estiverem abertos, as pessoas irão aos bares. É a natureza humana. Tem sido um aprendizado sobre comportamento e sobre a vida.

Vivendo no exterior, como o sr. vê a imagem internacional do Brasil em relação à pandemia?

Essa coisa de transformar um problema de saúde em um problema político é uma loucura, prejudica todo mundo. A performance dos dirigentes do Brasil – do presidente Bolsonaro a seus ministros – é constrangedora. Fiquei muito emocionado com a lucidez do editorial lido pelo Pedro Bial (na TV Globo). É constrangedor ver a grosseria que está sendo feita com o povo brasileiro em nome de interesses políticos.

Muitos festivais e premiações do setor foram cancelados este ano. Como o sr. vê o futuro desses eventos?

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Não tenho nenhuma dúvida de que vai haver redução. Primeiro porque as agências – principalmente no Brasil, mas também no exterior – estão passando por muitas dificuldades. Nos próximos tempos, essa parte da glamourização da publicidade vai diminuir muito. Acho que se exagerou na ideia de tentar transformar essas premiações em algo para ganhar dinheiro. Essa redução começou antes da pandemia, com a Publicis, e a verdade é que tem lógica.

E que mensagem fica para as marcas, no pós-pandemia?

Quando a mensagem está ligada à verdade da empresa, ela é sempre muito eficiente. Não acho, sinceramente, que um gesto de modismo vá prosperar se não fizer parte do cotidiano da marca. A Natura, por exemplo, sempre buscou esse caminho; por isso, tem imagem sólida. Mas é preciso entender que uma marca não precisa, necessariamente, adotar uma causa, um caminho social ou comportamental: ela pode ter um ótimo produto, pura e simplesmente, e vendê-lo para ganhar dinheiro. E isso não é pecado.