O icônico elefante verde, o Jotalhão, da Turma da Mônica, que há 55 anos é o garoto-propaganda da marca Elefante, de extrato de tomate, neste ano passou a estampar também embalagens de mostarda e ketchup. A Danone, sinônimo de iogurte para os brasileiros, já virou requeijão e, mais recentemente, manteiga. E a Ypê, fabricante de produtos limpeza e conhecida pelo detergente para lavar louça, agora é sabonete também.
Além de serem tradicionais nos segmentos em que atuam e estarem há mais de 50 anos no dia a dia dos brasileiros, o ponto comum entre todas é que elas fazem parte de um movimento de extensão de marca que já vinha ocorrendo e foi acelerado pela pandemia.
Nos dois últimos anos, ficou nítida a tendência entre os fabricantes de bens de consumo de colocar mais produtos sob o mesmo guarda-chuva e também de recuperar marcas antigas, afirma Jaime Troiano, sócio da consultoria TroianoBranding.
Do ponto de vista das empresas, o pano de fundo desse movimento é o custo elevado de começar uma marca nova. “Mídia (gastos com propaganda e publicidade) é cara e iniciar uma marca do zero exige um trabalho de encaixá-la na gôndola mental do consumidor”, afirma o especialista.
Marina Fernie, vice-presidente de marketing da Danone, concorda com Troiano e frisa que esse movimento se acelerou nos últimos dois anos por causa da covid-19. “É a ressaca da pandemia”, observa. Segundo a executiva, a crise sanitária teve dois impactos.
Com o isolamento social, as pessoas começaram a buscar marcas que as confortassem e trouxessem boas lembranças, da infância, por exemplo, uma espécie de nostalgia. E o aperto na renda e a crise econômica que vieram a reboque da pandemia deixaram o consumidor menos disposto a se arriscar na compra de uma marca desconhecida e se frustrar. “Detectamos isso com pesquisas e foi um movimento global, não só no Brasil.”
Esse cenário foi propício para que as empresas, donas de marcas tradicionais, acelerassem tanto a introdução de novos produtos sob uma mesma marca, como resgatassem marcas antigas e ainda fortes na memória do consumidor.
Um exemplo de volta ao passado foi o relançamento da marca Danoninho Ice. Originalmente lançado nos anos 1990, o iogurte virava uma espécie de sorvetinho, quando colocado no congelador. Na pandemia, Marina conta que os consumidores pediram nas redes sociais a sua volta.
No verão do ano passado, a marca retornou ao mercado repaginada, mas com edição limitada. Mas o resultado foi tão favorável, que o produto foi ficando e virou uma linha regular. “Investimos mais em Danoninho Ice do que em Danone, em embalagem, linha de produção”, conta, sem revelar cifras.
Elefante repaginado
Criada pela Cica, há 76 anos, vendida para Unilever e, posteriormente, comprada pela Cargill Foods em 2011, a marca Elefante é um exemplo de marca tradicional que foi repaginada, com o objetivo de virar um grande guarda-chuva de produtos afins.
Até maio deste ano, ela se resumia a extrato de tomate. Quando o assunto era tomate, era a mais lembrada pelo consumidor (27%). Mas as vendas cresciam apenas entre 1% e 2% ao ano. “Percebemos que éramos líder no ‘top of mind’ mas estávamos estagnados”, diz o diretor de marketing da Cargill Foods, Esdras Junior.
Em 2018, a empresa decidiu pesquisar junto ao consumidor as razões da estagnação. Descobriu-se que a marca tinha a confiança do consumidor, mas era vista como antiga. O plano inicial, ainda antes da pandemia, foi investir na fábrica em Goiânia (GO) em máquinas e equipamentos para renovar a embalagem e a composição do produto, com uma fórmula mais natural e sem aditivos. Até hoje já foram gastos US$ 20 milhões na renovação da marca e do produto.
O passo seguinte foi estender a marca Elefante para outros itens, como ketchup e mostarda, lançados neste ano. “Temos mais cinco a seis produtos da marca Elefante para entrar nos próximos anos, nosso plano é ambicioso”, conta o diretor.
Ele ressalta que, com a pandemia, o movimento de renovação e extensão de marca ganhou tração. A companhia, que também é dona de marcas tradicionais como Liza (óleos) e Pomarola (molho de tomate), sentiu um aumento da procura por marcas de confiança, o que impulsionou as vendas. “O que mais ouvimos do consumidor nas pesquisas feitas durante a pandemia é que ele compra a marca na qual confia.”
Depois das mudanças, que começaram em 2018 e do impulso por conta crise sanitária, o volume de vendas da marca Elefante tem crescido entre 5% e 6% ao ano. Hoje Elefante representa mais de 30% do faturamento da Cargill Foods.
Marca vira serviço
A gigante britânica de produtos de consumo, a Unilever, foi além na extensão de marca. Ampliou duas marcas tradicionais Omo (sabão em pó) e Hellmann’s (maionese) para serviços. Segundo Marcelo Costa, chefe de estratégia e planejamento para consumidores, a intenção da extensão de marcas para serviços é estabelecer a conexão direta com o consumidor.
Presente em 8 de cada 10 lares brasileiros, em junho de 2020, a empresa lançou Omo Lavanderia em três formatos. Hoje são 250 lavanderias em operação nos 23 estados e 87 cidades, fora as mais de 1.300 lavanderias compartilhadas dentro de condomínios espalhados pelo País. Recentemente a marca Hellmann’s virou hamburgueria, com operação 100% digital.
Da limpeza doméstica ao banho
Antes de decidir colocar no mercado, em maio deste ano, uma grande linha com 32 produtos, entre sabonete líquido, em barra e álcool em gel, a marca Ypê, há 72 anos primordialmente de produtos de limpeza doméstica, foi a campo ouvir 800 consumidores. A intenção da Química Amparo, uma indústria nacional, familiar e dona da marca, era saber se esse movimento estratégico seria viável.
Segundo Gilson Mazetto, vice-presidente comercial e de marketing da Ypê, o resultado da enquete mostrou que era possível estender os atributos da marca de limpeza doméstica – como a mais lembrada em sustentabilidade e com ótima relação entre custo e benefício – para produtos de higiene pessoal. “A extensão de linha ocorreu por conta da grande sinergia, havia um potencial oculto”, afirma o executivo.
A partir dessa constatação foram feitos investimentos em linhas de produção nas fábricas de Amparo (SP) e Itajubá (MG) da companhia na compra de máquinas, contratação de pessoal e repaginação do visual e segmentação da marca para itens de cuidados pessoais. “Foi um movimento estratégico importante”, diz Mazetto.
Apesar da extensão de marca ser recente, o executivo se diz satisfeito. Os primeiros registros de vendas apontam que a marca, por conta dos lançamentos, tem crescido no segmento de cuidados pessoais, enquanto o mercado está praticamente estável. “Queremos repetir o sucesso da Ypê, presente em 94% dos lares com produtos de limpeza, também com produtos de higiene pessoal”, diz o executivo. Ele admite, no entanto, que essa é uma longa jornada, mas frisa que o caminho inevitável das empresas é crescer ou morrer.
A grande família
Jaime Troiano, da TroianoBranding, faz coro com Mazetto e observa que para geração de novos negócios a melhor estratégia das companhias é usar ativos que já possuem, como a marca, para gerar mais receita e com custos menores. É uma fórmula que permite ganhar dos dois lados. Nas contas do especialista, o desembolso feito pelo o uso de uma marca existente é ao menos 30% menor ante o que seria investido para construir uma marca da estaca zero.
Cinco anos atrás, a consultoria fez um estudo que revelou dados expressivos sobre a extensão de marcas em produtos de consumo. O levantamento de campo analisou 45 categorias e 458 marcas diferentes, responsáveis por 1.695 produtos.
Constatou que mais de dois terços dos produtos encontrados no varejo brasileiro eram extensões de marcas existentes. É como se não se construíssem mais marcas novas, compara Troiano. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse índice é bem maior, chega a 90%. Segundo o especialista, o século 20 foi o da criação de grandes marcas. “E o século atual será o da grande família, o da multiplicação de produtos sob essas marcas”, prevê.
Não faltam marcas para sustentar o avanço dessa estratégia e riscos também. Antes de optar por esse caminho, as companhias precisam avaliar muito bem se a extensão de marca é viável. Troiano frisa que o novo produto colocado sob o mesmo guarda-chuva precisa ter conexão, uma afinidade de principio com a marca mãe,caso contrário poderá atrapalhar o produto original.
Ele lembra de casos que não deram certo, como o do xampu da marca Yakult ou da barrinha de cereais da marca União. “Imagine os lactobacilos vivos passeando pela sua cabeça ou uma barrinha nutritiva com açúcar na veia”, exemplifica.
Cautela às companhias interessadas nessa movimento é recomendável. Elas não devem lançar muitos produtos ao mesmo tempo sob a mesma marca para não confundir o consumidor, recomenda o especialista. “Vinte anos atrás, a Parmalat, por exemplo, fez uma extensão de marca agressiva: a companhia lançou uma infinidade de produtos sob essa marca, do leite ao molho de tomate, e complicou de tal forma o gerenciamento desse portfólio que o resultado foi péssimo”, lembra Troiano.
Marina Fernie, da Danone, também pondera que a extensão de marca tem limites, sob o risco de enfraquecer a marca mãe. “A marca vira tantas coisas, que acaba sendo nada: é preciso ter clareza até onde se pode ir”, conclui.
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