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Marcos Lisboa: ‘Nossa indústria deveria estar integrada ao mundo, mas temos uma agenda do passado’

Na avaliação do economista, País precisa aprovar uma boa reforma tributária e resolver incertezas sobre ambiente regulatório para sustentar um bom crescimento ao longo dos anos

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:
Foto: WERTHER SANTANA
Entrevista comMarcos LisboaEconomista. Foi secretário de Política Econômica e presidente do Insper

Pelo menos no curto prazo, o economista Marcos Lisboa afirma que os sinais da economia são melhores do que o cenário que se observava na virada do ano. Na avaliação do ex-presidente do Insper, os fatores que contribuem para essa visão mais positiva são o reconhecimento do governo sobre a necessidade de ter “um certo controle de gastos”, a reforma tributária liderada por Bernard Appy e os dados melhores de emprego e atividade econômica.

“E tudo indica que vamos ter uma queda da inflação nos próximos meses, que é mais uma boa notícia. Houve avanços importantes nesse período e que estão colaborando para uma melhora do cenário a curto prazo”, afirma.

A dúvida de Lisboa - que ocupou o cargo de secretário de Política Econômica no primeiro governo Lula - é se esse cenário de melhora continua no médio prazo. A economia brasileira, de acordo com ele, lida com problemas estruturais microeconômicos que afetam o investimento e a capacidade de crescer de forma sustentável por vários anos.

“Agora, qual é o fôlego dessa melhora? O País reduziu a incerteza na questão fiscal e está tendo uma safra (agrícola) fantástica”, diz. “A questão é aproveitar este momento para, primeiro, avançar na reforma tributária. Segundo, o fiscal vai cobrar seu preço mais tarde. E tem toda uma agenda de melhora da produtividade, de resolver essas incertezas sobre ambientes regulatórios, para que esse ciclo seja mais longo.”

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão

Qual é a avaliação que o sr. faz do desempenho da economia neste início de ano?

Tivemos boas notícias neste primeiro semestre. Primeiro, a equipe econômica reconhecendo a necessidade de ter um certo controle de gastos. Foi uma mudança importante em relação ao que era o discurso usual anterior. Tem uma reforma tributária liderada pelo Bernard Appy. E a gente precisa ter gratidão ao Bernard por tudo o que ele tem lutado para fazer uma reforma técnica, com as melhores evidências das práticas dos outros países, dos problemas que nós enfrentamos. É uma reforma muito importante para o País poder melhorar o seu ambiente de negócios. Os dados têm vindo bons, de emprego e atividade econômica. Essa é outra boa notícia. E tudo indica que vamos ter uma queda da inflação nos próximos meses, que é mais uma boa notícia. Houve avanços importantes nesse período e que estão colaborando para uma melhora do cenário no curto prazo.

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E leitura de médio prazo, qual é?

O ponto preocupante é a capacidade de manter um crescimento mais elevado no Brasil a médio prazo. O País tem uma série de problemas estruturais microeconômicos que afetam o investimento, a segurança jurídica e a capacidade de crescer de forma sustentável por vários anos. Nos 40 anos até a pandemia, a história do Brasil é de anos de bons crescimentos, de 2,8%, em média, do PIB por habitante, que é um número bom, mas não é espetacular, abaixo dos demais emergentes. E houve muitos anos ruins. Nesses 40 anos, a gente teve 14 anos de queda do PIB por habitante. Essa tem sido um pouco a história do Brasil. A gente tem anos razoavelmente bons no cenário internacional, mas temos muitos anos ruins.

Por que isso acontece?

Esse fenômeno estrutural, essa característica do Brasil parece estar associada a dois componentes. Um é o ambiente de negócios, que é muito prejudicial à produtividade, ao crescimento econômico e ao investimento de longo prazo. O segundo é a dificuldade do País, em alguns momentos, de lidar com os ajustes quando eles são necessários. A gente viu isso no começo da década passada. Era preciso fazer ajustes, estava com problema de inflação alta, havia questões da política macroeconômica. E o que o País fez foi dobrar a aposta. O Banco Central reduziu os juros em agosto de 2011, quando a inflação estava acima da meta, o governo dobrou a aposta em estimular o investimento, e a gente sabe como aquilo terminou. A economia foi desacelerando, a inflação subiu, e acabamos entrando em uma grave recessão.

Ambiente de negócios é prejudicial ao crescimento econômico de longo prazo, diz Lisboa Foto: WERTHER SANTANA

Essa preocupação com o médio prazo está na agenda do governo?

A prioridade é a reforma tributária. O Brasil é completamente disfuncional em relação ao resto do mundo. A gente tem um sistema bastante complexo, com muitas regras que vão na contramão de um sistema tributário que auxilia o crescimento. É um sistema tributário que induz firmas a escolherem tecnologias ineficientes, com regras muito peculiares em comparação ao que é adotado no resto do mundo. O resultado é que o Brasil tem um contencioso tributário - quando se soma o que está no nível administrativo com o que está na esfera judicial - de 75% do PIB. É o tamanho do contencioso entre Receita e contribuinte. É um número muito alto. Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), esse número é 0,28% do PIB, incrivelmente menor. Na América Latina, tirando o Brasil, é de 0,19% do PIB. Isso mostra a disfuncionalidade do nosso sistema.

E o que mais faz parte dessa agenda?

A gente tem de enfrentar alguns temas que são muito difíceis. O País tem muita dificuldade de realizar investimentos de longo prazo. Tem muita insegurança sobre as leis e as normas, tem uma fragilidade das agências reguladoras muito grande. São muitas intervenções. Em outros países, a tradição é ter uma lei que dá uma moldura legal, dá uma alçada para as agências de Estado. O Judiciário respeita essa alçada e não entra no mérito das decisões. Os contratos são honrados. Isso não acontece no Brasil. No Brasil, a agência pode ter uma alçada prevista em lei, mas as decisões são frequentemente revistas, alteradas, contratos são rompidos, como ocorreu com muitas concessões. Isso desestimula o investimento em infraestrutura. É preciso um ambiente de negócios favorável para ter os grandes investimentos que o Brasil precisa para poder crescer de forma sustentada.

Qual é a capacidade do governo em lidar com tantos interesses e aprovar uma reforma tributária de qualidade?

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É um debate muito difícil, mas que precisa ser enfrentado. Tem muito ruído, muita confusão e desconhecimento. E tem muitos interesses que falam: ‘Não, não. Eu sou diferente dos demais e mereço pagar menos imposto’. Mas como assim? Isso gera disfunções. Eu acho que tem um trabalho grande não só na política, mas na sociedade, de explicar por qual razão a reforma é boa. A política social, por exemplo, não tem de se dar nos impostos indiretos, tem de se dar no gasto público. É muito mais eficaz e socialmente construtivo tratar os problemas sociais no gasto público do que nos impostos sobre consumo. E isso é a evidência. Há um trabalho do Ministério da Fazenda que mostra que, se você cobrar os tributos sobre o consumo na cesta básica e transferir esse dinheiro para o Bolsa Família, aumentando o programa, tem um impacto maior na desigualdade.

O sr. apontou que a equipe econômica reconheceu a importância de controlar os gastos, mas há uma leitura de parte dos economistas de que o arcabouço tem duração curta. Qual é a sua avaliação?

O arcabouço é um avanço em relação ao discurso anterior à eleição. Devemos reconhecer isso. Mas, quando se olha o quadro total, é inconsistente. Com o fim do teto de gastos, volta a indexação de educação e saúde à receita corrente. O governo também anda a anunciar a volta de crescimento real do salário mínimo com base no PIB de dois anos antes e os aumentos reais para os servidores. Não fecha. Não tem aumento de receita que dê conta do problema. Se o governo quiser cumprir o arcabouço e estabilizar a (relação) dívida/PIB, vai ter de rever esses itens. São reformas difíceis. Saúde e educação estão indexadas na Constituição, e tem as promessas que o governo fez. Vão ter de ser feitos ajustes e não vai demorar muito.

E o que explica o otimismo, então?

Eu acho que reduziu a incerteza. De novo, tem notícias boas. A economia saiu do ano passado bem melhor do que se esperava, entrou neste ano bem mais forte. O Brasil, relativamente, melhorou em comparação com o resto do mundo. Agora, qual é o fôlego dessa melhora? O País reduziu a incerteza na questão fiscal e está tendo uma safra (agrícola) fantástica. Claro, alguns setores estão com muita dificuldade. A indústria já vem com uma dificuldade de muito tempo, o varejo está sofrendo, mas, na média, as coisas estão melhores. Devemos ter meses muito bons relativamente. A questão é aproveitar este momento para, primeiro, avançar na reforma tributária. Segundo, o fiscal vai cobrar seu preço mais tarde. E tem toda uma agenda de melhora da produtividade, de resolver essas incertezas sobre ambientes regulatórios, para que esse ciclo seja mais longo.

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Para Lisboa, momento atual deveria ser aproveitado para aprovar a reforma tributária Foto: WERTHER SANTANA

O sr. aponta a dificuldade da indústria e mostra uma preocupação com o longo prazo. Como vê as recentes sinalizações do governo para o setor?

Vamos ver o que aconteceu no passado. Pega os anos 90, os anos 2000 até 2010, a indústria no Brasil estava diminuindo, mas estava em linha com o que acontecia no resto do mundo. Era o padrão mundial. Quando você pega o valor adicionado, está cada vez mais em serviços e menos na velha manufatura. A partir de 2010, o governo adotou uma agenda de fortalecer a indústria de várias maneiras. Isso já vinha antes, com regras de conteúdo nacional ou expansão do crédito subsidiado para vários setores. Eram programas muito caros e abrangentes para proteger algumas manufaturas, como foi o caso do Inovar-Auto na indústria automobilística, plataformas nacionais de petróleo, muito crédito subsidiado. Houve uma agenda muito extensa para fortalecer a indústria.

Os resultados foram ruins...

Deu tudo errado. A indústria brasileira, que tinha uma tendência assemelhada aos demais países, descolou. Esses projetos fracassaram. Não deram o retorno esperado. Eu temo que a gente esteja repetindo o mesmo erro. É um equívoco achar que o País vai ter uma indústria automobilística moderna, saudável, com essas políticas de desoneração fiscal. E vamos combinar? Não dá pra chamar de carro popular. A população média no Brasil ganha R$ 2 mil, R$ 3 mil, R$ 4 mil por mês. Não é ela que vai se beneficiar de um carro de R$ 50 mil. É uma política para beneficiar uma parte da elite - que, agora, vai poder comprar seus carros - e os acionistas das montadoras. E não garante a resolução dos problemas estruturais do País.

E qual seria o caminho para a indústria?

A nossa indústria automobilística, a indústria em geral, deveria estar mais integrada no mundo. O agronegócio tem o sucesso que tem porque ele vende para o mundo inteiro. São empresas que investem muito em tecnologia para serem cada ano melhores, para poder competir com os produtores de outros países. Essa deveria ser uma agenda para uma manufatura moderna no Brasil, de investimento em inovação, competição com outros países, pegar as melhores tecnologias de outros países. Vamos nos especializar, fazer algumas manufaturas que a gente é capaz de fazer muito bem por algumas vantagens que temos. E vamos comprar o que a gente não consegue fazer bem de outros países. Vamos modernizar o setor. Mas, infelizmente, a agenda que domina no Brasil é a do passado.

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