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Opinião | Mercado de carbono: avanços lá e cá

Regras para mercados global e doméstico foram estabelecidas em novembro; desafio agora é governança e implementação

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Foto do author Marina Grossi
Atualização:

Os ventos frios que sopraram de Baku durante a COP-29, no Azerbaijão, sinalizam avanços importantes em relação aos mercados de carbono globais, com a aprovação dos artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris, que estavam em negociação há nove anos. Via de regra, os dois artigos dão ao mundo a oportunidade de implementar um mercado internacional de compra e venda de créditos de carbono, com regras claras e a chancela das Nações Unidas. Essa movimentação acabou por influenciar a aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de lei que regulamenta o tema nacionalmente, instituindo o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), após uma tramitação que durou anos, com diferentes redações.

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Trata-se de um marco histórico e uma vitória para a agenda climática e econômica do Brasil, construído a partir de um constante diálogo e ampla mobilização da vanguarda do setor empresarial brasileiro desde 2016. A instituição de um mecanismo de precificação de carbono no país era um pleito de empresas comprometidas com a descarbonização das atividades econômicas, e nos alinha a pelo menos 110 mecanismos implementados em todo o planeta que já avançaram na regulação da precificação do carbono, que inclui regiões como a União Europeia, países como Colômbia e China e cidades como Chicago.

Para o setor empresarial brasileiro, o SBCE representa um divisor de águas em nossa jornada rumo a uma economia neutra em carbono, dando respaldo adicional para o cumprimento das metas climáticas do Brasil no Acordo de Paris, expressas na nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que foi entregue à ONU pela delegação brasileira na COP29 e traz o desafio de reduzir as emissões entre 59% e 67% até 2035, em comparação aos níveis de 2005. A nova meta nacional é abrangente para todos os setores da economia (“economy-wide”, no jargão climático), de modo que o mercado de carbono tem potencial para ser um importante instrumento impulsionador da mitigação das emissões de gases de efeito estufa do país.

COP-29 terminou com a aprovação de regras para o mercado internacional de compra e venda de créditos de carbono Foto: Rafiq Maqbool/AP Photo

O recém-aprovado SBCE estabelece as bases para um mercado regulado de carbono que não apenas orienta a redução dessas emissões, mas posiciona o Brasil como protagonista na transição global para uma economia verde. O sucesso do mecanismo passa, contudo, por uma regulamentação eficiente: para avançarmos de forma significativa, é essencial reconhecer onde estão as oportunidades e os principais nós que precisamos desatar. Dentre as oportunidades, estão o protagonismo global e apoio na implementação da NDC, o estímulo à inovação e à geração de novos empregos verdes, além do incentivo à conservação e regeneração dos ativos ambientais em nossos biomas, uma vez que o mercado regulado tenderá a operar de forma complementar ao mercado voluntário de carbono já atuante no Brasil.

Os desafios a serem enfrentados dizem respeito à governança e à implementação propriamente ditas, que necessitam de mecanismos transparentes de mensuração, relato e verificação (MRV) para conferir credibilidade e integridade ao sistema. Na etapa da regulamentação, será preciso determinar limites de emissões setoriais alinhados com a nova NDC e equilibrar custos de conformidade do SBCE, de modo que empresas de todos os setores e portes possam se adequar.

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O Brasil é peça-chave para que o mundo persista no objetivo de alcançar os compromissos firmados no Acordo de Paris, sendo o principal deles evitar que a temperatura média global se eleve acima de 1,5ºC até o final do século. Temos uma matriz elétrica com mais de 80% de fontes renováveis, uma matriz energética com fontes limpas acima da média global, mas é preciso avançar na descarbonização dos transportes, por exemplo, e promover uma economia que valorize a floresta em pé, zerando definitivamente o desmatamento de nossos biomas, conforme expresso na NDC brasileira.

A aprovação do PL que instituiu o SBCE é um passo incremental na tangibilização de nossos esforços para construir uma economia de baixo carbono que una produção e preservação, gerando prosperidade sustentável para todos. As empresas brasileiras devem agora se unir a uma verdadeira força-tarefa para sua implementação, baseada em diálogo com o poder público, na adaptação às novas regulamentações climáticas e no apoio à inovação tecnológica. O sucesso do SBCE dependerá de nossa capacidade coletiva de transformar o potencial do mercado de carbono em resultados concretos para o Brasil e o mundo.

Opinião por Marina Grossi

Economista, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds)

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