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Opinião|Um novo pacto para a transição socioecológica

Sociedade civil, setor empresarial, governos e academia precisam estabelecer novo pacto para enfrentar emergência climática e promover desenvolvimento na região

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Foto do author Marina Grossi

O Brasil assiste, consternado, à tragédia climática no Rio Grande do Sul. As fortes chuvas e inundações atingiram 2,3 milhões de pessoas em todo o estado. Segundo o último balanço da Defesa Civil, 478 dos 497 municípios gaúchos foram impactadas por um dos piores desastres climáticos da história do Brasil, que já totaliza 175 vidas humanas perdidas e milhares de pessoas fora de suas casas. As perdas econômicas e seus impactos sistêmicos ainda estão longe de serem mensuradas, mas a Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) já fala em mais de R$ 100 bilhões necessários para a reconstrução das cidades devastadas, sendo que algumas delas precisarão mudar de lugar, visto que a iminência de novos transbordamentos é prevista. A primeira lição da tragédia riograndense que podemos tirar até agora é de que nada será como antes.

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Se estamos diante de um evento climático extremo sem proporções semelhantes, as respostas que teremos de dar, para que outras não aconteçam, terão de ser diferentes. É sabido, por recorrentes alertas da comunidade científica, especialmente a partir dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), publicados desde 1990, que a elevação da temperatura terrestre e dos oceanos leva ao aumento da frequência e intensidade dos eventos extremos. Em 2023, os termômetros registraram 1,45ºC acima da era pré-industrial, número que se aproxima cada vez mais do limite de 1,5ºC para a elevação da temperatura média global, preconizado pelo Acordo de Paris.

No entanto, o planejamento urbano e as respostas para a crise climática seguem em ritmo muito aquém do necessário para se prevenir tantas perdas humanas e materiais. Não podemos mais ser pegos desprevenidos. Não podemos mais alegar ignorância sobre os repetidos alertas que a ciência nos dá dos efeitos adversos da mudança climática e de tragédias que acontecem cada vez com mais frequência e intensidade. No Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a adaptação climática é um tema que trabalhamos com as associadas há mais de uma década. Em 2015, lançamos a publicação “Riscos Climáticos: como o setor empresarial está se adaptando?”, que abordava os riscos físicos, regulatórios e reputacionais, bem como os impactos sociais, das mudanças climáticas.

Destruição causada pela enchente em Arroio do Meio; para promover desenvolvimento sustentável, é importante direcionar investimento não somente para pesquisa e desenvolvimento, mas também para inovação tecnológica Foto: Amanda Perobelli/Amanda Perobelli/REUTERS

Essa é a hora de todos - sociedade civil organizada, setor empresarial, governos e academia - estabelecerem um novo pacto para o enfrentamento da emergência climática e promoção do desenvolvimento na região. Assim como na Coreia do Sul a estreita colaboração entre o setor empresarial, o governo e a academia foi crucial para impulsionar o crescimento econômico e tecnológico do país, é necessário planejamento e colaboração entre estes mesmos setores no Brasil para uma resposta à altura do desafio que temos, e reconstruir boa parte do estado do Rio Grande do Sul sob novas bases pode representar um importante primeiro passo.

Para promover o desenvolvimento sustentável na região, é importante direcionar investimento não somente em pesquisa e desenvolvimento (P&D), mas também em inovação tecnológica. Esse investimento deve ser direcionado não só para a transição para uma economia com baixas emissões de carbono e maior resiliência, mas sobretudo para a inovação que garanta uma transição socioecológica, já que a mudança climática acelera a desigualdade, impactando, como estamos vendo no Rio Grande do Sul, principalmente a população mais vulnerável.

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A ciência de excelência produzida no Brasil pode trazer grandes transformações na nossa economia e vida em sociedade. Basta lembrar os feitos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que, nos últimos 50 anos, foi fundamental para que o Brasil saísse de uma agricultura rudimentar e da condição de importador de alimentos, para se tornar um celeiro para o mundo. A aplicação de tecnologia fez com que a soja, por exemplo, uma cultura de climas temperados, se adaptasse aos diferentes solos e climas e se tornasse um dos principais itens de nossa pauta de exportações, gerando prosperidade para o interior do país.

Agora, é importante direcionar a inovação tecnológica para enfrentar os múltiplos desafios da emergência climática, que passam tanto pela mitigação dos gases de efeito estufa quanto pela adaptação. O grande pacto multissetorial que precisamos envolveria uma grande aliança entre os cientistas e o setor empresarial, tendo o Estado como incentivador, fazendo a ponte entre esses dois elos, e com a sociedade civil organizada gerando contribuições.

O CEBDS, como plataforma empresarial que atua há 27 anos no tema de sustentabilidade, pode atuar como um articulador desse processo e ajudar a alavancar a colaboração e os novos padrões na escala e velocidade que precisamos. Até 2050, 50% das reduções de emissões necessárias para atingir o net zero deverão vir de tecnologias que ainda não estão disponíveis em escala, então a inovação é crítica para acelerar o passo.

As empresas sabem incorporar a inovação e, na crise, são ágeis para realizar as transformações necessárias em um curto espaço de tempo - que o diga a aceleração da digitalização que veio na esteira da pandemia de covid-19. Agora, o “novo normal” são as mudanças no padrão do clima que a natureza está nos mostrando, e exigindo respostas que não são as mesmas do passado e do presente.

A tomada de decisões requer um novo modelo de pensamento, superando o negacionismo climático que não se traduz apenas em negar a interferência humana na mudança do clima, mas também na ideia de que ainda há tempo para continuar agindo sob o mesmo paradigma de desenvolvimento que nos levou à atual ruína. Firmar um novo pacto civilizatório para o enfrentamento real do problema será uma forma de evitar que outras vidas sejam perdidas e honrar aquelas que, tristemente, já se foram.

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Opinião por Marina Grossi

Economista, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds)

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