BRASÍLIA – A poucos dias do prazo final dado pelo Ministério do Trabalho para o início da vigência de novas regras para o trabalho aos feriados, o ministro Luiz Marinho firmou um acordo com parlamentares ligados a setores afetados para prorrogar por mais 90 dias a suspensão da norma. Pelo combinado, será apresentado um projeto de lei que, além de tratar do trabalho aos feriados, abordará também a contribuição aos sindicatos – uma demanda dos representantes dos trabalhadores.
Desde o ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) validou que os sindicatos podem fazer a cobrança de uma contribuição assistencial de filiados e não filiados a título de remuneração por um serviço prestado – a negociação salarial anual, por exemplo –, as centrais sindicais tentam emplacar um projeto de lei para disciplinar a medida e fazer a cobrança.
Parlamentares e setores críticos à iniciativa, no entanto, bloquearam o projeto, alegando que o governo Lula tentava ressuscitar o imposto sindical, extinto na reforma trabalhista de 2017, do governo Temer, e que cobrava o equivalente a um dia de trabalho de todos os assalariados com carteira assinada, sindicalizados ou não.
Os sindicalistas, por seu turno, alegam que não se trata da volta do imposto sindical, mas de uma autorização para que os sindicatos façam a cobrança, caso ela seja aprovada em convenção coletiva.
O projeto de lei deverá ser elaborado sob a liderança de Luiz Gastão (PSD-CE), que é presidente da Fecomércio cearense. Ele foi a Marinho com deputados ligados ao setor de turismo e do comércio para defender que empresas interessadas em abrir aos feriados sejam poupadas da exigência de autorização em convenção coletiva.
A portaria e as exceções
Em novembro, Marinho baixou uma portaria exigindo que as empresas que quisessem abrir aos feriados teriam de firmar antes acordos coletivos com os sindicatos dos trabalhadores. O expediente também só seria permitido em cidades que já tenham legislação permitindo a abertura.
O ato representa uma reversão de decisão baixada em 2021, sob o governo Jair Bolsonaro, que permitia o trabalho aos feriados sem a necessidade de autorização prévia de acordos coletivos firmados com sindicatos laborais. As entidades empresariais passaram, então, a trabalhar para derrubar a portaria, alegando que se trata de um retrocesso que amplia a insegurança jurídica e aumenta a complexidade dos negócios.
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Diante da reação negativa, Marinho suspendeu a portaria até 1º de março e passou os últimos meses negociando como alternativa uma lista de atividades que seriam excepcionalizadas da regra. Farmácias, postos de gasolina, restaurantes, pet shops e hotéis conseguiram entrar nas atividades livres dos acordos com sindicatos. Já supermercados, shoppings centers e lojas de material de construção, por exemplo, ficaram de fora.
A diferença de tratamento provocou uma mobilização dos setores dentro de entidades empresariais. A Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) mobilizou a Confederação Nacional do Comércio (CNC), que informou o ministro no início deste mês que, sem a atividade na lista de exceções, não há acordo possível.
“Supermercados são uma atividade essencial, como ficou claro durante a pandemia. Não faz sentido não estar na decisão do ministro”, afirmou o presidente da Abras, João Galassi.
Costura do acordo
Nesta terça-feira, 27, os parlamentares disseram a Marinho que a portaria seria derrubada por um decreto legislativo. Foi então que o acordo começou a ser negociado. A reunião teve a participação do ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo com o Congresso.
Segundo relatos obtidos pelo Estadão, os representantes das centrais sindicais apresentaram um anteprojeto de lei sobre o trabalho aos feriados contemplando a permissão para que seja cobrada a contribuição sindical na convenção coletiva. O texto foi entregue a Luiz Gastão, que deverá elaborar uma contraproposta do setor empresarial.
Como deverá ser vinculada a uma convenção coletiva, ou seja, a um processo negocial liderado pelo sindicato, está sendo chamada de “contribuição de convenção” ou “contribuição negocial” pelos setores envolvidos.
Deputados que representam as frentes parlamentares do comércio e do empreendedorismo disseram que será preciso ver no detalhe a norma, tratando a contribuição como algo autorizativo e não imposto aos trabalhadores e empresas (a contribuição sindical também é cobrada pelos sindicatos patronais).
Além disso, será necessário deixar explícito no texto do projeto de lei quais setores poderão ser excepcionalizados das convenções coletivas, e ainda verificar como serão tratados os feriados municipais e estaduais, que estavam fora do radar da portaria de Marinho.
Após a reunião com o ministro, na qual foi fechado o acordo pela tramitação por meio de um projeto de lei, deputados se reuniram na sede da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) para debater o assunto. O Estadão acompanhou a reunião, que dividiu a bancada empresarial.
De um lado, deputados que defenderam o financiamento aos sindicatos; de outro, os críticos à experiência do extinto imposto sindical. Todos entendem que o texto em questão, embora trate de trabalho aos feriados, deverá estender a cobrança da contribuição sindical a todas as atividades.
“É legítimo discutir se os sindicatos podem ser financiados, mas temos que verificar quais serão os limites. Não pode ser uma imposição. Vamos permitir a cobrança de associados e também de não associados num modelo em que os sindicatos têm monopólio territorial? Não podemos criar uma república sindical”, disse Domingos Sávio (PL-MG), que preside a Frente Parlamentar do Comércio, Serviços e Empreendedorismo (FCS).
Outra questão é vincular a autorização para funcionar aos feriados a uma convenção coletiva. “Que haja garantias e compensações para os trabalhadores, mas não pode uma convenção dizer se uma atividade pode ou não funcionar. Não podemos abrir essa porta”, acrescentou Sávio.
O deputado Zé Neto (PT-BA), que integra a FPE, defendeu a contribuição sindical como forma de fortalecer essas instituições e alegou que existe hoje um desequilíbrio, porque os sindicatos patronais seguem sendo financiados por contribuições obrigatórias que são recolhidas das empresas para o Sistema S. Já os sindicatos dos trabalhadores não têm o mesmo caixa.
Presidente da FPE, Joaquim Passarinho (PL-PA) defendeu que os recursos do Sistema S sejam divididos também com os sindicatos dos trabalhadores, evitando a criação da nova contribuição sindical.
“Podemos criar um novo modelo sindical para que todos possam sobreviver”, afirmou. “Temos que fazer uma análise: é importante ter um sindicalismo forte e competente, mas tem muito sindicato pilantra por aí que embarca na onda dos outros.”
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