Ministro diz que levou a Lula proposta de correção do IR e que vai ‘enquadrar’ Uber e iFood

‘Vamos chamar as empresas. Dona Uber, venha cá. Dona iFood, senta aqui’, afirmou Luiz Marinho ao ‘Estadão’ sobre mudanças que pretende fazer nas relações dos trabalhadores com as empresas

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Foto: Wilton Junior / Estadão Conteúdo
Entrevista comLuiz MarinhoMinistro do Trabalho

BRASÍLIA – O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, defendeu a criação de uma política permanente de correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), que caminhe junto com a valorização do salário mínimo. Ao Estadão, Marinho confirmou que levou a pauta do reajuste da tabela ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião que teve, na semana passada, sobre salário mínimo.

“Tem de estabelecer uma política permanente, como tem com o salário mínimo”, disse ele. “Nós desejamos que as coisas caminhem conjuntamente. Se depender de mim, elas vão andar”, emendou o ministro, que disse estar “afinadinho” com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a questão do salário mínimo.

Na entrevista, o ministro afirmou que o trabalho informal – ou seja, sem carteira assinada – serve para explorar o trabalhador e condenou o controle da inflação com arrocho salarial, restrição ao consumo e juros altos.

Marinho falou sobre a estratégia para aumentar o emprego, a reforma trabalhista e a regulamentação do trabalho pelos aplicativos. Classificou o Uber como “trabalho escravo” e disse que vai enquadrar as empresas de aplicativos que trabalham dessa forma. “Vamos enquadrar esse povo. Vamos chamar as empresas. Dona Uber, venha cá. Dona iFood, senta aqui”, afirmou. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho. Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

O governo terá meta de emprego, como já houve no passado?

Não trabalhamos com meta numérica. Vamos trabalhar com uma estratégia de valorização do salário mínimo que ajude a fomentar a atividade econômica. O trabalho tem de ser formal. O trabalho informal serve para quem? Serve para explorar. Pode ter mais de uma modalidade de contratação de trabalho. Isso não é o problema, mas tem de ser formal. Trabalhar para fortalecer a negociação coletiva, a qualidade do contrato de trabalho. No governo Lula, geramos 14 milhões de empregos com carteira assinada e 20 milhões nos governos Lula e Dilma.

Será possível pagar o salário mínimo de R$ 1.320 a partir de 1º de maio?

Se a política de valorização do salário mínimo não tivesse sido interrompida, o valor estaria hoje em R$ 1.396. Mais importante do que o valor do salário mínimo de 2023 é falar da retomada dessa política. O grupo de trabalho vai analisar a partir dos fundamentos da economia. Vamos fazer exercício de cada proposta do que impactaria nos próximos dez anos.

Esse é um tema que causa preocupação por causa do impacto nas contas públicas?

Em 2005, quando assumi o ministério do trabalho após liderar a “Marcha do Salário Mínimo”, trouxe a sugestão (da política de valorização) – e o mercado reagiu com a preocupação de que iria impactar a inflação. Eu dizia que teríamos de criar uma sintonia para aumentar a renda, gerar emprego e controlar a inflação. Nós mostramos que era possível. Com previsibilidade, o mercado se prepara. Onde está o absurdo disso? O empresário não pode esperar crescer a demanda de consumo para depois produzir. Ele tem de se preparar para produzir sabendo que a demanda vai chegar. Foi o que aconteceu quando constituímos a política. O empresariado acompanhou e fez investimento, apostou junto. Convocamos o empresariado a apostar junto de novo com o governo Lula. Não se controla a inflação somente por arrocho salarial, por restrição de consumo e de crédito com juros altos. Pode-se controlar a inflação a partir da oferta.

Mas, para as contas públicas, o problema de aumento das despesas atreladas ao mínimo continua?

Estou falando de crescer a receita da Previdência. O pessoal só consegue enxergar um lado dessa conta. Sempre convoco meus colegas da área econômica, especialmente os técnicos, a enxergar os dois lados. O ministro (da Fazenda) tem uma boa visão sobre isso. Eu e o (Fernando) Haddad estamos, ali, afinadinhos. Vai dar custo? Vai, mas vai impactar na receita. Temos de apostar que vamos ter crescimento de receita para suportar o crescimento de despesa.

O presidente Lula disse, na reunião com o sr. sobre o tema, que quer o aumento para R$ 1.320.

Todos nós queremos. O problema é o seguinte: há espaço fiscal ou não. Se houver espaço, fará. O valor hoje de 2023 é R$ 1.302, aumento real de 1,41%. Se houver espaço fiscal, até maio nós vamos anunciar eventual mudança, a partir de maio. É R$ 1.320? Não sei. Pode ser R$ 1.315. Vai ser o que o espaço fiscal oferecer.

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O sr. levou a pauta da correção da tabela do Imposto de Renda para o presidente Lula na reunião sobre o mínimo?

A senhora está bem informada.

Em 2023, quem ganha menos de um salário mínimo e meio já paga Imposto de Renda. É justo?

Primeiro, eu acho injusto uma pessoa ganhar menos de um salário mínimo e meio. Quando nós negociamos a política de valorização do salário mínimo, em 2005, também negociamos a correção da tabela do IR. Quando Lula falou de aumentar para R$ 5 mil a faixa de isenção, ele não falou de fazer imediatamente; uma política que vá recuperando para chegar nesse patamar. Portanto, tem de estabelecer uma política permanente, como tem com o salário mínimo. A ideia é construir sempre olhando o espaço fiscal para não impactar a inflação. O presidente Lula está se comprometendo a construir e estabelecer uma graduação para recuperar.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz que não pode reajustar a tabela do IRPF em razão do princípio da anterioridade, mas o governo do PT já fez isso no mesmo mês. O sr. mesmo já fez isso.

Eu, não. A área econômica. Eu só negociei.

Há uma insatisfação grande com esse tema.

Calma. Já recebeu o salário de janeiro?

Mas as duas políticas, aumento do salário e correção da tabela do Imposto de Renda, vão andar juntas?

Nós desejamos que as coisas caminhem conjuntamente. Se depender de mim, elas vão andar. Vamos perseguir no debate da reforma tributária para chegar no que o presidente Lula deseja, que é isentar (do Imposto de Renda) quem ganha até R$ 5 mil.

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O secretário de Reforma Tributária, Bernard Appy, tem uma proposta para reduzir os encargos do primeiro salário mínimo. O que o sr. acha?

Eu vejo a seguinte situação: tem 1% dos bilionários que não pagam imposto ou pagam pouco. Não pagam sobre lucros e dividendos. Você vai comprar um pastel na feira e tem lá uma carga de imposto grande. E o cidadão saca R$ 50 milhões de resultado no ano e não paga nada de imposto? Especula na Bolsa e não paga nada de imposto? É uma coisa errada.

O sr. acha que tem de desonerar a folha salarial?

Nós temos de desonerar a produção. A folha salarial pode ser usada, desde que se resolva como financiar a Previdência, que é outro nó. Quando se fala “o déficit da Previdência é X” e há contestação, é preciso entender: quais eram as bases de financiamento da Previdência? Os empresários querem desonerar; muitas vezes o Tesouro fala “Vamos desonerar para ajudar. Compense essa receita que a Previdência está perdendo para dizer que tem déficit”. Por isso que o coitado do Lupi (Carlos Lupi, ministro da Previdência) falou que não tem déficit e caíram em cima dele.

Como assim?

Ele (Lupi) está usando esse ponto de partida: cadê a base constitucional de financiamento da Previdência, que já foi fatiada várias vezes, inclusive nos nossos governos? Desonera isso, desonera aquilo. De onde sai? Da Previdência. Como se compensa? Quem banca a aposentadoria do trabalhador do hospital filantrópico? Quem banca as igrejas, a aposentadoria do padre, do pastor? O Espírito Santo? O Espírito Santo fala: “Não é comigo”. Se alguém concedeu isenção, tem de dizer de onde é a fonte para financiar a Previdência. Eu não deveria estar fazendo esse debate porque não sou ministro da Previdência. Já fui. O mercado fica nervosinho com isso.

Mas o mercado quer que tenha fonte de financiamento...

Não. Quer que tire sempre, que desonere, só que não fala de onde paga a Previdência. O que o mercado quer é que privatize.

O seguro-desemprego não alcança o trabalhador informal. O sr. não acha que alguma solução tem de ser dada?

É por isso que tem de ser formal. A irresponsabilidade da reforma trabalhista tem de ser visitada.

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Mas tem muita gente que prefere ser informal porque ganha mais...

Prefere nada, ganha nada. Não é verdade que o informal ganha mais. Que categoria?

Como o sr. vê o problema da ‘pejotização’ da mão de obra?

As empresas foram criando os conceitos de PJ (Pessoa Jurídica) e de MEI (Microempreendedor Individual) para burlar e fraudar a legislação trabalhista.

E como enfrentar isso na nova realidade do mercado de trabalho?

Vamos ter de reorganizar o aparelho de Estado para fiscalizar, investigar e cumprir a legislação vigente. Há necessidade de novos concursos para o futuro. Estão desmontando totalmente a proteção ao trabalho. Tem muito trabalho escravo no Brasil que a sociedade está tolerando.

O sr. pode dar um exemplo?

Eu posso: Uber. Veja aquele jovem que participou do BBB (Big Brother Brasil) e quase morreu num acidente de Uber (na verdade, o motorista era do aplicativo 99). Aquilo é resultado de trabalho escravo. O motorista devia estar trabalhando 16 horas por dia. Dormiu no volante. Isso é trabalho escravo para mim.

Mas qual é a saída?

Nós vamos instituir um processo de negociação. Em primeiro lugar, chamando as empresas. Dona Uber, venha cá. Dona iFood, senta aqui. Não dá para ter uma jornada extenuante igual vocês estão exigindo. O cidadão trabalha 16 horas por dia para levar o leite para casa. É exploração. Vamos estabelecer padrão de remuneração, de proteção social. Um trabalhador de aplicativos, um caminhoneiro, um mototaxista, motoboy não tem nenhuma segurança. É preciso que seja regulamentado. É preciso que as empresas tenham a consciência de que a sociedade quer que chegue o lanchinho em casa, pizza; tem de remunerar bem esse trabalhador. (Leia nota da Uber abaixo).

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Luiz Marinho diz que vai enquadrar plataformas de serviços por aplicativo. Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

Há quem diga que esse pensamento do governo sobre o mercado de trabalho não se coaduna com a nova realidade do mercado de trabalho no Brasil e no mundo. Como o sr. responde?

Eu vejo isso como um absurdo. Mas a democracia garante o direito de falar besteira. Vai ver o que está fazendo a Espanha, vai ver o que está acontecendo na Europa em relação a esse debate. Lá também estão debatendo para enquadrar esse povo. As empresas ameaçaram sair fora da Espanha por isso. Durou 48 horas a rebeldia. Ficaram dois dias fora e voltaram. Vão ser enquadrados.

A necessidade de revogar a reforma trabalhista foi muito citada na campanha eleitoral, mas depois, diante de tantos ataques, o PT acabou recuando. O sr. sempre disse que era necessário uma mudança. Afinal, o que pode ser revogado?

Eu sempre registrei que não era correto falar em revogação. Temos muitos trabalhadores desprotegidos, que uma nova legislação precisa proteger. É preciso olhar sob a ótica de qual o tipo de sindicato a sociedade brasileira deseja. Não é o governo que vai dizer: “eu quero um sindicato A, B ou C.” A sociedade é que tem de construir. Nós queremos fazer um processo de construção de fortalecimento do papel da negociação. Não é a expressão usada no passado: negociar sobre legislado. Sempre pode o negociado sobrepor ao legislado. Para mais. A lei é proteção mínima. Então você quer negociar? Tá, tudo bem, negocia; mas o empresariado veio com essa balela do negociar sobre o legislado para negar a lei, rebaixá-la, e pagar menos do que a lei garante. Isso é um absurdo. Isso tem de ser revisado.

Na campanha, Lula designou o então candidato a vice, Geraldo Alckmin, para falar com o empresariado sobre esse tema. Alckmin garantiu que não haveria mudança nesse ponto, em encontro com os empresários.

Pode negociar à vontade, desde que seja acima da lei. A lei fala que tem direito a copo de água, mas você só vai ter meio. Isso não pode. É inconstitucional. O governo não vai entrar no mérito de cada contrato. Os trabalhadores que entram. O Supremo (Tribunal Federal) está aí. É inconstitucional.

O sr. conversou com Alckmin sobre isso?

Duvido que ele tenha garantido. Vamos revisitar tudo o que tem do arcabouço trabalhista. O que tiver inconsistente, inconstitucional, temos de corrigir para proteger juridicamente o empregador. Duvido que ao bater no Supremo não fale que esse contrato é nulo.

O governo vai ter uma nova política para igualdade salarial das mulheres. Como isso está sendo feito?

É um absurdo ter de fazer uma lei dessas. Deveria ser a prática natural. Nós vamos construir um marco legal para função igual, salário igual. Isso é diretriz do presidente Lula. Vamos trabalhar esse tema com a ministra das Mulheres (Cida Gonçalves). Espero que nós não tenhamos de aplicar nenhuma multa ao empresário por essa razão. Espero que passem a cumprir imediatamente.

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O sr. já disse que vai acabar o saque-aniversário do FGTS. Mas quando?

O (ex-presidente Jair) Bolsonaro criou a versão saque-aniversário. É legal? Será? É bom para o trabalhador? Primeiro, enfraquece o fundo de investimento (do FGTS) que tem o objetivo de gerar emprego. Cria um transtorno ao trabalhador, que cria uma ilusão de todo o ano fazer o saque. Só que aí, num acontecimento indesejado, ele tem uma demissão e se dá conta de que não pode sacar. Eu recebo mensagens: “ministro pelo amor de Deus, resolva isso. Eu entrei nessa ilusão”. Nós vamos acabar com o saque-aniversário. Não faz sentido. Eu vou pautar para a primeira reunião do ano do Conselho Curador, em março.

O que é preciso fazer para pacificar o País após os atos golpistas do último dia 8?

Trabalhar para unir e reconstruir o País. E isso nós estamos fazendo. Vamos para frente. O que ocorreu no dia 8 foi gravíssimo. Mas quanta coisa nós já fizemos depois do dia 8? Nós pegamos o País arrebentado. Em cada área, terra arrasada. Para vocês terem uma ideia, quando eu fui ministro do Trabalho (de 2005 a 2007), o Estado de São Paulo tinha 115 gerências; hoje, tem 47 e algumas delas estão sem condição de trabalho, por ausência de mão de obra. Dá para falar em concurso agora? Evidentemente que não. Então, nós vamos ter de trabalhar no sacrifício. É preciso a colaboração de todo mundo para retomar os concursos no ano que vem. Deixa o homem trabalhar.

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Nota da Uber

“A Uber foi o primeiro aplicativo de transporte a disponibilizar no Brasil, desde o início de 2020, uma ferramenta de segurança que limita o tempo online dirigindo pelo aplicativo. A ferramenta fornece notificações ao motorista quando ele se aproxima do limite de 12 horas online conduzindo o veículo em um único dia. Atingido esse limite, ele será automaticamente desconectado e não poderá utilizar o aplicativo pelas seis horas seguintes.”

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