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Mateus Bandeira: “A ideia de transformar a Oi numa ‘campeã nacional’ foi totalmente equivocada”

Presidente da empresa afirma que a derrocada da Oi não teve nada a ver com a o fracasso da privatização da telefonia no País e não consumiu dinheiro dos pagadores de impostos mesmo quando deu errado

Foto do author José Fucs
Atualização:
Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comMateus BandeiraPresidente da Oi, ex-presidente da consultoria Falconi, ex-presidente do Banrisul e ex-secretário do Planejamento e Gestão do Rio Grande do Sul

À frente da Oi desde janeiro de 2024, o executivo Mateus Bandeira tem a missão de viabilizar o plano de recuperação judicial da empresa, o segundo desde 2016, para evitar que ela vá à falência. De uma das maiores companhias do País, que chegou a faturar quase R$ 30 bilhões por ano, a Oi se tornou hoje uma fração do que foi e daqui para a frente deverá ter um faturamento anual, de acordo com Bandeira, de pouco mais de R$ 2 bilhões, ao concentrar sua atuação no atendimento ao mercado corporativo e se livrar de qualquer serviço ligado ao varejo.

Nesta entrevista ao Estadão, a primeira desde que assumiu o comando da Oi, ele diz que o projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de transformá-la numa “campeã nacional” das telecomunicações “foi uma aposta que se mostrou totalmente equivocada”. Bandeira também contesta a afirmação do presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Aloizio Mercadante, de que a derrocada da Oi é um sinal do fracasso da privatização da telefonia e da gestão privada dos negócios.

“Mesmo dando errado, a privatização da Oi foi um sucesso”, afirma. “Quem pagou a conta pelo fracasso da Oi? Foi a União que veio socorrer a empresa? Não. Então, a Oi é a prova dos noves das vantagens da privatização.” Confira a seguir os trechos da entrevista em que ele fala sobre o assunto.

Quando a Oi surgiu, a partir da fusão da Telemar com a Brasil Telecom, realizada m 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu segundo mandato, queria transformá-la numa “campeã nacional” das telecomunicações. Hoje, passados 16 anos, a Oi está em sua segunda recuperação judicial e quase foi à bancarrota. O que deu errado?

Eu acredito que foi uma aposta que se mostrou totalmente equivocada. É claro que hoje é bem mais fácil olhar para trás, como engenheiro de obra pronta, e dizer, “pô, eles não viram que a telefonia fixa já estava passando por um processo de derretimento?”. Ainda assim, já havia sinais de que, com a telefonia móvel, com a mobilidade proporcionada pelo celular, a derrocada da telefonia fixa era uma coisa inevitável, que já começava a acontecer nos países mais maduros. A aposta era de que a união de uma companhia que atuava numa região que era quase metade do Brasil com outra que também era quase metade do País, exceto por São Paulo, onde elas não atuavam, fosse dar escala e permitir ganhos de eficiência e redução de custos, porque é só isso que a gente pode imaginar como argumento para justificar um negócio desses.

Agora, a Oi na época não tinha também operação de celular? A união da Telemar com a Brasil Telecom não poderia ter ajudado também a alavancar os negócios na telefonia móvel?

A Oi tinha celular. Acontece que, com a união das duas empresas, a Oi dobrou a aposta no modelo de telefonia fixa, que ainda era a principal atividade da companhia e tinha de ser mantida até 2025, pelo contrato firmado na época da privatização, realizada em 1998. Hoje, muitas pessoas dessa geração mais nova não conhecem o telefone fixo. Não sabem o que é. Muito menos um orelhão. Outro dia eu tive de explicar para o meu filho o que é um orelhão. Ele me perguntou: “Por que tem que ligar lá se tem o celular?”. Mas, naquela época, era outra realidade.

Bandeira afirma que os planos para a Oi, que previam a expansão da base de clientes para 100 milhões, eram "mirabolantes" Foto: Werther Santana/Estadão

Depois, ainda houve a fusão da Oi com a Portugal Telecom, que havia vendido a sua participação na Vivo, que tinha como um de seus objetivos a expansão internacional da empresa.

A fusão com a Portugal Telecom foi um desastre para a Oi. Boa parte da capitalização feita pela Portugal Telecom, por meio da Farol, que era a holding do grupo, virou pó. Parte dessa capitalização veio com o aporte de títulos do Banco Espírito Santo, mas logo depois o banco faliu e os títulos de 3,5 bilhões de euros que a Oi tinha recebido da Farol evaporaram. Isso foi um baque para a Farol e para a Oi também. Além disso, os planos eram mirabolantes. O plano de curto prazo era ampliar o número de clientes da Oi, que chegou a 75 milhões, para 100 milhões de clientes, no Brasil e fora do Brasil, nos países de língua portuguesa. Até hoje a gente tem a operação de telefonia em Timor Leste e não consegue vender.

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Outro dia, num evento organizado pelo BNDES, o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, usou as derrocadas da Oi e da Light, que também está em recuperação judicial, para criticar o setor privado e a privatização e defender a participação estatal na economia. Até que ponto, na sua visão, as dificuldades das duas empresas têm a ver com o fracasso da privatização?

Outro dia eu escrevi um artigo sobre essa questão, que eu chamei de a “falácia do espantalho”. O caso da Oi é a prova dos noves de que a privatização das telefônicas funcionou. Porque é muito fácil dizer que a privatização foi um sucesso quando deu certo. Mas, quando deu errado, ela também foi um sucesso. Qual é a régua para a gente medir se a privatização das telecomunicações foi um sucesso ou não? A régua tem de ser a da sociedade. Mesmo no caso do fracasso, a régua que importa é da sociedade. E quem pagou a conta pelo fracasso da Oi? Foi a União que veio socorrer a empresa? Não. Então, a Oi é a prova dos noves das vantagens da privatização.

Todo o fracasso financeiro, de gestão, operacional da Oi, qualquer coisa que você queira avaliar, quem arcou com ele? Foi a iniciativa privada, foi o investidor, o acionista, o cara que comprou ações da empresa na bolsa, foram os credores afetados pela recuperação judicial, que receberam seus créditos em parcelas com desconto, os empregados. Foram eles que arcaram com o custo da ineficiência ou da incompetência ou fracasso da companhia. O BNDES participou do financiamento da compra da Brasil Telecom pela Telemar e foi pago integralmente. Foi o único agente financeiro que não teve nenhum desconto nos créditos. Isso é muito bom falar. A Oi entregou R$ 4,3 bilhões da venda de sua operação de telefonia móvel para o BNDES. A empresa fracassou? Sim, fracassou. Agora, isso é argumento para não privatizar? Não, não é. Ao contrário.

Do ponto de vista do atendimento à população, o sr. acredita que a privatização da telefonia também foi um sucesso?

A gente tem de lembrar que antes da privatização o Brasil tinha 17,7 milhões de telefones fixos. Uma linha de telefone chegava a custar US$ 5 mil no mercado paralelo. A gente declarava linha de telefone no Imposto de Renda. Em 2001, apenas três anos depois da privatização, já eram 37 milhões de linhas, mais do que o dobro. Só a Oi chegou a ter 25 milhões de telefones fixos naquele momento. Todo mundo que queria ter um telefone fixo tinha. Então, a universalização foi feita e os consumidores tinham acesso ao serviço, por preços competitivos. Com o celular aconteceu a mesma coisa. Hoje, existem no Brasil mais de 250 milhões de linhas de telefonia móvel em uso. Praticamente todo brasileiro tem um celular, com tecnologia de última geração.

E no caso da Light, vale a mesma coisa?

A gente tem de levar em conta que a Light sofre até hoje com roubo de um volume absurdo de energia. O Estado teria a obrigação de protegê-la, de impedir o roubo, mas não faz isso. Ela paga, inclusive, tributos sobre a energia comprada, recolhe tributos para o governo do Estado, e não pode fazer nada, não pode desligar os “gatos”, porque o governo não deixa. Não, pode desligar, porque é um problema social. Como é que vai desligar a energia da favela inteira? Não desliga, né? E aí o Mercadante atribui isso a um fracasso da privatização? Pelo amor de deus.

Quando os Correios dão prejuízo de R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões num ano só, quem é que paga? Somos nós, né?

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Do jeito que ele fala, parece que as empresas que continuam sob controle estatal são um exemplo de gestão. Como o sr. analisa isso?

Vamos pegar o exemplo dos Correios. Quando os Correios dão prejuízo de R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões num ano só, quem é que paga? Somos nós, né? Pouca gente fica sabendo, porque é o Tesouro Nacional que faz o aporte de capital na companhia, para cobrir o prejuízo. Agora, o Tesouro Nacional é um jeito fofo de chamar o nosso dinheiro, o dinheiro dos nossos tributos, dos impostos que a gente é obrigado a pagar. Então, essa é a diferença entre privatizar e não privatizar. Se a privatização dá certo, legal. Quem tomou risco se deu bem. E, se deu errado, tudo bem também, porque não é a gente que vai arcar com a perda. Muita gente fala “ah, mas o serviço é péssimo, o atendimento aos usuários do celular é ruim”. Troca de operadora. Na telefonia fixa, não tinha como fazer isso, mas na telefonia de celular a concorrência é grande, com uma tecnologia sempre atualizada, up to date. Não dá para compara isso com qualquer serviço estatal, como os Correios.

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