Além de excelente economista, Mário Henrique Simonsen era ótimo frasista. É dele a máxima: “A inflação aleija, mas o câmbio mata.” Ex-ministro da Fazenda, Simonsen se referia à armadilha que fez o Brasil quebrar algumas vezes nas décadas de 1970 e de 1980, a da falta de reservas em dólar para pagar compromissos internacionais. Este problema foi sanado quando fizemos no Banco Central um trabalho de acúmulo de reservas e chegamos a US$ 288 bilhões. Hoje o Brasil tem US$ 336 bilhões. Não há chance de o país quebrar por falta de dólares, como no tempo em que Simonsen cunhou a frase.
Costumo dizer que, por causa do volume de reservas, a economia brasileira aguenta desaforos. A prova é tudo o que ocorreu na política fiscal nos últimos três anos. Por isso, vi com curiosidade a ideia do Ministério da Economia de estabelecer uma meta para as reservas internacionais. O Banco Central teria de vender dólares se as reservas estivessem acima da meta e comprar se estivessem abaixo.
Vejo vários problemas na ideia. Ao estabelecer a meta, o governo interferiria na autonomia do Banco Central, conquistada na minha gestão e oficializada por lei no ano passado.
Vejo vários problemas na ideia. Ao estabelecer a meta, o governo interferiria na autonomia do Banco Central, conquistada na minha gestão e oficializada por lei no ano passado. A meta tiraria do Banco Central um poder essencial para “enfrentar” o mercado em momentos de tensão, que é não revelar até onde pode ir na venda – ou compra – de dólares. O mercado saberia o limite do BC e poderia encurralá-lo para forçar a cotação para cima.
Uma meta para as reservas que pode obrigar o Banco Central a vender dólares serve também para reduzir a dívida pública
Dou um exemplo da utilidade deste poder do BC. Na crise de 2008, diante do pânico e da busca por dólares por investidores que queriam sair do Brasil, anunciei que o Banco Central venderia dólares. Perguntaram-me quanto; eu disse “quanto for necessário”. Diante da insistência dos repórteres, disse “até US$ 50 bilhões”. Quem especulava, se recolheu e perdeu dinheiro. O mercado se acalmou e o dólar caiu. Com uma meta, isso seria praticamente impossível.
Por fim, há outro risco. No mês passado, o Tesouro Nacional divulgou a ideia de trocar o teto de gastos por uma meta da dívida pública. Como falei na coluna anterior, isso abriria a porta para a pressão sobre o Banco Central para baixar os juros e facilitar o cumprimento da meta. Uma meta para as reservas que pode obrigar o Banco Central a vender dólares serve também para reduzir a dívida pública. Juntas, as duas ideias são formas de tentar controlar a dívida sem controlar gastos. Seria melhor para o país o governo deixar de lado ideias que mudam o que está funcionando, como as reservas e o teto de gastos, e concentrar-se nas reformas importantes, como a administrativa e tributária. l
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