SÃO PAULO - Ministro da Fazenda no governo Michel Temer e presidente do Banco Central nos oitos anos do governo Lula, Henrique Meirelles deu apoio à candidatura do petista na reta final das eleições em que a campanha do ex-presidente trabalha para ganhar no primeiro turno.
Ao Estadão, Meirelles diz que Lula já está falando as “coisas certas”, como a intenção de fazer as reformas administrativa e tributária, e que a responsabilidade fiscal vai prevalecer com ele novamente na Presidência da República. “Coisas certíssimas. O que precisa é fazer a sintonia fina agora”, disse ele, que insiste na necessidade de manutenção do teto de gasto, regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação, criada por ele e sua equipe no Ministério da Fazenda.
Meirelles não descarta integrar a equipe de Lula, se convidado, mas diz que agora não é o momento de discutir isso. “Como eu disse e já dizia desde aquela época, eu não perco tempo decidindo sobre hipóteses. Se ele ganhar a eleição e quiser conversar comigo, aí vamos conversar”, afirma.
Para Meirelles, a declaração do ex-presidente Lula de que vai revogar o teto de gastos foi equivocada. “Ele falou essa questão do teto, mas, por outro lado, falou coisas muito certas, de fazer a reforma administrativa e a reforma tributária. Isso está certo. Ele está bem assessorado aí. É apenas uma questão de discutir isso com maior profundidade”, disse.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão depois da declaração de apoio à campanha de Lula.
Por que o sr. decidiu apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o que está vislumbrando pela frente?
Eu me baseei na minha experiência concreta, trabalhando com ele durante os oitos anos no primeiro e segundo mandatos dele. Em primeiro lugar, fizemos um acordo na época de independência e autonomia do Banco Central. Ele cumpriu o acordo. Foi uma experiência de trabalho muito bem recebida. Os resultados foram extremamente positivos. Durante esses oitos ano, o Brasil cresceu uma média de 4% ao ano. O País criou quase 11 milhões de empregos. Mais de 40 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza. Quando assumimos, encontrei um acordo com o Fundo Monetário Internacional. O Brasil dependia da aprovação do fundo para adotar uma série de medidas, que o FMI determinava, em última análise, a política fiscal do País. Compreensível, porque o Brasil era devedor. Chegamos a sacar toda a linha (de empréstimo) para pagar compromissos. As reservas internacionais, que eram US$ 37 bilhões quando assumi, pagando todos os compromissos chegou a US$ 15 bilhões. E começamos a fazer todo o trabalho. Foi tudo muito bem sucedido.
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Há poucos dias o sr. defendeu a manutenção do teto de gastos e se posicionou contrário à sua flexibilização, alertando que seria abrir uma porta para o descontrole. O ex-presidente Lula já disse que vai revogar o teto. Não é contraditória essa decisão?
O que eu disse, e fui muito claro lá, foi que uma das razões era exatamente o fato de que ele (Lula) no primeiro mandato teve austeridade fiscal, entregou superávits primários etc. E a minha suposição é de que essa responsabilidade fiscal vai prevalecer.
Mas o ex-presidente fala abertamente em acabar com o teto, que foi o sr. que criou...
Exatamente. Eu acho que é uma declaração equivocada. Já disse que ele está sendo mal assessorado nesse aspecto.
E o ex-presidente falou o que para o sr.?
Ele não fez comentários. Nós não chegamos a ter uma discussão direta para discutir política econômica. Não é o momento. Inclusive eu não gosto de ficar muito discutindo hipóteses. Em 2002, eu recebi emissários e tal que me diziam para eu me preservar e não me candidatar na época. Eu tinha saído da presidência mundial do BankBoston e era candidato aqui para deputado federal. Eu disse a mesma coisa, que não trabalho sobre hipóteses. Fiz a minha campanha, me elegi como deputado federal pelo PSDB. Em dezembro de 2002, ele me convidou para ser presidente do BC. Nós acertamos as condições e aceitei. Nós evidentemente vamos conversar no devido tempo. Agora, eu resolvi fazer um movimento em que que acredito que a responsabilidade e a realidade vão prevalecer.
O sr. vai participar de um eventual governo Lula, caso ele ganhe as eleições?
Como eu disse e já dizia desde aquela época, eu não perco tempo decidindo sobre hipóteses. Se ele ganhar a eleição e quiser conversar comigo, aí vamos conversar. Se não, tudo bem. Ou ele não ganhar ou ele não me convidar. O que eu quero dizer é o seguinte: frente uma coisa concreta eu vou parar para pensar e conversar.
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O sr. disse que Lula está sendo mal assessorado no ponto do teto de gastos. O que é central na política econômica?
Ele falou essa questão do teto, mas por outro lado ele falou coisas muito certas, de fazer a reforma administrativa e de fazer a reforma tributária. Isso está certo. Ele está bem assessorado aí. É apenas uma questão de discutir isso com maior profundidade. Com uma reforma administrativa bem feita, a tributária, pode respeitar o teto e fazer programas sociais, investimentos em infraestrutura e o País crescer muito ao mesmo tempo. Aliás, como fiz aqui em São Paulo.
O sr. não respondeu: qual o ponto que é central da política econômica?
Não é um só. Não existe nada tão simples assim. É uma combinação. De um lado, fazer reforma administrativa. É a número 1. E a tributária em seguida. Abrir espaço fiscal, diminuir fortemente as despesas de financiamento da máquina federal, e aí poder seguir o teto, respeitando ele, e ao mesmo tempo fazendo política social, investimento em infraestrutura etc. À medida que se respeita o teto de gastos, isso restaura a confiança e o País volta a crescer e criar emprego e renda.
Com essa posição, o sr. vai ter que ter um trabalho de convencimento do presidente Lula?
Ele já está falando coisas certas. Da reforma administrativa, da reforma tributária. Coisas certíssimas. O que precisa é fazer a sintonia fina agora.
O que é definidor nessa questão do teto de gastos?
É importante mencionar que esta gerando muita confusão. Os dois candidatos (Lula e Bolsonaro) estão dizendo que precisam manter os gastos sociais. É fato. Isso é importante, além da questão do encolhimento dos gastos de infraestrutura. A saída não é mudar o teto de gastos e entrar nessa discussão sem fim de flexibilizar e qual é o critério, como é que faz, todo mundo tentando enfiar o seu interesse lá, setores empresariais, políticos, regionais. A solução é fazer uma reforma administrativa como fizemos em São Paulo, que dá resultado de longo prazo, mas também relativamente rápido. Eu acho que a reforma da Previdência só saiu porque teve de gasto.
Por quê?
Porque força a fazer as reformas, a definição de prioridades. Se não tem teto, não faz essas reformas porque a resistência é muito grande. Com o teto, entre uma coisa e outra, é viável.
Os economistas do PT sempre foram muitos críticos ao sr., que sempre enfrentou resistência deles no governo Lula.
É norma. Isso aconteceu quando eu estava no Banco Central. É normal. Como já dizia Nelson Rodrigues, muito expressivo, toda unanimidade é burra.
A repercussão do mercado foi muito positiva, que fala em efeito “Meirelles”...
Foi muito positiva, espetacular. Melhor do que eu esperava. É confiança. O mercado deu uma mensagem do que ele espera e demanda de qualquer governo. Por que a minha palavra tem essa diferença toda? É uma questão de credibilidade, de carreira, de tudo que eu já fiz. Basicamente é isso. As pessoas confiaram que existe a possibilidade de o Lula fazer as coisas certas. Foi uma mensagem. Agora me perguntaram numa reunião: o que o sr. fez? Eu empurrei as coisas na direção certa, do que o Brasil precisa.
A família Bolsonaro criticou com ironia o apoio do sr. a Lula. Como avalia isso?
Normal. Política não gosta de apoio ao adversário. Surpreendente seria o contrário.
Como o sr. vê a proposta de waiver (licença para gastar) que o PT e o governo do presidente Bolsonaro falam para financiar os gastos já contratados no início de 2023, principalmente com o Auxílio Brasil?
Eu não sei do que se trata. É uma coisa muito genérica e aberta.
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