RIO - Cotado para assumir o comando da Petrobras ou a presidência do conselho de administração da estatal, o atual presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, provoca temor entre investidores. Ele é visto por analistas e agentes de mercado como uma figura essencialmente política e de inclinação intervencionista, um figurino que não seria o ideal para uma empresa do porte e da importância da Petrobras. No banco de desenvolvimento, porém, Mercadante tem feito gestão considerada “sóbria” e respaldada pelo corpo de funcionários de carreira.
Objetivamente, o mercado financeiro receia que Mercadante instrumentalize a Petrobras para tentar estimular a economia, por exemplo, a partir da ampliação massiva de investimentos em embarcações construídas no Brasil e refinarias sem retorno adequado para a companhia.
O analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, diz que o atual presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, faz uma gestão reconhecida como “satisfatória” pelo mercado e que uma eventual substituição por Aloizio Mercadante emite sinal ruim ao investidor, independente do trabalho realizado recentemente no BNDES.
“Mercadante não é bom nome para uma empresa de petróleo. Prates tem um histórico no setor e vem tendo gestão satisfatória, tentando conciliar ao máximo os interesses da empresa e do governo. Isso ficou claro quando ele desenhou a nova política de preços, que saiu da paridade de importação (PPI), mas foi bem aceita pelo mercado”, diz. “O mesmo aconteceu quando ele aprovou uma política de dividendos mais fraca que a anterior e um plano estratégico maior, mas que também foram bem aceitos pelos investidores.”
“Por mais que Prates tenha dificuldades, é uma gestão satisfatória, e não me parece boa ideia trocá-lo por um nome com peso político muito grande”, continua o analista.
No ano passado, em um seminário sobre transição energética, Mercadante deu uma pista da visão que tem sobre a Petrobras. “Eu podia ficar quieto aqui porque nós temos cerca de R$ 20 bilhões em ações da Petrobras e nós recebemos, ano passado, 100% do que aplicamos. Isso é excelente. É uma vaca leiteira pagando dividendo. Mas o Brasil precisa muito mais da Petrobras”, disse.
A fala se referia aos dividendos da Petrobras em 2022, sob o governo Bolsonaro - quando a empresa foi classificada como a segunda maior pagadora de dividendos do mundo. Sobre os proventos relativos ao exercício de 2023, em discussão no Planalto, o chefe do BNDES tem sido discreto.
Essa visão, de qualquer forma, se encaixa no que o presidente Lula prega como função da empresa. Investir em refinarias, estaleiros, gasodutos, como forma de estimular a economia e gerar empregos. Mas analistas lembram que essa é fórmula que foi usada nas primeiras gestões petistas e quase levou a empresa à falência, em meio a um grande escândalo de corrupção.
Procurado, Mercadante não comentou as críticas, mas enviou os números de sua gestão no BNDES (leia mais abaixo).
Montanha-russa das ações
A possibilidade de troca no comando da Petrobras, que ganhou mais força esta semana com o nome de Mercadante à frente, provocou uma verdadeira montanha-russa nas ações da empresa. Durante a sexta-feira, 5, os papéis da estatal alternaram quedas agudas relacionadas à crise do comando e recuperações ancoradas na possível liberação de dividendos extraordinários, na alta da cotação internacional do petróleo e, também, numa possível inclinação do próprio Mercadante em permanecer no BNDES, como apontou o Broadcast.
Perto do meio-dia da sexta-feira, a companhia chegou a exibir valor de mercado inferior a R$ 500 bilhões, queda relevante para uma empresa que atingiu a marca histórica de R$ 571,4 bilhões há pouco mais de um mês, em fevereiro. No início da tarde, a Petrobras recuperou o fôlego em função da alta da commodity e de uma articulação que começou a ser construída para levar Mercadante não mais ao comando executivo da Petrobras, mas à presidência do seu conselho de administração. No fim do dia, refletindo o dia confuso, as ações ordinárias (ON, com direito a voto) caíram 0,20%, enquanto as preferenciais (PN, sem direito a voto) subiram 0,58%.
Leia também
O martelo sobre a crise na Petrobras deve ser batido nos próximos dias. O presidente Lula voltou para Brasília na sexta-feira, após um périplo pelo Rio de Janeiro e Estados do Nordeste. Prates tenta uma reunião com Lula na próxima segunda-feira para selar o seu destino.
Retrospecto no BNDES
Em seu primeiro ano de gestão no BNDES, Mercadante enfrentou o ceticismo do mercado financeiro e, no fim das contas, correspondeu ao objetivo do governo de aumentar o volume de crédito ofertado pelo banco, que havia encolhido no governo de Jair Bolsonaro.
O BNDES teve atuação importante em meio à retração do mercado de crédito que marcou o pós-crise das varejistas, desencadeado pelo caso Americanas. Segundo um alto funcionário de carreira do banco, que pediu para não ser identificado, a administração Mercadante é bem vista internamente e a operação do banco tem fluído bem, sem anomalias.
Presidente do BNDES no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, Luiz Carlos Mendonça de Barros avalia que Mercadante faz bom trabalho, sem confrontar a “burocracia” do banco e respeitando mecanismos de controle. Ele destaca que o mandatário entendeu a importância de aumentar o crédito do banco ao agronegócio, historicamente limitado. Uma das inovações nesse sentido foi a criação de uma linha em dólar para o setor.
E adverte: “Ele (Mercadante) que pense bem antes de fazer essa mudança, porque Petrobras é algo completamente diferente. O banco é uma instituição mais protegida, que não tem nenhuma atividade de maior inserção política e existe para responder às provocações do governo, aos projetos do Executivo. Na Petrobras não é bem assim que funciona”, diz Mendonça de Barros. “Se o Lula pedir, ele vai ter de ir, não vai ter jeito. Mas sairia de lugar confortável para entrar numa briga.”
Para o ex-presidente do BNDES, Mercadante tem marcado um retorno do banco à normalidade. “O Paulo Guedes queria ver o BNDES morto. O banco passou por um período de ‘super irritação’ com a Dilma e, depois, mergulhou em governos que eram contrários à sua função. No governo Bolsonaro, havia um consenso de que o banco não fazia diferença na economia. Mas há empresas que só existem hoje graças ao BNDES. Sem as garantias de performance que o BNDES deu aos aviões da Embraer, essa empresa não existiria, para citar só uma”, afirma.
Números do banco
De acordo com o BNDES, as aprovações de operações de crédito, que representam a formação de uma carteira de projetos de investimento para “transformar o País”, atingiram R$ 175 bilhões neste primeiro ano, o maior valor desde 2015. Já os desembolsos de recursos foram de R$ 114 bilhões, um incremento de 17% em relação a 2022.
Houve aumento no financiamento à indústria (R$ 40 bilhões); inovação, com mais R$ 5 bilhões, e exportações, com aprovações acima de R$ 13 bilhões. Operações com Estados e municípios foram retomadas, com mais de R$ 20 bilhões em crédito para entes subnacionais, e fundos como o Amazônia e Clima foram reativados e reforçados, para suportar o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda.
Durante a divulgação do último resultado financeiro, relativo ao quarto trimestre, o diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, Nelson Barbosa, disse que trabalha com uma expectativa de desembolsos entre R$ 125 bilhões e R$ 160 bilhões ao longo de 2024, o que ficaria entre 1,1% e 1,4% do PIB do País. Em 2023, os desembolsos do BNDES alcançaram 1,1% do PIB, ante 1% em 2022. A ideia, portanto, é promover aumento gradual na participação do banco no mercado de crédito, sem aventuras que poderiam comprometer a credibilidade da gestão.
Alvos de questionamento, as operações subsidiadas em 2023 não teriam passado da faixa de 18% dos desembolsos, sendo o restante, 82%, realizadas a taxas de mercado, conforme disse Barbosa na ocasião. A fonte do banco ouvida pela reportagem afirma que esse porcentual aponta para bom nível de controle nessa frente.
No fim de janeiro, o mercado reagiu mal ao enxergar um “voo ao passado”, quando o BNDES anunciou a gestão de R$ 250 bilhões em recursos voltados ao financiamento da indústria, no âmbito do programa Nova Indústria Brasil (NIB). A leitura foi de novo risco de inchaço à operação e volta de subsídios excessivos, na contramão das políticas de saneamento fiscal da Fazenda. Sobre isso, Barbosa já disse que, aí, 64% dos recursos serão financiados a taxas de mercado e que taxas direcionadas ficarão restritas ao Fundo Clima e iniciativas voltadas à inovação.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.