Com o fim do ciclo de aperto monetário do Federal Reserve (Fed) à vista, o mercado agora tenta antever o momento da guinada para o corte de juros. A expectativa de investidores é de que o processo de relaxamento comece ainda este ano, diante do crescente risco de que a economia dos Estados Unidos entre em recessão. Mas as turbulências no sistema bancário e a incertezas sobre se haverá aperto de crédito complicam os planos.
O primeiro trimestre já forneceu evidências preliminares de um pé no freio na atividade econômica, com crescimento anualizado de 1,1% no Produto Interno Bruto (PIB) americano, ante expansão de 2,6% nos três meses finais de 2022. O consumo e o emprego, em particular, ainda dão sinais de resiliência, mas analistas esperam que o efeito atrasado do aperto monetário irá pesar fortemente a partir de meados deste ano. A desaceleração, dizem eles, será a deixa para o chamado “Fed Pivot” - a virada para um afrouxamento das condições financeiras.
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Conforme a ata referente à reunião de março do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês), a equipe técnica do Fed já projeta uma recessão na virada deste ano para o próximo. A visão é consistente com a de boa parte de especialistas: levantamento do jornal The Wall Street Journal indicou que 61% dos economistas entrevistados, em abril, esperavam um quadro recessivo nos EUA em algum momento nos próximos 12 meses.
Até agora, os dirigentes do banco central americano têm sido claros na mensagem de que ainda não é a hora de declarar vitória na batalha contra a inflação. O próprio presidente do Fed, Jerome Powell, indicou uma tolerância para o crescimento da taxa do desemprego, do nível atual de 3,5% para pelo menos 4%.
“Embora a inflação tenha moderado nos últimos meses, o processo de reduzi-la para 2% tem um longo caminho a percorrer e provavelmente será acidentado”, afirmou ele a senadores em março.
Apesar disso, ao Estadão/Broadcast, o vice-economista-chefe para os EUA da Capital Economics, Andrew Hunter, antecipa uma mudança no discurso oficial em breve, para abrir espaço a cortes de juros já em setembro. “Achamos que a inflação cairá muito mais rápido nesse estágio do que o Fed está indicando”, afirma.
Hunter acredita que o Fed evitará sinalizar os planos de relaxamento com muita antecedência, com objetivo de deixar as condições financeiras apertadas por um período maior e, assim, garantir de vez a restauração da estabilidade de preços. “Portanto, como vimos com frequência no passado, a guinada provavelmente ocorrerá rapidamente, com pouco ou nenhum aviso prévio do Fed”, prevê.
O ING lembra que, nos últimos 50 anos, a média de tempo entre o último aumento de juros do ciclo e o primeiro corte seguinte foi de seis meses. Dessa forma, o cronograma pressupõe que a redução da taxa básica viria em novembro. Segundo o banco holandês, os efeitos da quebra de bancos regionais prejudicarão a oferta de crédito, o que amplificará a pressão sobre a inflação. Nesse cenário, o Fed optará por um relaxamento monetário mais rápido, com cortes de 50 pontos-base em novembro e dezembro, prevê o ING.
Cortes podem ficar para 2024
Nem todo analista, no entanto, concorda com a trajetória delineada pelo mercado. A Oxford Economics, por exemplo, projeta duas elevações de 25 pontos-base em cada um dos encontros de maio e junho, embora não descarte a possibilidade de que haja apenas mais uma alta este mês.
A consultoria acredita que uma virada para relaxamento monetário virá apenas no começo de 2024. “Com a inflação ainda bem acima da meta de inflação de 2% do Fed, é improvável que o banco central corte as taxas tão cedo quanto os mercados preveem, porque quer evidências claras de que quebrou a espinha dorsal da inflação”, ressalta.
O Danske Bank também vê cortes de juros “bem distantes” no horizonte e espera a manutenção da taxa dos Fed Funds no pico entre 5% e 5,25% pelo resto deste ano. A curva de rendimentos invertida - isto é, o retorno de títulos públicos de curto prazo mais elevados do que os de longo prazo - permitirá que o BC aperte a política monetária passivamente sem precisar fazer novos ajustes, de acordo com o banco. “Ainda achamos que manter as taxas em níveis modestamente restritivos por períodos mais longos assegura o melhor equilíbrio entre evitar um pouso forçado e garantir que a inflação caia de vez”, avalia.
Para o Rabobank, o Fed deve incorporar de maneira mais relevante as condições de crédito nas deliberações sobre os próximos passos da política monetária. Os eventos em torno do First Republic ampliaram os temores relativas ao setor bancário, que vinham relativamente adormecidos desde a quebra de Silicon Valley e Signature Bank e a fusão do UBS com o Credit Suisse, em março. “Se o aperto de crédito não terminar o trabalho do Fed (contra a inflação), o Fed pode ter de retomar o ciclo de alta de juros até que a economia dos EUA finalmente entre em recessão”, alerta o Rabobank.
Teto da dívida no radar
Os planos podem ser complicados ainda pelo impasse quanto ao teto da dívida americana. Ontem, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, estimou que o governo pode ficar impossibilitado de cumprir obrigações a partir de 1° de junho se o limite não for elevado. Sob o controle dos republicanos, a Câmara dos Representantes aprovou, na semana passada, um projeto que prevê o aumento do teto em troca de cortes de gastos, que o presidente dos EUA, Joe Biden, considera inaceitáveis.
Os integrantes do Fed tem repetido o discurso de que não querem se intrometer em questões fiscais, que são de responsabilidade do legislativo e do executivo. De qualquer forma, Powell já alertou que a autoridade monetária seria incapaz de proteger a maior economia dos EUA dos efeitos de um eventual default. “Há apenas um caminho a seguir aqui, e é o Congresso aumentar o teto da dívida”, disse.
Na análise da Oxford Economics, uma batalha prolongada para ampliar o teto representaria um choque externo que poderia dificultar o objetivo do Fed de alcançar um “pouso suave”, isto é, restaurar a estabilidade de preços sem um impacto significativo no emprego e na atividade econômica.
A consultoria já espera uma recessão a partir do terceiro trimestre. “Mas, como a maioria dos observadores, nossa previsão de cenário base não leva em conta um primeiro calote da dívida que poderia gerar tremores secundários imprevisíveis e talvez mais duradouros”, adverte.
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