BRASÍLIA - O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, afirmou nesta terça-feira, 23, que o mercado de crédito continua a ser o principal vetor para a desaceleração da economia. Segundo dados da Secretaria de Política Econômica (SPE), as concessões bancárias, na modalidade livre, continuaram recuando na comparação trimestral, livre de efeitos sazonais.
“As taxas de juros e o spread bancário também seguiram em trajetória de alta na mesma base de comparação, culminando em maior custo do crédito e inadimplência, tanto de pessoas físicas como jurídicas”, diz o Boletim Macrofiscal divulgado pelo órgão.
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Em entrevista sobre os dados, Mello afirmou que a situação da economia brasileira tem surpreendido positivamente e que indicadores sugerem um crescimento para o primeiro trimestre acima do esperado, inclusive pela SPE. Segundo ele, há possibilidade de esse “ímpeto” de maior crescimento prosseguir nos próximos meses. Para sustentar esse otimismo, ele citou a perspectiva para a safra e a exportação de bovinos, suínos e aves.
A projeção de crescimento para o PIB do 1º trimestre foi revisada de 0,8% para 1,2%. Outro indicador destacado por Mello foi o do mercado de trabalho, que continua resiliente, mesmo que não esteja num estado “extremamente aquecido”.
“Isso não significa mercado de trabalho propriamente aquecido, mas significa mercado que cresce num ritmo que garante que seja desocupação, seja rendimento, possam se recuperar e seguir sustentando taxa de crescimento um pouco maior do que o esperado no primeiro relatório”, apontou o secretário, acrescentando que o aumento de renda ajuda também a explicar o comportamento acima do esperado para o setor de serviços.
Espaço para corte de juros
Para Mello, o comportamento das economias americanas e chinesas abre espaço para mudanças nas políticas monetárias de outros países, como o Brasil.
“Esse cenário de desaceleração mais robusta dessas economias pode levar a um ciclo de redução da taxa de juros dos EUA ainda neste ano. Há um debate sobre qual momento isso vai ocorrer, mas acreditamos que um conjunto de informações indica que essa desaceleração pode levar o banco central americano a reduzir a taxa de juros, o que abre espaço para mudanças na política monetária de outros países, como Brasil”, disse.
Mello destacou que os EUA vivenciam uma desaceleração nos mercados de trabalho e de crédito, com dados de inflação também apresentando a mesma trajetória. “Verdade que núcleos seguem resistentes, mas já há primeiros sinais de desaceleração”, disse o secretário, destacando também um processo de erosão acelerada nos níveis de poupança do país. “Isso deve afetar o crescimento nos próximos trimestres”, apontou.
Mello ressaltou ainda que o aumento de juros nos EUA, “sem precedentes”, tem gerado ruídos no mercado, como o bancário. “Do ponto de vista do crédito do consumidor, que também já é fruto do impacto da política monetária, com aumento expressivo da taxa de juros”, disse.
“E essa combinação de fatores, taxa de juros mais elevada com redução de depósitos e enfraquecimento de bancos menores e regionais leva a desaceleração mais forte de crédito, e desaceleração do mercado residencial”, concluiu.
Sobre a China, o secretário destacou que os últimos dados do país asiático “refreiam” o otimismo com a economia chinesa. “Isso tem impacto na dinâmica de vários preços decisivos na economia mundial. Uma frustração na China e a normalização das cadeias levam a queda de commodities. E percebemos alívio maior na pressão das cadeias de suprimento”, pontuou.
Desaceleração da inflação
O secretário afirmou também que o processo de desaceleração da inflação tende a permanecer, destacando uma “queda expressiva” do indicador no atacado. “O arrefecimento nos preços de alimentação e de bens industriais reflete principalmente a descompressão de custos no atacado, que vem ocorrendo desde os últimos trimestres de 2022″, diz trecho do novo Boletim Macrofiscal.
Com a queda no preço dos alimentos, destacou Mello, a inflação se torna menos danosa para o mais pobres. “Vemos desaceleração expressiva em 12 meses de IPCA e média dos núcleos”, afirmou.
Segundo ele, a expectativa é a de que a média dos núcleos se aproxime do intervalo da meta em 2023. No boletim divulgado, a previsão da Fazenda para o IPCA passou de 5,31% para 5,58% ao ano em 2023, mas a média das métricas de núcleo deve fechar o ano entre 5,20% e 5,30%. “Para a média dos cinco principais núcleos, no entanto, a expectativa é de variação entre 5,20% e 5,30%, sinalizando convergência da inflação subjacente ao intervalo da meta”, diz o boletim.
Na entrevista, Mello afirmou que, após a apresentação do novo arcabouço fiscal pelo governo, houve uma “queda expressiva” na curva de juros. As regras ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso. “Dólar tem se mantido abaixo de R$ 5 há algum tempo, o que tem efeito sobre a inflação”, disse.
Ele também pontuou que a expectativa de PIB no Brasil ainda está abaixo de 2022 — em 1,9%, segundo o mais novo boletim — “mas se aproximando de 2%”. “Agro e alta da renda, com políticas públicas, são vetores de alta para PIB”, disse.
Déficit fiscal
Mello afirmou que a pasta continua comprometida em entregar um déficit fiscal próximo a 1% do PIB em 2023. O compromisso foi assumido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, logo no início do governo Lula.
Questionado sobre afirmações da equipe de que a meta para este ano seria de aproximar esse déficit em até 0,5% do PIB, Mello respondeu que o ministério ainda acredita ser possível chegar a esse patamar. Ressaltou, contudo, que o “alvo sempre” foi de 1%.
“É possível ter déficit primário melhor que 1% do PIB, com base em projeções de atividade”, disse o secretário em coletiva de imprensa sobre o Boletim Macrofiscal divulgado nesta terça.
O secretário pontuou que o cenário fiscal do governo não depende apenas da Fazenda, mas também de medidas que estão em discussão no Congresso Nacional, como o arcabouço fiscal, a reforma tributária e o retorno do voto de qualidade de Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
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