Mercado espera sinais do rumo da crise global em Simpósio de Jackson Hole, nos Estados Unidos

Expectativa é de que o Federal Reserve reforce o foco no controle da inflação mesmo que isso custe o crescimento da maior economia do mundo

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Aline Bronzati

NOVA YORK - Wall Street só tem olhos para a pequena cidade de Jackson Hole, no interior de Wyoming, nos Estados Unidos, que reunirá a nata de banqueiros centrais e economistas em tradicional encontro sobre política monetária nesta semana. Do simpósio, que volta ao formato presencial pela primeira vez desde a pandemia de covid-19, são esperadas evidências mais cristalinas quanto à subida de juros nas principais economias, em especial, nos EUA, cuja expectativa é de que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) reforce o foco no controle da inflação mesmo a custas do crescimento da maior economia do mundo.

Com o tema “Reavaliação das restrições à economia e à política”, o evento acontece entre os dias 25 e 27 de agosto, em sua 45ª edição. Organizado pelo Fed de Kansas City, o simpósio é uma das conferências bancárias centrais mais antigas do mundo e reúne grandes economistas, além de nomes de respeito do mercado financeiro, acadêmicos e representantes de governos de diferentes países, incluindo o Brasil, para discutir o futuro da política monetária mundial.

Expectativa é de que o Federal Reserve reforce o foco no controle da inflação mesmo que isso custe o crescimento da maior economia do mundo  Foto: Paulo Vitor/Estadão

PUBLICIDADE

Apesar de os principais banqueiros centrais globais, o Fed e o Banco Central Europeu (BCE), terem abandonado o forward guidance, ou seja, uma orientação quanto aos próximos passos de suas políticas monetárias em suas últimas reuniões, a ansiedade pelo simpósio é grande. Investidores e analistas buscam sinais para o processo de aperto das condições financeiras nas principais economias desenvolvidas sob o temor de uma recessão à vista. O economista-chefe da Capital Economics para os EUA, Andrew Hunter, não espera, porém, “fogos de artifício” de Jackson Hole, em um claro sinal de que parte da expectativa do mercado pode ser frustrada.

O momento mais aguardado do simpósio é a fala do presidente do Fed, Jerome Powell, sob o tema “Perspectivas Econômicas”. Ele discursa na sexta-feira, dia 26, às 11 horas, de Brasília. Economistas consultados pelo Estadão/Broadcast esperam que o líder dos falcões reitere seu foco em conter a escalada da inflação, que apesar da trégua de julho segue com pressões subjacentes, ainda que ao custo de a maior economia do globo ter de crescer abaixo do seu potencial, sob o temor, inclusive, de uma recessão à frente.

Publicidade

Para o economista-chefe para os EUA do Citi, Andrew Hollenhorst, há o risco de Powell ter um discurso mais duro em relação ao controle da inflação em Jackson Hole na esteira das falas de outros dirigentes do Fed, que têm reiterado a urgência de botar a inflação dos EUA nos trilhos. “Acho que não podemos dizer que há uma certeza, mas há pelo menos um risco”, afirma, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Hollenhorst explica que as perspectivas da inflação nos EUA o fazem ter uma expectativa mais austera quanto a Jackson Hole, mas pondera que Powell pode não ir nesta direção, preferindo aguardar novos dados da economia norte-americana. “Então, talvez tenhamos um Jackson Hole mais neutro, e, então, teríamos um sinal potencialmente austero em setembro”, diz o economista do Citi, ponderando preocupações com o quão forte é o mercado de trabalho nos EUA para aguentar o tranco de juros ainda mais altos.

No geral, Wall Street espera que Powell seja cauteloso em seu discurso em Jackson Hole e evite comemorações antecipadas após dados de julho sugerirem que o pico da inflação nos EUA pode ter sido superado. A própria presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, alertou que ainda é muito cedo para a autoridade “declarar vitória” em sua luta contra a inflação elevada, em entrevista recente ao britânico Financial Times.

“A ata da reunião de julho deu um vislumbre do que provavelmente será um tema importante do simpósio de Jackson Hole: gerenciar os riscos de declarar uma vitória prematura sobre a inflação”, reforça o também britânico Barclays, em comentário a clientes.

Publicidade

Até mesmo porque, antes da próxima reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), em setembro, são esperados novos dados dos Estados Unidos, incluindo o comportamento dos preços e do mercado de trabalho em agosto. Sem eles, Powell pode preferir ser mais contido em seu discurso em Jackson Hole, uma vez que tem reforçado o peso da saúde da economia para o ritmo de aperto monetário nos EUA.

“Prevemos que aumentos contínuos serão apropriados. O ritmo desses aumentos continuará a depender dos dados recebidos e das perspectivas em evolução para a economia”, afirmou Powell, em coletiva de imprensa após a reunião de julho, quando o Fed elevou os juros dos EUA em mais 75 pontos-base pela segunda vez consecutiva.

O Brown Brothers Harriman (BBH) avalia que, diferente dos últimos anos, quando o Fed usou o simpósio de Jackson Hole para sugerir mudanças em sua política monetária, agora, a autarquia não vai querer se comprometer antes da próxima reunião, em setembro. “Em vez disso, esperamos que o Fed tente gerenciar as expectativas do mercado”, afirma.

Para a reunião seguinte do FOMC, que acontece em novembro, o mercado segue dividido e pende mais para um lado ou outro a depender de novos dados nos EUA. Ao menos até aqui, a maioria (54,5%) espera uma terceira elevação de 75 pontos-base, enquanto as chances de uma alta menor, de 50 pontos-base estão em 45,5%, conforme o levantamento da plataforma CME Group. O cenário mudou desde a semana passada, quando as probabilidades estavam em 47% e 53%, respectivamente.

Publicidade

Na visão da Capital Economics, o Fed deve desacelerar o ritmo de aperto monetário nos EUA, elevando os juros básicos em 50 pontos-base na reunião de setembro, para a faixa entre 3,75% e 4,00% no início de 2023. “Não parece haver muita necessidade de o presidente Powell ajustar as expectativas quando falar em Jackson Hole na próxima sexta-feira”, avalia Hunter, da Capital.

Para além do ritmo de altas nos juros norte-americanos, o Bank of America afirma que não espera um pivô na postura do Fed em termos de um possível corte de taxas no horizonte. Powell, na visão do gigante de Wall Street, deve repetir a mensagem de que uma política restritiva é necessária até que se tenham evidências “claras e convincentes” de que a inflação nos EUA convergirá à meta de 2% ao longo do tempo.

Brasil no em Jackson Hole

O Brasil será representado pela diretora de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central (BC), Fernanda Guardado, no simpósio de Jackson Hole, que começa na próxima quinta-feira, dia 25. O presidente do BC, Roberto Campos, não irá ao encontro de banqueiros centrais por uma questão de agenda.

Guardado vai participar do evento, mas não está previsto discurso na ocasião. No passado, geralmente, era o chefe da autoridade brasileira quem marcava presença em Jackson Hole. Nos últimos anos, porém, isso mudou e outros representantes da autarquia passaram a representar o Brasil no tradicional simpósio de política monetária.

Publicidade

O presidente do BC participou da edição de 2020, quando o evento foi realizado no formato virtual pela primeira vez por conta da pandemia do coronavírus. No ano passado, a organização do evento, sob a tutela do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) de Kansas City, cogitou voltar ao formato presencial, mas por conta da variante delta, que piorava os números da covid-19 na ocasião, o modelo live foi repetido. Em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, quem representou o País foi o então diretor de Política Econômica do BC, Carlos Viana de Carvalho, que na época estava de saída do órgão.

Com o Brasil em plena corrida eleitoral, o foco é doméstico a despeito do impacto que o país pode ter em uma eventual recessão nos EUA na esteira da subida de juros para controlar a maior inflação em mais de quatro décadas no território norte-americano. Como os líderes das pesquisas eleitorais, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já sinalizaram que Campos fica, ao menos até 2024, conforme prevê a lei da autonomia do BC, aprovada no atual governo, não faltarão oportunidades para marcar presença em Jackson Hole.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.