Mercado ficou decepcionado com medidas fiscais, diz economista-chefe do C6

Analistas avaliam que governo errou ao misturar dois temas em um só anúncio: o pacote de gastos e mudanças no imposto de renda

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O economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, disse nesta quinta-feira, 28, que há uma decepção do mercado financeiro com o pacote de medidas fiscais anunciado ontem e detalhado hoje pelo governo. De acordo com ele, há motivos internos e externos para que o dólar esteja nos atuais patamares. “Temos um problema fiscal na economia brasileira, não é de hoje, e não é um exagero falar que é de décadas”, disse ele em encontro do banco com jornalistas.

Após fechar na maior cotação nominal da história do real na quarta-feira, 27, o dólar chegou a ultrapassar os R$ 6,00 na manhã desta quinta, com o mercado reagindo mal às medidas. Além de serem consideradas tímidas, foram ofuscadas pelo anúncio da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, o que gerou preocupação de aumento do gasto público.

Segundo Salles, há motivos internos e externos para que o dólar esteja nos atuais patamares Foto: Werther Santana/Estadão

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Salles afirmou que, além das preocupações fiscais, há um fortalecimento do dólar no exterior relacionado à eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, que levou a preocupações de uma aceleração da inflação na maior economia do mundo diante do protecionismo econômico prometido por ele.

Na economia doméstica, Salles destacou que a inflação deve continuar acima da meta por algum tempo, o que também deve manter os juros altos por um período mais longo. Por outro lado, ele espera que a economia siga crescendo ano que vem, embora em ritmo mais baixo, de 1,5% a 2%, e que o mercado de trabalho continue resiliente.

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Erro do governo

A economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, avalia, em nota, que o governo errou ao misturar dois assuntos - o anúncio do corte de gastos e a desoneração do Imposto de Renda para quem tem renda de até R$ 5 mil - que deveriam ter sido apresentado em momentos distintos. “A impressão que passa é a de um governo pouco comprometido com a austeridade das contas públicas”, afirma.

A economista aponta ainda que, apesar de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforçar que a medida pressupõe uma neutralidade tributária, já que viria acompanhada de uma compensação, com a taxação extra da renda acima de R$ 50 mil. Mas não está claro, em números, como isso aconteceria.

Apesar de a Fazenda ter apresentado números, “a fala sobre como a compensação será feita foi bastante genérica, o que deixa o mercado cético sobre seu cumprimento”, afirma Veronese.

Além disso, os valores apresentados pela equipe econômica, detalha, ainda parecem insuficientes para gerar um superávit primário suficiente para estabilizar a dívida. “Para o cumprimento da meta fiscal de 2025 seria necessário algo perto de R$ 45 bilhões, o que significa que bloqueios no orçamento ainda serão necessários”, acrescenta.

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Para Veronese, o pacote de corte de gastos passa de ano, mas foi um “tiro no pé dado pelo governo” ligar ele à isenção de IR, com uma primeira reação do mercado ruim. Ela ressalta, porém, que “detalhamentos mais profundos podem reverter em parte este impacto”.

Em busca de mais receitas

O estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, avalia que a coletiva de imprensa sobre o pacote de contenção de despesas nesta manhã reforçou que o governo federal terá mais um ano para discutir como conseguir mais receitas, considerando que a medida de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil passará a valer em 2026.

O próprio disse que a medida terá impacto de R$ 35 bilhões. Já em cálculos preliminares, Cruz afirma que a taxação maior para salários acima de R$ 50 mil trará uma arrecadação entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões para o governo federal. O cálculo é preliminar, segundo o estrategista-chefe, porque “falta o governo mencionar quantos ganham acima do valor mínimo para essa nova taxa”.

Assim, “o governo terá de ir atrás de outras receitas para totalizar R$ 35 bilhões, mas a coletiva reforçou que nem tudo o que consta no documento está cravado”, avalia Cruz. Ele diz ainda que sua opinião sobre as medidas do governo melhoraram de ontem, quando só havia o pronunciamento de Haddad a rádios e TVs, para hoje, quando foram apresentados detalhes.

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Cruz pondera, contudo, que o governo “errou muito no timing” ao anunciar a isenção de IR junto com o pacote de contenção de despesas. Para ele, o mercado está tendo reação negativa nesta quinta-feira por estar “contaminado com a isenção de IR”.

“Entendo que [decisão de anunciar a isenção de IR até R$ 5 mil junto com o pacote] foi para mostrar que o governo está comprometido para diminuir desigualdade, mas poderia ter lançado essa medida na semana que vem. Se isso tivesse acontecido, hoje o mercado estaria tendo uma reação diferente”, afirma.

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