O discurso do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, ontem, tornou majoritária no mercado a percepção de que aumentou o risco de o Copom não cumprir o forward guidance (orientação) na reunião de maio, embora os cenários oficiais ainda sejam em grande parte de um corte de 0,50 ponto porcentual na ocasião.
O mercado também dissolveu a divisão sobre qual será o comportamento do colegiado no encontro seguinte, em junho, e a expectativa por um corte de 0,25 ponto na reunião tornou-se quase unânime.
Ainda ontem, a ASA Investments revisou a projeção para maio, de um corte de 0,50 ponto para um de 0,25 ponto. A casa atribui a mudança a um cenário externo mais desafiador e à constatação pelo mercado da piora fiscal doméstica.
A economista-chefe da GAP Asset, Anna Reis, também alterou a estimativa para maio. “Houve uma piora do cenário que justificaria atropelar o guidance indicado na última ata”, afirma Reis, que cita, entre os fatores da deterioração, o fortalecimento do dólar, a percepção de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tem menos espaço para cortes e os eventos recentes na conjuntura fiscal doméstica.
“Campos Neto até mencionou que, se o cenário evoluísse melhor até o próximo Copom, em maio, o corte de 0,50 ponto poderia ser mantido, mas temos só três semanas até lá”, pondera a economista. “Acho improvável uma melhora grande no que temos hoje.”
Desde a última reunião do Copom, em 20 de março - quando o colegiado já havia alterado o forward guidance, devido ao aumento da incerteza -, o dólar se valorizou mais de 5% em relação ao real, saindo da faixa de R$ 4,97 para cerca de R$ 5,24. No mesmo período, o mercado adiou a expectativa de início do ciclo de cortes pelo Fed, de junho para setembro. Agora, o debate é sobre se o BC americano realmente poderá relaxar a política monetária este ano.
No front interno, o governo anunciou esta semana uma mudança das metas fiscais definidas pelo arcabouço. O alvo para 2025, de superávit primário de 0,5% do PIB, foi revisto para déficit zero, a mesma meta deste ano.
Para o economista sênior e sócio da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto, se a reunião fosse ainda nesta semana, dificilmente o Copom reduziria a Selic em 0,50 ponto, considerando, principalmente, a pressão sobre o câmbio. Até a data do encontro, no entanto, a expectativa ainda é de alguma acomodação no cenário, permitindo a manutenção do ritmo.
“Caso persista o mesmo ambiente até a reunião de maio, uma redução do ritmo de queda torna-se o mais provável”, afirma. O cenário oficial da casa é de cortes de 0,25 ponto somente a partir de junho.
O tesoureiro do Paraná Banco Investimentos, Pedro Oliveira, concorda que aumentou a chance de redução do ritmo de cortes, mas avalia que o maior efeito não deve ocorrer na próxima reunião, e sim na taxa terminal da Selic. “Não deve ficar abaixo de 10%”, afirma.
O cenário oficial do banco é de um corte de 0,50 ponto em maio, seguido por um de 0,25 ponto em junho. “Campos Neto somente refletiu a situação atual do País”, diz Oliveira. “Mudar a meta fiscal tem consequências, e a primeira delas é termos juros mais altos por mais tempo.”
O economista-chefe do Banco BMG, Flávio Serrano, também avalia que o risco de um corte de 0,25 ponto em maio aumentou, mas, em contrapartida, não atrela esse movimento ao discurso do presidente do BC. Ele mantém a expectativa de um corte de 0,50 ponto em maio, mas recentemente diminuiu a projeção de junho para um corte de 0,25 ponto. O espaço para uma desaceleração no ritmo, afirma, foi aberto com a mudança do forward guidance em março, e reforçado pelos dados recentes de atividades e da inflação de serviços.
Já para o economista-chefe da Análise Econômica, André Galhardo, o discurso de Campos Neto não chegou nem perto de sugerir uma mudança, por ora, no ritmo de cortes. “Há uma certa histeria do mercado”, diz o analista, que também espera baixa de 0,50 ponto em maio e revisou recentemente a projeção para junho, para 0,25 ponto, diante do aumento das tensões - com o conflito no Oriente Médio - e do clima de incerteza. Ele frisa, porém, que o risco de uma antecipação da redução de ritmo não se acentuou.
“A taxa real de juros no Brasil ainda é muito elevada e a expectativa com relação à inflação continua bastante comportada”, afirma. “O BC já estava olhando com muita ressalva em relação à decisão do Fed e na última reunião não tinha ocorrido o ataque do Irã, mas já havia um grau de incerteza em relação ao Oriente Médio.”
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