Os cenários com a Selic em dois dígitos ao fim de 2024 se alastraram pelo mercado nas duas últimas semanas e, agora, são maioria. Segundo o Estadão/Broadcast, a mediana do mercado financeiro para a taxa básica de juros no fim deste ano subiu mais uma vez, desta vez para 10,25%, ante 10% em levantamento de 14 de maio. A mediana para 2025, por outro lado, permaneceu em 9%.
O movimento refletiu a deterioração das expectativas de inflação, registrada pelo boletim Focus, e declarações mais duras proferidas por membros do Comitê de Política Monetária (Copom) — incluindo a entrevista do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ao Estadão/Broadcast, e falas do diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, em evento com investidores.
“O que nós observamos foi uma série de manifestações verbais dos membros do Banco Central bem mais hawkish do que estávamos antecipando”, afirma o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Daniel Xavier. “Se o BC for entregar o que está sugerindo, a tendência é pausar o ciclo no nível atual.”
Entre 34 casas consultadas no levantamento, 23 preveem um novo corte de 0,25 ponto da Selic em junho. Outras 11, porém, já esperam que o comitê opte pela estabilidade da taxa, em 10,50%.
Xavier elevou a projeção de Selic em 9,75% no fim do atual ciclo de cortes para 10,50%. Ele avalia que ao declarar em entrevista que não poderia adiantar novos cortes, Campos Neto sugeriu que está propenso a votar por uma Selic estável em junho.
Outro vetor que corrobora a mudança na estimativa, acrescenta, foi a piora das expectativas de inflação no Focus. Na edição de segunda-feira, 20, a mediana do mercado para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2024 subiu a 3,80%, ante 3,73% há um mês, e a de 2025 alcançou 3,74%, ante 3,60% — em ambos os casos, as estimativas estão acima do centro da meta de inflação, de 3%.
O ajuste de Xavier no cenário é similar em magnitude ao realizado pela ASA Investments, que também espera agora que o comitê opte pela estabilidade da Selic, em 10,50%, em junho. O aumento das expectativas de inflação de longo prazo foi determinante para a alteração, afirma o economista Leonardo Costa.
O economista salienta que a divisão na decisão de maio do Copom também reforçou a possibilidade de maior leniência do colegiado com a inflação a partir do próximo ano, o que corrobora o aumento das expectativas de longo prazo.
Costa reconhece que Galípolo, um dos principais cotados para assumir a presidência do BC em 2025, tem sido um pouco mais duro em declarações recentes, mas diz que ainda há dúvidas no mercado se esse discurso irá se materializar em ações.
O economista-chefe da EQI Asset, Stephan Kautz, também revisou a projeção para Selic no fim de 2024, mas de 9,75% para 10,25%. Ele atribui o aumento da taxa terminal à desancoragem das expectativas de inflação e à incerteza na dinâmica fiscal doméstica. Kautz pondera, no entanto, que uma pequena melhora no cenário internacional, com desaceleração da atividade e da inflação nos Estados Unidos, abre espaço para mais um corte de 0,25 ponto porcentual da Selic.
O Santander Brasil também elevou a projeção para a Selic no fim de 2024 recentemente, mas manteve a taxa em um dígito. A estimativa passou de 9% para 9,75%. O cenário do banco, porém, tem uma peculiaridade.
O Santander avalia que o Copom deve realizar um novo corte de 0,25 ponto em junho, levando a Selic a 10,25%, e realizar uma pausa na sequência, mas somente até novembro. “(É) quando consideramos o começo dos cortes pelo Fed. Isso abriria espaço para mais dois cortes de 0,25 ponto em 2024″, escreve, em relatório.
A continuidade do ciclo de flexibilização, pondera, depende muito das expectativas de inflação não piorarem muito mais adiante. Portanto, diz, há riscos altistas para a estimativa.
Projeções
Após iniciar o ano em 9%, a mediana para Selic no fim de 2024 subiu para 9,25% em meados de março. O aumento ocorreu após surpresas para cima na inflação de serviços e mudança do forward guidance do Copom — que retirou o plural da sinalização à frente, mas manteve a indicação de manutenção do ritmo de cortes, na época de 0,50 ponto porcentual.
A mediana voltou a subir no dia 18 de abril, para 9,50%, após declarações de Campos Neto colocarem o guidance em cheque. As falas ocorreram em um momento de deterioração da situação fiscal doméstica, com a mudança das metas de resultado primário, e do cenário externo, diante da percepção de que o Federal Reserve (Fed) demoraria mais para cortar os juros nos Estados Unidos, o que gerou pressão sobre o câmbio.
O aumento da mediana ganhou novo fôlego após a reunião de maio do Copom, encerrada no último dia 8, e atingiu 10% no último dia 14. Na comunicação do encontro, que foi marcado por divisão dos membros na votação, o comitê frisou a necessidade de cautela na condução da política monetária, diante das conjunturas local e internacional incertas. Não houve sinalização do plano de voo.
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