O movimento típico de cautela antes do final de semana foi agravado nesta sexta-feira, 24, pela volta das preocupações com a crise de solvência da incorporadora chinesa Evergrande, após ela deixar de arcar com compromissos nos Estados Unidos. Assim como os principais índices do exterior, e também afetada pela prévia da inflação de setembro, a Bolsa brasileira (B3) fechou em queda de 0,69%, aos 113.282,67 pontos, encerrando uma sequência de três pregões em alta. No câmbio, o dólar subiu 0,64%, a R$ 5,3438, no maior nível de fechamento desde o dia 23 de agosto.
Investidores globais que possuem títulos da Evergrande em dólares não receberam o pagamento de juros que deveria ter sido feito na quinta-feira. A companhia tinha que pagar US$ 83,5 milhões em juros sobre títulos com valor de face de US$ 2,03 bilhões.
A empresa, porém, ainda pode fazer os pagamentos depois do prazo: há carência de 30 dias antes que os detentores dos títulos possam declarar inadimplência. No entanto, o pagamento perdido abriria espaço para o que poderia ser o maior calote de um título em dólar já cometido por uma empresa da Ásia, conforme relato da Dow Jones Newswires.
Na visão do Ing, todo o caso de resolução de débito da Evergrande está "longe de ser esclarecido". O banco holandês observa que pode haver novas reviravoltas antes de uma reestruturação completa do débito, uma vez que as autoridades chinesas parecem esperar que a gigante do setor imobiliário resolva seus desafios por conta própria.
Para Jonas Goltermann, da Capital Economicas, ainda que o sentimento do mercado tenha se estabilizado após uma venda massiva dos ativos de risco na segunda-feira, o assunto continua sendo sensível e deve permanecer em foco na próxima semana.
"A perspectiva para a semana que vem ainda depende de como o governo da China vai interferir na Evergrande, e como vai ser esta recuperação (da empresa). Acredita-se que o governo está deixando sangrar para dar recado a outras empresas, para evitarem a alavancagem e altas dívidas", diz Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos.
Além disso, também adicionou uma dose extra de cautela à proibição na China das negociações envolvendo bitcoins. "O bitcoin inicialmente caiu mais de 5% e as outras moedas (virtuais) principais caíram cerca de 10%", observa em nota Edward Moya, analista de mercado financeiro da Oanda em Nova York. "Bitcoin, Ethereum e Tether foram especificamente nomeadas como criptomoedas que não podem circular na China", acrescenta o analista.
Com a aversão a risco desde o exterior, setores e empresas de maior peso no Ibovespa, que mostravam ontem recuperação em geral bem distribuída, voltaram a cair hoje, ainda que moderadamente, devolvendo parte da recuperação do dia anterior, a terceira seguida. No plano doméstico, a prévia da inflação de setembro, que subiu 1,14%, no maior patamar para o mês desde 1994, também não ajudou nos negócios, com algumas casas já projetando inflação a 10% ao ano, algo que não era visto desde 2016.
"Os mesmos problemas continuam no radar à medida que nos aproximamos de outubro: inflação em alta e a Evergrande, na China. O desconforto com a inflação talvez ajude a impulsionar a definição de questões importantes, como os precatórios e avanço nas reformas. Lá fora, a injeção de recursos no sistema financeiro da China sugere que as autoridades podem vir a tratar a Evergrande como 'too big to fail", evitando crise sistêmica como a de 2008, nos Estados Unidos", diz Victor Licariao, líder de alocação de renda variável da Blue3.
Entre os setores de maior peso no índice, as perdas entre os grandes bancos ficaram nesta sexta-feira entre 1,34% para Bradesco ON e 2,79% para Santander. Entre as ações metálicas, Vale ON caiu 1,55%, CSN teve baixa de 3,59%, e Usiminas, de 2,16%, em meio às dúvidas sobre a economia da China. Na face positiva, destaque para Minerva, em alta de 4,52%, PetroRio, de 3,87% e JBS, de 3,72%. Apesar do desempenho negativo hoje, o Ibovespa ainda acumula alta de 1,65% na semana. No mês, limita as perdas a 4,63%, que chegaram a superar 8% no pior momento de setembro - no ano, cai 4,82%.
Câmbio
A onda de fortalecimento global da moeda americana - que subiu tanto em relação a divisas fortes quanto emergentes - pautou os negócios no mercado doméstico de câmbio nesta sexta e levou o dólar à vista a se consolidar acima do patamar de R$ 5,30, encerrando a semana com valorização acumulada de 1,17%.
A valorização do dólar, nesta semana, se deve principalmente ao anúncio da diminuição do programa de compra de ativos dos Estados Unidos, processo chamado de 'tapering', que pode começar já em novembro, segundo sinalizou o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell. O corte nos estímulos favorece o dólar, pois torna a renda fixa americana mais atraente, diminuindo o apelo de papéis dos países emergentes.
"Por mais evasivo que o Fed possa ser, o fato é que estamos chegando perto do tapering, que só não vira em novembro se houver algum problema grave. O mercado está acostumado aos estímulos e isso vai mudar", diz o diretor de estratégia da Inversa Publicações, Rodrigo Natali.
Refletindo a busca dos investidores por proteção, o dólar à vista operou em alta desde a abertura dos negócios, sempre acima da linha de R$ 5,30, e correu até a máxima de R$ 5,3549 ainda pela manhã. Em setembro, o dólar acumula valorização de 3,32%. O dólar para outubro subiu 0,58%, a R$ 5,3435.
No exterior, o índice DXY - que mede o desempenho do dólar em relação a seis divisas fortes - operou em alta firme, na casa dos 93,300 pontos. A moeda americana também subia em bloco na comparação com divisas emergentes e de países exportadores de commodities, com destaque para o rand sul-africano (+1,52%) - que vinha de uma performance superior a de seus pares - e a lira turca (1,29%), ainda na esteira do corte de juros pelo Banco Central da Turquia ontem. /LUÍS EDUARDO LEAL, ANTONIO PEREZ E MAIARA SANTIAGO
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.